Quando do advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência acerca do alcance processual do art. 8º, III, da Carta Magna, ao dispor que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
Passados quase 20 anos da promulgação da Constituição, o Supremo Tribunal Federal assentou seu entendimento sobre o dispositivo, conferindo legitimidade ampla aos sindicatos na propositura e condução de ações coletivas, inclusive nas fases de liquidação e execução de sentenças de direitos individuais multitudinários, coletivamente considerados:
"O art. 8º, III, da CF estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos." (RE 210.029, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-6-2006, Plenário, DJ de 17-8-2007.) No mesmo sentido: AI 844.039, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, julgamento em 13-3-2012, DJE de 19-3-2012;RE 217.566-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-3-2011; RE 193.503, RE 193.579, RE 208.983, RE 211.874, RE 213.111, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-6-2006, Plenário,DJ de 24-8-2007.
Não obstante, o entendimento do STF foi de encontro à doutrina mais abalizada sobre a matéria, conforme se passa a expor.
A legitimação ativa em processos coletivos
A regra geral de legitimação ativa no processo civil brasileiro encontra-se no art. 6o do CPC, segundo o qual "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".
Assim, como regra, somente a vítima de uma lesão ou ameaça de lesão a direito pode demandar em juízo sua prevenção ou reparação, a não ser que haja expressa disposição legal que permita a um terceiro fazê-lo em seu lugar.[1]
Logo, a regra é a legitimação ordinária, em que há “coincidência entre a titularidade da pretensão e a possibilidade de levá-la a juízo para promover sua defesa”[2]. Contudo, o próprio diploma processual apresenta hipóteses de exceção a essa regra de legitimação ordinária, prevendo casos de legitimação extraordinária, em que se autoriza a defesa de direito alheio em nome próprio. Nesses casos, “existe verdadeira dissociação entre o titular do direito discutido e aquele que pode agir em juízo formulando pretensão”[3].
Ocorre, pois, a legitimação extraordinária, ou substituição processual, “quando alguém está legitimado para litigar em juízo, em nome próprio, como autor ou réu, na defesa de direito alheio”[4]; noutras, palavras, na substituição processual “a parte processual é pessoa distinta daquela que é parte material do negócio jurídico litigioso”[5].
A substituição processual não se confunde com o instituto da representação. A representação pressupõe a existência de sujeito processual que não atua em nome próprio, mas está em juízo para defender direito material hipotético que não lhe pertence. Aqui, o representante age em nome do representado e, por isso, parte mesmo é o representado. Já na substituição processual, o substituto age em nome próprio e, por isso, é parte o próprio substituto, não o substituído.
Ocorre que o CPC foi elaborado sob o paradigma da solução individual de conflitos e, por isso, os institutos nele previstos não podem ser integralmente adotados quando se está diante de processos de índole coletiva, sem que sejam feitas algumas adaptações. Essa é a razão pela qual se teve de repensar a legitimação ativa nos processos coletivos.
Conforme dispõem os comandos legais que regem o assunto, com destaque para o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, possuem legitimidade ativa para tutelar direitos alheios em processos coletivos alguns representantes da sociedade que se situariam numa posição intermediária entre os cidadãos e os representantes eleitos pelo povo[6], quais sejam:
entes públicos (pessoas jurídicas de direito público interno, Ministério Público, Defensoria Pública), entidades paraestatais (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações), entidades privadas (associações civis, sindicatos).[7]
Muito se discute na doutrina qual seria a modalidade de legitimação desses entes coletivos, se ordinária ou extraordinária, quando figuram no polo ativo de ações coletivas.
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, as associações civis possuem legitimação ordinária para ajuizarem ações coletivas[8].
Já Álvaro Luiz Valery Mirra afirma que as associações civis e o Ministério Público “agem em nome próprio na defesa de direitos de todos os membros do grupo social, com legitimação extraordinária para o exercício das ações coletivas”[9].
Ada Pellegrini Grinover entende que a legitimação em ações que versam sobre direitos individuais homogêneos seria caso de legitimação extraordinária, via substituição processual, tendo em vista que o art. 91 do CDC dispõe que os entes legitimados promoveriam a ação coletiva “em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores”[10].
Thereza Alvim se refere à legitimação coletiva genérica e à legitimação coletiva institucional, esta última relativa à legitimidade do Ministério Público[11].
