Ementa: análise de jurisprudência - decisões do Superior Tribunal de Justiça e seus fundamentos – profundidade das questões analisadas – tema decadência do direito à impugnação de edital no processo licitatório – nulidade e anulabilidade.
Atentando-se á prática administrativa nos processos licitatórios e à jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, exsurge como questão relevante à análise pelo presente trabalho o tratamento dado pelo Poder Judiciário, especialmente o Superior Tribunal de Justiça, à solução de questionamentos decorrentes da previsão contida no art. 41 da lei 8.666/93, a estabelecer que decairá o direito à impugnação ao edital do processo licitatório, acaso reste inerte a parte interessa em questioná-lo, no prazo de até dois dias antes da data de abertura dos envelopes de propostas, em seu confronto com o que dispõe o art. 5º da Constituição Federal, inciso XXXV, ao não permitir que se exclua de análise do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito ante a ilegalidade no atuar da Administração.
A lei 8.666/93 trata a questão da decadência com os seguintes dispositivos.
Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.
§ 1o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113.
§ 2o Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Assim, e numa análise exclusivamente positivista, decai o direito à impugnação do edital, independentemente do vício existente, caso inerte o interessado até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes.
Porém, dependendo do vício existente no edital, direitos podem ser ameaçados ou efetivamente lesionados, o que poderia ensejar irresignação concretizada na provocação do Judiciário, como garantido pelo art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXV:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Neste quadro normativo, o Superior Tribunal de Justiça, não de forma pacífica, vem julgando no sentido de que ultrapassado o prazo de impugnação do edital do procedimento licitatório, não poderia ser provocado o judiciário no intuito de se questionar a validade da regra tida como irregular ou ilegal.
Como paradigma, considerar-se-á o seguinte aresto:
Processo RMS 15051 / RS RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2002/0075521-5 Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 01/10/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 18.11.2002 p. 166 LEXSTJ vol. 159 p. 50
Ementa ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO DO TIPO MENOR PREÇO - IMPUGNAÇÃO DO EDITAL - DECADÊNCIA - COMPATIBILIDADE COM A EXIGÊNCIA DE PREÇOS UNITÁRIOS E COM O VALOR GLOBAL.
1. A partir da publicação do edital de licitação, nasce o direito de impugná-lo, direito que se esvai com a aceitação das regras do certame, consumando-se a decadência (divergência na Corte, com aceitação da tese da decadência pela 2ª Turma - ROMS 10.847/MA).
2. A licitação da modalidade menor preço compatibiliza-se com a exigência de preços unitários em sintonia com o valor global – arts. 40, 44, 45 e 48 da Lei 8.666/93.
3. Previsão legal de segurança para a Administração quanto à especificação dos preços unitários, que devem ser exeqüíveis com os valores de mercado, tendo como limite o valor global.
4. Recurso improvido.
Veja-se que, em nosso entender e com a devida vênia, o Superior Tribunal de Justiça não desce a particularidades do caso concreto que nos parecem imprescindíveis à correta solução da questão.
Ou seja, e para especificar o âmbito da presente análise, com fins de uma melhor concretização do direito aplicável à hipótese, necessário seria um aprofundamento específico sobre a natureza do vício combatido no edital, assim como da conduta do licitante e do pedido deduzido em juízo.
Com efeito, primeiramente, deve-se levar em conta a natureza das ações e/ou omissões adotadas pelos licitantes.
Desta forma, caso o licitante não tenha apresentado qualquer impugnação ao edital, no prazo estabelecido na lei, e, a par disso, tenha adotado uma ação positiva, ou seja, a participação na licitação, deve-se entender que, de fato, não seria mais possível a ele arguir vícios futuros no edital.
Neste sentido é a lição de Marçal Justen Filho, para quem é necessária a conjugação destes dois fatores – ausência de impugnação do edital e participação na licitação – para que o licitante fique impedido de arguir perante o Judiciário o vício porventura existente. Estas são as palavras do mencionado professor:
“Daí se segue que o puro e simples silêncio ou a mera omissão não podem ser interpretados como manifestação de vontade, segundo as concepções clássicas da Teoria Geral do Direito. Como regra, a renúncia a direito pode ser produzida quando o silêncio for qualificado ou acompanhado de alguma outra forma de manifestação inequívoca de vontade. Isso permite afirmar que o sujeito que participa de uma licitação, submetendo-se a todas as exigências contempladas no ato convocatório, atual tal como se não tivesse ressalva ou divergência em vista das cláusulas editalícias.
