RESUMO: O presente artigo tem como objetivo tecer um breve histórico acerca da sistemática de cômputo dos juros de mora e da correção monetária nas condenações contra a Fazenda Pública e analisar o alcance dos efeitos do julgamento das ADIs 4.357/DF e 4.425/DF pelo Supremo Tribunal Federal nos cálculos de liquidação elaborados de acordo com as Resoluções nº 134/10 e 267/13 do Conselho da Justiça Federal.
Palavras-chave: juros de mora e correção monetária; condenação contra a Fazenda Pública; lei 11.960/09; inconstitucionalidade da lei 9.494/97; Resolução nº 134/10 do CJF; Resolução nº 267/13 do CJF.
De acordo com o art. 1.062 do Código Civil de 1916, eram aplicados juros simples de 6% ao ano (0,5% ao mês) quando não convencionados. O art. 406 do Código Civil de 2002 alterou o percentual previsto no Código anterior e passou a estabelecer a aplicação da mesma taxa de juros em vigor para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (taxa Selic), a partir de 01/2003.
Contudo, no que se refere ao pagamento das verbas remuneratórias devidas pela Fazenda Pública a servidores e empregados públicos, a Medida Provisória 2.180-35/01 acresceu o art. 1º-F à Lei 9.497/97, estabelecendo o percentual de juros de 6% ao ano.
A redação original do art. 1º-F da lei 9.494/97 (6% ao ano) permaneceu eficaz mesmo após o advento do Código Civil de 2002, por se tratar de lei específica:
Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento das verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano (incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001).
Se havia dúvida quanto à aplicação do art. 1º-F da lei 9.494/97 apenas às ações de servidores ou empregados públicos ou a todas as condenações impostas à Fazenda Pública, essa questão foi solucionada pela lei 11.960/09, que alterou o artigo 1º-F da lei 9.494/97 para estabelecer que em todas as condenações impostas à Fazenda Pública devem incidir os mesmos juros da caderneta de poupança, a partir de 07/2009:
Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)
Na mesma linha da lei 11.960/09, mas quanto ao regime de pagamento de precatórios, a Emenda Constitucional nº 62/09 alterou o artigo 100 da Constituição Federal para dispor no parágrafo 12º que “para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança”.
Cumpre ressaltar que os juros aplicados à caderneta de poupança correspondiam a juros simples de 6% ao ano (0,5% ao mês), nos termos da redação original do artigo 12, inciso II, lei 8.177/91.
Ocorre que os juros das cadernetas de poupança foram alterados e vinculados à variação da meta da taxa Selic, a partir da Medida Provisória nº 567, de 03 de maio de 2012, convertida na lei 12.703, de 07 de agosto de 2012, que alterou o artigo 12, inciso II, da lei 8.177/91:
Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:
(...)
II - como remuneração adicional, por juros de: (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos. (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)
Dessa forma, caso a meta da taxa Selic seja definida pelo Banco Central com percentual inferior a 8,5%, os juros de mora serão de 70% da meta da taxa Selic, porém, se a meta da taxa Selic for superior a 8,5%, os juros serão de 0,5% ao mês.
Diante da natureza processual de tais normas, os novos critérios estabelecidos para o cômputo dos juros legais e da correção monetária têm aplicação imediata a partir das respectivas vigências (STF, RE 559.445 e STJ, RESP 1111117, RESP 1112746 E RESP 594486).
Por sua vez, quanto à correção monetária, os indexadores são aplicados da seguinte forma[1]:
1964 a fev/86 ORTN;
mar/86 a jan/89 OTN (os débitos anteriores a jan/89 deverão ser multiplicados, neste mês, por 6,17);
Jan/89 IPC / IBGE de 42,72%
Fev/89 IPC / IBGE de 10,14%
mar/89 a mar/90 BTN;
mar/90 a fev/91 IPC/IBGE;
mar/91 a nov/91 INPC;
dez/91 IPCA série especial
jan/92 a dez/2000 Ufir
jan/2001 a jun/2009 IPCA-E / IBGE
A partir de jul/2009 Índice de atualização monetária (remuneração básica) das cadernetas de poupança, que atualmente é a TR.
Portanto, a partir de julho de 2009, após a alteração da lei 11.960/09 ao artigo 1º-F da lei 9.494/97, passaram a ser utilizados nas condenações contra a Fazenda Pública a taxa de juros das cadernetas de poupança, para recomposição da mora, e o índice de remuneração básica das cadernetas de poupança (Taxa Referencial – “TR”), para a atualização monetária.
Todavia, no ano de 2013, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, prevista na Emenda Constitucional nº 62/09 e, por arrastamento, a mesma expressão contida no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, ao julgar parcialmente procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs 4.357/DF e 4.425/DF, na medida em que tal índice seria incapaz de preservar o valor real do crédito (STF, Informativo nº 698, de 11 a 15 de março de 2013).
Após o julgamento da ADI 4.425/DF, publicado no DJE na data de 19/12/2013, surgiram inúmeros questionamentos quanto ao alcance da referida decisão, os quais se renovam com a publicação do acórdão na ADI nº 4357/DF, em 26/09/2014.
Inicialmente, questiona-se se a declaração de inconstitucionalidade pelo STF referiu-se somente aos critérios de correção monetária ou se também foram declarados inconstitucionais os critérios de juros de mora aplicados às cadernetas de poupança em relação ao pagamento de precatórios e aos cálculos de liquidação em geral.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no AgRg no AREsp 29723 / SP) e do Conselho de Justiça Federal - CJF[2] apenas foi declarada inconstitucional a expressão “índice de remuneração básica das cadernetas de poupança”, mantida a eficácia da expressão “juros aplicados à caderneta de poupança”.