Por sua vez, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery classificam como “legitimação autônoma para a condução do processo” a atuação desses entes na condução de processos coletivos[12].
No mesmo sentido, por entender que a questão da legitimação ativa para ações coletivas encerra situação “em que não se pode buscar apoio nos conceitos aplicáveis ao processo civil tradicional, e rigorosamente trata de buscar um novo ‘modelo’ de legitimação”, Luiz Rodrigues Wambier também a classifica como legitimação autônoma[13].
De fato, os contornos da legitimação dos entes coletivos não podem ser traçados pelos tradicionais conceitos do Processo Civil, idealizados sob um paradigma de solução individual de conflitos.
É que, como adverte ADA PELLEGRINI GRINOVER, a “legitimação para a causa foi tradicionalmente comprimida, pela processualística clássica, nos limites da coincidência entre a titularidade do direito material e a titularidade da ação”, sendo necessária, em nosso entender, a criação de um novo sistema processual, capaz de conviver com o do Código, mas também capaz de oferecer respostas aos novos tipos de conflitos.[14]
Por isso, a discussão não se encerra em definir se a atuação dos entes coletivos seria hipótese de representação, de substituição processual, ou de um tertium genus de legitimação. No âmbito da processualística coletiva, mais importante que rotular o modo de atuação dos entes legitimados é delimitar com precisão quais poderes e consequências decorrentes da legitimidade ativa melhor se adequam à sistemática processual coletiva como um todo.
A legitimação ativa nas fases de liquidação e execução de sentenças coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos
Mesmo diante do dissenso doutrinário acerca da classificação da legitimação ativa nos processos coletivos, há um ponto em que se pode afirmar haver convergência de pensamentos, inclusive em razão do tratamento legislativo diferenciado (como a criação de uma ação própria, a ação civil coletiva): a forma de atuação do ente legitimado em defesa de direitos individuais homogêneos é diferente da atuação quando busca a tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu.
Quando se busca proteger direitos individuais homogêneos, é inegável que o ente coletivo está em juízo na defesa de direito alheio, cujo titular pode ser plenamente identificado. Dessa forma, seja via legitimação autônoma, seja por legitimação ordinária ou extraordinária, o fato é que o ente coletivo propõe e conduz uma ação em que se busca, ao final, uma reparação pecuniária a cada um dos indivíduos lesados, que devem ser indenizados de maneira particularizada de acordo com o dano sofrido.
Logo, em algum momento entre o início e o final do processo, ou seja, entre a propositura da ação e a efetiva satisfação pecuniária dos indivíduos lesados, deve acontecer a transição do tratamento massificado da lide para a particularização do conflito. Por isso, também a função do ente coletivo na condução desse processo de tutela de interesses individuais homogêneos passa por transformações, de acordo com a fase em que se encontra o processo.
Até mesmo pela lógica da inserção da tutela de direitos individuais homogêneos na seara dos processos coletivos, que privilegia a economia processual ao se buscar um único título executivo que contemple vários indivíduos lesados, unidos por uma situação jurídica comum, não há porque se buscar restringir a atuação dos entes coletivos durante a fase de conhecimento do processo. Logo, até o trânsito em julgado da ação, o ente coletivo pode atuar em nome próprio, independentemente de indicação precisa e particularizada dos indivíduos titulares dos direitos tutelados (como apresentação de listagem de substituídos ou de representados), uma vez que o título judicial deve possuir natureza genérica.