Ou seja, a questão não reside na pura e simples omissão de impugnar as condições do edital, mas na participação no certame, sem ressalvas. Somam-se duas condutas distintas: ausência de impugnação (atuação omissiva) e participação no certame (atuação ativa), permitindo-se extrair-se a inferência de que o sujeito manifestara sua concordância com as condições estabelecidas e a renúncia a discordâncias.”
Todavia, com devida vênia, deve-se entender que a aplicação do art. 41, § 2º da Lei de Licitações e Contratos Administrativos deve ser restringida às hipóteses de atos anuláveis, uma vez que se trata de atos que são passíveis de convalidação pela Administração.
Tratando-se, pois, de vícios menos relevantes, que não ferem interesses indisponíveis, haveria uma verdadeira convalidação, ante a ausência de impugnação do edital. Mais uma vez, vale conferir as lições de Marçal Justen Filho sobre o tema:
“O regime de direito público aplica-se sem ficar dependente a atuação dos particulares-licitantes. A ausência de questionamento ou de impugnação não elimina a nulidade. A Administração tem o dever de pronunciá-la, até mesmo de ofício, tão logo tenha conhecimento de sua possibilidade de convalidação apenas vícios de anulabilidade. A omissão do interessado somente afeta os casos de anulabilidade, nos quais estão envolvidos interesses privados e disponíveis dos licitantes. Nessa (e somente nessa) hipótese, a inexistência de impugnação convalida o ato e acarreta o desaparecimento do vício.”
Todavia, na hipótese de o vício consagrado no edital constituir nulidade, a questão deve ser analisada por um outro ângulo.
Conforme se sabe, os vícios de nulidade dos atos administrativos não são passíveis de convalidação e podem inclusive ser pronunciados de ofício pela Administração.
Assim, vícios deste jaez não poderiam ser considerados sanados simplesmente pela ausência de impugnação de um licitante, sob pena de se admitir que um particular disponha acerca de atos administrativos, decidindo quais deles deveriam permanecer no mundo jurídico ou não.
Consequentemente, em casos de atos nulos, fica sempre preservada a possibilidade de apreciação da questão pelo Poder Judiciário, sob pena de violação ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição e de se admitir a convalidação de um ato nulo.
Por outro lado, para se evitar que algum licitante recorra ao Judiciário tardiamente, tão-somente para fins de tumultuar a licitação, algumas ponderações devem ser feitas.
É que se o licitante permaneceu inerte quanto à sua faculdade de impugnação ao edital e o ato viciado for insanável, ainda sim seria permitida a atuação, mas sem a tutela da específica situação do licitante.
Ou seja, seria permitido ao Judiciário apreciar ao ato administrativo questionado em nome do interesse público, mas não para tutelar especificamente o direito subjetivo do licitante.
Assim, poderia ser analisada uma ação com o propósito de declarar nula a licitação, por meio de ações populares, ou ações promovidas pelo Ministério Público. Entretanto, não poderia ser analisada uma ação que versasse direito subjetivo do licitante que deixou de impugnar o edital.
Desta forma, como se viu, várias nuances permeiam a situação concreta posta em juízo, restando necessária sua consideração quando da subsunção das normas aplicáveis, eis que uma generalização, como parece ser qualquer orientação jurisprudencial pacificada sobre a matéria, impediria a correta aplicação do direito.
Neste sentido, e entendendo adimplida a singela pretensão do presente estudo, conclui-se inadaqueda a aplicação de jurisprudência genérica sobre a decadência ao direito de impugnação ao edital e posterior provocação do Judiciário, eis que por vezes não se considera apropriadamente questões imprescindíveis à correta resolução da lide.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Pedro Vasques. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre decadência do direito à impugnação de edital no processo licitatório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41291/a-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica-sobre-decadencia-do-direito-a-impugnacao-de-edital-no-processo-licitatorio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.