Tanto é verdade que a Resolução nº 267/13 do CJF substituiu somente o critério de correção monetária previsto na Resolução nº 134/10 (“índice de remuneração básica das cadernetas de poupança” – “TR”) para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - Série Especial (IPCA-E) para as sentenças condenatórias em geral e pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para sentenças proferidas em ações previdenciárias (art. 41-A da lei nº 8.213/91), mas manteve a aplicação da lei 11.960/09 quanto aos juros de mora, apenas atualizando a Resolução nº 134/10 diante da alteração da taxa de juros da poupança promovida pela lei 12.703/12.
Nesse sentido, vale transcrever o julgamento do Superior Tribunal de Justiça no EDcl no AgRg no AREsp 29723 / SP, in verbis:
(...)
3. A questão, então, foi objeto de nova decisão pela Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 1.270.439/PR, representativo de controvérsia, realizado em 02.08.2013, da relatoria do ilustre Ministro CASTRO MEIRA, ocasião em que se
firmou o entendimento de que nas condenações impostas a Fazenda Pública a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5o. da Lei 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA. No tocante aos juros moratórios, permanece o entendimento de que devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
(...)
5. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para adequar o julgamento ao quanto decidido em recurso representativo de controvérsia.
(STJ, EDcl no AgRg no AREsp 29723/SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Órgão Julgador 1ª Turma, Data do Julgamento 05/08/2014, Data da Publicação/Fonte DJe 19/08/2014).
Apesar de todo esse contexto, ainda há dúvida quanto à existência de certa contradição no julgamento, já que na ementa do acórdão constou a “inconstitucionalidade da utilização do rendimento da caderneta de poupança como índice definidor dos juros moratórios dos créditos inscritos em precatórios, quando oriundos de relações jurídico-tributárias”.
Nesse sentido, ainda deverá o STF esclarecer se a inconstitucionalidade também alcançou os critérios de juros de mora das cadernetas de poupança ou apenas o índice de correção monetária nas condenações contra a Fazenda Pública.
Ademais, o STF também deverá esclarecer a decisão no que se refere à modulação temporal dos efeitos das ADIs.
Nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, poderá a Suprema Corte, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Portanto, conclui-se que é precipitada a Resolução nº 267, de 02/12/2013, do Conselho da Justiça Federal, que aprovou a nova versão do Manual de Cálculos da Justiça Federal, especialmente quanto à imediata alteração dos critérios de correção monetária, mediante a substituição da “TR” pelo “IPCA-E” e “INPC”, já que ainda faltam esclarecimentos da Suprema Corte, inclusive quanto à modulação dos efeitos da decisão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da lei 11.960/09, o índice de correção monetária e a taxa de juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública passaram a ser computados de acordo com aqueles aplicados às cadernetas de poupança.
Os juros da caderneta de poupança estão previstos na lei 8.177/91. De acordo com a redação original do art. 12 da referida lei, devem ser aplicados juros simples de 0,5% ao mês até maio de 2012. A partir de então, incidem juros de acordo com a variação da meta da taxa Selic, nos termos previstos na Medida Provisória nº 567, de 03 de maio de 2012, convertida na lei 12.703, de 07 de agosto de 2012, que alterou o artigo 12, inciso II, da lei 8.177/91.
Por sua vez, para a correção monetária, adota-se o índice de remuneração básica das cadernetas de poupança (Taxa Referencial – “TR”), a partir de 07/2009.
Todavia, o STF julgou parcialmente procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs 4.357/DF e 4.425/DF para declarar a inconstitucionalidade da expressão “índices oficiais de remuneração básica”.
Após a publicação dos acórdãos, questiona-se se o julgamento alcançou apenas os critérios de correção monetária ou também os juros de mora das cadernetas de poupança, bem como qual será a modulação de efeitos da decisão, o que ainda será esclarecido pela Suprema Corte.
Por esse motivo, a Resolução nº 267/13 do CJF é precipitada ao determinar a substituição do índice de remuneração básica das cadernetas de poupança pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo - Série Especial (IPCA-E) para as sentenças condenatórias em geral e pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para sentenças proferidas em ações previdenciárias e, por ora, deve ser afastada.
Com efeito, até que seja proferida a decisão quanto à modulação dos efeitos pelo Supremo Tribunal Federal, a lei 11.960/09 deve continuar a ser aplicada tanto para o cômputo dos juros de mora quanto da correção monetária.
REFERÊNCIAS
Informativo nº 698, de 11 a 15 de março de 2013. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo698.htm>. Acesso em 03 out 2014.
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/10 do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: < https://www.jfrs.jus.br/upload/Contadoria/manual_calculos_jf.pdf>. Acesso em 03 out 2014.
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/13 do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <https://www2.jf.jus.br/phpdoc/sicom/arquivos/pdf/manual_de_calculos_revisado_ultima_versao_com_resolucao_e_apresentacao.pdf>. Acesso em 03 out 2014.
NOVA versão do Manual de Cálculos da Justiça Federal está disponível para consulta. Conselho da Justiça Federal. 19 dez. 2013. Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias-do-cjf/2013/dezembro-1/nova-versao-do-manual-de-calculos-da-justica-federal-esta-disponivel-para-consulta>. Acesso em 08.10.2014.
[1] Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal.
[2] Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias-do-cjf/2013/dezembro-1/nova-versao-do-manual-de-calculos-da-justica-federal-esta-disponivel-para-consulta>. Acesso em 08.10.2014.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Escola Superior da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TSUTSUI, Priscila Fialho. Juros de mora e correção monetária nas condenações contra a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41298/juros-de-mora-e-correcao-monetaria-nas-condenacoes-contra-a-fazenda-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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