(...) limitando-se a demanda ao núcleo de homogeneidade dos direitos individuais, a correspondente sentença de mérito fica também restrita aos mesmos limites. Ela fará juízo apenas sobre o an debeatur (= a existência da obrigação do devedor), o quis debeatur (= a identidade do sujeito passivo da obrigação) e o quid debeatur (= a natureza da prestação devida). Os demais elementos indispensáveis para conferir força executiva ao julgado – ou seja, o cui debeatur (= quem é o titular do direito) e o quantum debeatur (= qual é a prestação a que especificamente faz jus) – são objetos de outra sentença, proferida na ação de cumprimento (segunda fase).[15]
Assim, em determinado momento do processo que versa sobre direitos individuais homogêneos, chega a hora de se particularizar a demanda, inicialmente tratada de maneira coletiva, massificada. Afirma-se, pois, que
os direitos individuais, para serem tutelados coletivamente, devem ser submetidos a procedimento cuja cognição será, em maior ou menor medida, mas necessariamente, repartida em duas fases distintas, uma para as questões jurídicas que permitam tratamento uniforme e que trará como resultado uma sentença genérica, outra para as questões particulares de cada titular do direito individual tutelado.[16]
Dessa forma, em processos que têm por objeto direitos individuais homogêneos, a atuação do ente coletivo pode até ser qualificada como de substituição processual num primeiro momento, de acertamento do direito em termos gerais, qual seja, na fase de conhecimento. Após o trânsito em julgado da ação, o tratamento coletivo de demandas individuais cede espaço à necessária particularização do litígio, com a análise caso a caso nas fases de liquidação e execução de sentença.
Esse momento de transição processual – final da cognição e início da execução, com a liquidação – tem por reflexo a modificação do papel do ente coletivo, caso ele permaneça figurando no polo ativo do processo. Se até o trânsito em julgado ele figurou como substituto processual[17], com o início da liquidação sua função passa a ser de representante processual e, por conseguinte, sua atuação passa a ser objeto de maiores restrições.
No mesmo sentido, vasta é a doutrina especializada em direito processual coletivo que afirma carecerem os entes coletivizados de legitimidade para, irrestritamente e como substitutos processuais, figurarem no polo ativo do processo nas fases de liquidação e execução de sentenças que contemplam direitos individuais homogêneos.
Ensina a doutrina, que apresenta completa coerência com todo o microssistema legal de Direito Processual Coletivo, que a atividade dos sindicatos e demais entes legitimados do art. 82 do CDC, nas fases de liquidação e execução de sentenças de direitos individuais homogêneos, acontece na forma da representação, não mais por substituição processual. Assim, caberia às vítimas que foram contempladas no título judicial coletivo habilitarem-se a título individual, procedendo à liquidação e execução do julgado diretamente (por meio de execução individual, com legitimação ordinária do prejudicado) ou pelas entidades legitimadas no art. 82 do CDC (via representação processual, promovendo liquidações e execuções litisconsorciais).
A propósito, valem a transcrição os comentários da Professora Ada Pellegrini Grinover sobre o art. 97 do Código de Defesa do Consumidor (regra que compõe o microssistema de direito processual coletivo pátrio, considerada norma de sobredireito):
Art. 97 – A liquidação e a execução da sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
(...)
O caput do art. 97 estabelece poderem a liquidação e execução da sentença condenatória ser promovidas quer pelas vítimas do dano e seus sucessores, quer pelos entes e pessoas legitimadas às ações coletivas pelo art. 82 do Código.
Tanto num como noutro caso, porém, a liquidação e a execução serão necessariamente personalizadas e divisíveis.
Promovidas que forem pelas vítimas e seus sucessores, estes estarão agindo na qualidade de legitimados ordinários, sendo individual o processo de liquidação e execução.
E quando a liquidação e a execução forem ajuizadas pelos entes e pessoas enumerados no art. 82? A situação é diferente da que ocorre com a legitimação extraordinária à ação condenatória do art. 91. Lá, os legitimados agem no interesse alheio, mas em nome próprio, sendo indeterminados os beneficiários da condenação. Aqui, as pretensões à liquidação e execução da sentença serão necessariamente individualizadas: o caso surge como de representação, devendo os entes e pessoas enumeradas no art. 82 agirem em nome das vítimas ou sucessores[18].
Logo, deve-se entender que a regra do art. 8º, III, da CF/88 confere aos sindicatos o poder de atuarem, na defesa de direitos individuais homogêneos, como substitutos processuais na fase de conhecimento, mas apenas como representantes das vítimas nas fases de liquidação e execução de sentença, o que lhes impõe algumas exigências na condução do processo nestas fases posteriores do processo.
Demonstrando a pluralidade de vozes renomadas fazendo coro com a professora paulista, transcrevemos:
Quando os entes legitimados pelo art. 82 do CDC agem liquidando danos individuais homogêneos, fazem-no necessária e subsidiariamente, na qualidade de representantes das vítimas e sucessores. Nesta hipótese, aconselha-se a restrição do número de representados, desaconselhada a formação de litisconsórcio ativo ou multitudinário.[19]
Já na hipótese de ação civil pública ‘trabalhista’ para proteção de interesses individuais homogêneos, poderemos ter uma liquidação individual (preferencial) ou uma liquidação coletiva (subsidiária ou residual), ou ambas ao mesmo tempo.
A liquidação será individual quando promovida diretamente pelo titular do direito subjetivo ou em regime de ‘representação’ por qualquer dos entes coletivos co-legitimados para a ação civil pública cognitiva (CDC, arts. 91 e 97), cabendo aos liquidantes, em ambos os casos, provar o nexo de causalidade, o dano e seu montante. Aqui, o que se busca é a identificação dos lesados, o nexo de causalidade e a apuração dos prejuízos individualmente sofridos.
Será coletiva a liquidação quando promovida pelos entes coletivos do art. 82 do CDC, na qualidade de legitimados autônomos para a condução do processo. Neste caso, o objetivo da liquidação consiste em apurar, tão-somente, o valor da indenização aos danos globalmente causados, cujo produto final arrecadado será revertido para um fundo especial (CDC, art. 100, parágrafo único) destinado à reconstituição dos bens lesados (fluid recovery)”.[20]
A segunda característica da ação coletiva é dupla forma da legitimação ativa. Na primeira fase, ela é necessariamente por substituição processual, sendo promovida por órgão ou entidade autorizado por lei para, em nome próprio, defender em juízo direitos individuais homogêneos. Já na segunda fase (ação de cumprimento), a legitimação se dá, em regra, pelo regime comum da representação.[21]
Para elucidar o assunto, vislumbrando essas duas formas distintas de atuação do ente coletivo na liquidação de sentença que versa sobre direitos individuais homogêneos, ensina Carlos Henrique Bezerra Leite:
poderá o sindicato, isoladamente ou litisconsorciando-se ao Ministério Público do Trabalho, promover a liquidação coletiva, desde que verificada, no prazo de um ano contado da data da cientificação pelos interessados da sentença condenatória genérica, a inexistência ou inexpressividade do número de liquidações (habilitações) individuais em relação ao dano causado.
Neste caso, a pretensão sindical consiste exclusivamente em obter a fixação de um quantum para reparar o prejuízo em sua dimensão global, levando em conta os danos causados pelo réu e reconhecidos na sentença genérica cognitiva, sendo certo que o produto da indenização será destinado à fluid recovery (CDC, art. 100), valendo lembrar que no processo do trabalho tem sido corrente a destinação ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Já na liquidação individual, os sindicatos podem “representar” os trabalhadores titulares dos direitos subjetivos destinatários da condenação genérica do art. 95 do CDC. A base legal dessa representação está nos arts. 791, §1º, e 513, a, da CLT.[22]
No mesmo sentido, vasta é a jurisprudência:
Ementa PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO COLETIVA. SINDICATO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I - Os sindicatos que tenham ajuizado ação coletiva, em substituição processual, têm legitimidade ativa para executar a respectiva sentença, mas na qualidade de representação processual. Precedentes.
II - Agravo interno desprovido.
Processo AgRg no REsp 760746 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2005/0101029-1 Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 27/09/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 17.10.2005 p. 350
Ementa PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA NÃO EMBARGADA. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180-35, DE 24/08/01.
1. Os sindicatos têm legitimidade para propor a liquidação e a execução de sentença proferida em ação condenatória na qual atuaram como substitutos processuais, caso não promovidas pelos interessados, hipótese em que as referidas entidades atuam em regime de representação processual.
2. omissis
3. Agravo Regimental desprovido.
Processo AgRg no REsp 672433/RS
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2004/0115854-2 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 18/10/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 14.11.2005 p. 199
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. SINDICATO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SUBSTITUIÇÃO E REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. TÍTULO. LIQUIDEZ E CERTEZA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. DISTRIBUIÇÃO POR PREVENÇÃO.
1. O Sindicato não tem legitimidade ativa ad causam para propor ação de execução em nome dos sindicalizados, quando o título executivo judicial se originar de sentença proferida em matéria versando sobre direitos individuais homogêneos.
2. A substituição processual é a exceção pois, tratando-se de direitos individuais homogêneos, por serem simples direitos subjetivos individuais, divisíveis e integrados ao patrimônio de titulares certos, que exercem com exclusividade o poder de disposição, a ação de execução somente será possível pelo regime de representação.
(...)
(TRF 4ª Região. Terceira Turma. AC 531428/RS. Proc. 200204010449574. Rel. Juíza Marga Inge Barth Tessler. DJU 09/07/2003, p. 410)
Tal coerência do microssistema de direito processual coletivo pode ser observada em outros artigos do Código de Defesa do Consumidor, ao diferenciarem a execução individual da execução coletiva quando em tela título judicial que versa sobre direitos individuais homogêneos. A propósito, observe-se o art. 98 e o seguinte comentário da eminente processualista Ada Pellegrini:
Art. 98 – A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.
(...)
Realizada a liquidação da sentença condenatória, nos termos do art. 97, a lei contempla dois tipos de execução, no art. 98: a individual, à qual continua ordinariamente legitimado o prejudicado; e a coletiva, em que os entes e pessoas indicadas no art. 82 agem na qualidade de representantes das vítimas ou sucessores[23].
Conclusão
Demonstra-se, pois, ser afinado o coro da doutrina especializada, tal como o da jurisprudência do STJ, em destacar que os entes do art. 82 do CDC – dentre eles, o sindicato – só podem atuar em liquidação e execução de sentença de direitos individuais homogêneos de duas formas:
a) em nome próprio, promovendo liquidação e execução visando uma reparação monetária a ser revertida para um fundo especial (art. 100, parágrafo único do CDC); ou
b) como representantes dos detentores do direito lesado, promovendo liquidação e execução a título individual (ainda que em liquidações/execuções plúrimas ou multitudinárias, também chamada por alguns de “coletivas”).
Assim, merece reflexão e o devido enfrentamento jurídico o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o art. 8º, III, da CF/88, conferindo legitimidade ampla aos sindicatos na propositura e condução de ações coletivas, inclusive nas fases de liquidação e execução de sentenças que versam sobre direitos individuais homogêneos.
[1] GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo. Ed RT. 2007. p. 116.
[2] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação da Sentença Civil Individual e Coletiva. São Paulo. Ed. RT. 2010. p. 277.
[3] Idem.
[4] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo. Ed. Saraiva. 1999. p. 349.
[5] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 1998. p. 77.
[6] GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo. Ed RT. 2007. p. 117.
[7] Op cit, p. 116.
[8] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos. São Paulo. Ed. RT. 2004. p. 208.
[9] GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo. Ed RT. 2007. p. 117
[10] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 1999. p. 628.
[11] ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo, p. 117, apud WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação da Sentença Civil Individual e Coletiva. São Paulo. Ed. RT. 2010. p. 279.
[12] NERY JR., Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 628, nota 17, apud WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação da Sentença Civil Individual e Coletiva. São Paulo. Ed. RT. 2010. p. 279.
[13] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação da Sentença Civil Individual e Coletiva. São Paulo. Ed. RT. 2010. p. 279.
[14] Op cit. p. 276.
[15] GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo. Ed RT. 2007. p. 36.
[16] op cit. p. 37.
[17] Ou como ente com legitimação autônoma para a condução do processo, para a parte da doutrina já mencionada (Nelson Nery Jr. e Luiz Rodrigues Wambier – vide item 3.1 supra).
[18] GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto. p. 553.
[19] VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. Malheiros. São Paulo. 2000. p. 164.
[20] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Liquidação na Ação Civil Pública. São Paulo. LTR. 2004. pp. 214-215.
[21] ZAVASCKI, Teori Albino. in Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 36.
[22] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Liquidação na Ação Civil Pública. São Paulo. LTR. 2004. pp 182/183.
[23] GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 556.
Procurador Federal. Especialista em Direito Público, com ênfase em Direito Processual Civil, pela UNB. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Belo Horizonte/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROBERTO DA CUNHA BARROS JúNIOR, . O Art. 8º, III, da CF/88 e a legitimação ativa nas fases de liquidação e execução de sentenças coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41301/o-art-8o-iii-da-cf-88-e-a-legitimacao-ativa-nas-fases-de-liquidacao-e-execucao-de-sentencas-coletivas-que-tutelam-direitos-individuais-homogeneos. Acesso em: 23 dez 2024.
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