Introdução
A CLT apresenta um rol de possibilidades de faltas em que tanto o empregado quanto o empregador podem cometer ao longo do contrato de trabalho. Sempre que uma das partes cometer uma falta o contrato de trabalho poderá ser rescindido pela outra parte com consequências diversas de uma rescisão sem justa causa.
Quando o empregado comete uma falta estabelecida no art. 482 da CLT, o empregador poderá dispensá-lo por justa causa e com isso o trabalhador não terá vários direitos que teria em caso de despedida imotivada. A presente pesquisa buscará demonstrar como se caracteriza uma das hipóteses do rol estabelecido pelo artigo acima citado: trata-se da incontinência de conduta por parte do empregado.
Da incontinência de conduta
Antes de adentrar no tema específico da incontinência de conduta faz-se necessário tecer alguns comentários no que tange à justa causa propriamente dita. Como bem ensina Alice Monteiro de Barros “A justa causa é uma circunstância peculiar ao pacto laboral. Ela consiste na prática de ato doloso ou culposamente grave por uma das partes e pode ser o motivo determinante da resolução do contrato.” [1]
A autora, como se pôde perceber, fez referência a um ato faltoso de uma das partes, mas o que importa neste momento é examinar a conduta do empregado, que sendo ilícita possibilitará a rescisão de contrato por parte do empregador. Assim, tem-se que, sempre que um trabalhador cometer um ato que esteja arrolado em uma das hipóteses do art. 482 da CLT dará a oportunidade para seu empregador de rescindir o contrato de trabalho sem ônus. [2]
Quando as partes estabelecem uma relação de trabalho e assinam um contrato para tanto, esperam que a outra parte cumpra com seus direitos e obrigações. A relação de emprego deve ser harmoniosa e sem conflitos, ou seja, qualquer excesso do poder diretivo do empregador ou falta do empregado deve ser punida. Não é possível imaginar que uma empresa tenha sucesso se os seus empregados estão insatisfeitos ou se há uma rixa entre empregados e empregadores. Em outras palavras, parece ser imprescindível que exista um bom ambiente de trabalho, em que a relação profissional seja de respeito mútuo entre colegas e superiores hierárquicos. Exatamente por isso que não se admite faltas graves em um ambiente de trabalho, como no caso de um furto em que o empregado é pego levando dinheiro de forma ilegal da empresa. A relação das partes envolvidas torna-se insuportável e, portanto, a relação chega ao fim.
Oportuno esclarecer que nem tudo de errado que o trabalhador fizer poderá ser considerado como falta grave ensejadora de rescisão do contrato por justa causa. Wagner Giglio segue essa mesma linha de raciocínio ao afirmar que o homem é um ser imperfeito e assim está apto a cometer algumas falhas e erros. Nestes termos, entende-se que faz parte do poder disciplinar do empregador punir os atos faltosos de seus empregados com penas que variam desde advertências verbais e escritas, passando por suspensões, até chegar à despedida do empregado por justa causa. Mas se aconselha que o empregador seja justo com seus empregados e saiba dosar de maneira proporcional as possíveis falhas e atos de seus trabalhadores. [3]
Ora, não parece razoável que em um ambiente de trabalho um funcionário que agrediu o empregador fisicamente causando a este lesões corporais receba a mesma punição de outro que foi flagrado dormindo no trabalho por 10 minutos. No primeiro caso não existe mais confiabilidade entre as partes, e assim, se não houver rescisão do contrato imediatamente o ambiente de trabalho ficará completamente comprometido. Já no segundo caso, o mais correto seria uma advertência verbal, visto que foi a primeira vez que o funcionário dormiu no ambiente de trabalho cometendo a falta de desídia, mas não com muita intensidade e menos gravidade que outro caso. Cabe ao empregador tomar as medidas possíveis para cada caso e avaliar a melhor solução, mas sempre levando em consideração a gravidade da falta e a justiça de sua decisão, que se for equivocada poderá ser descaracterizada por uma decisão judicial que a converterá em despedida sem justa causa, e com isso, o empregador arcará com todos os ônus deste tipo de rescisão contratual.
De acordo com Ives Gandra Martins Filho a despedida de um empregado por justa causa lhe confere direito apenas de saldo de salários e férias vencidas se houver, ao passo que em uma possível despedida sem justa causa lhe dá o direito de saldo de salários, férias vencidas e/ou proporcionais, 13º salário, aviso prévio, depósitos do FGTS mais a multa de 40% e juros de correção monetária. [4]
Feita esta breve síntese do que vem a ser justa causa, o foco passa a ser a falta estabelecida na alínea “b” do art. 482 da CLT. [5] Muitos autores já buscaram trazer a melhor definição para o termo “incontinência de conduta”, no entanto a doutrina ainda apresenta definições que não condizem com a intenção do legislador ao estabelecer a norma. Carlos Alberto Barata Silva exemplificou dita falta sustentando que: “A vida escandalosa do empregado, o desregramento da conduta, em face da coletividade em geral, podem refletir nas relações de emprego, dado o grau de confiança e a qualificação profissional do empregado, caracterizando a conduta incontinente.” [6]
A definição do autor não está totalmente equivocada, mas merece reparos, visto que, o que realmente caracteriza a incontinência de conduta é o comportamento com conotação sexual do empregado e desde que relacionado com o emprego. [7] Nesse sentido, não cabe dizer que um ato libidinoso realizado por um empregado fora do ambiente de trabalho mereça ser repreendido por justa causa. Sérgio Pinto Martins traz o exemplo de um empregado que frequenta zonas de prostituição e ou faz programas com prostitutas e, que por conta disso, poderia alguém pensar que se trata de falta do empregado por não ter uma conduta ilibada, mas ressalta que isso não pode ser considerado como tal, visto que, a vida pessoal do empregado diz respeito apenas a ele próprio. Sustenta o autor que, a falta pode até ser caracteriza fora do ambiente de trabalho, como no caso do cobrador, office boy ou outro empregado que tenha que prestar serviços fora do estabelecimento de trabalho, o que não deve ser considerado como justa causa é a falta de relação com o trabalho, portanto, um trabalhador que presta serviços à tarde, e deseja frequentar locais imorais à noite terá uma atitude que não possuirá nenhuma ligação com o contrato de trabalho, não evidenciando a falta, evidentemente. [8]
Um exemplo de decisão em que fica evidenciada a incontinência de conduta no ambiente de trabalho se deu no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: “EMENTA: JUSTA CAUSA. INCONTINÊNCIA DE CONDUTA. Comprovado que o reclamante, enquanto porteiro de condomínio, enviou mensagens de conteúdo obsceno do celular da empresa para o filho menor de um dos condôminos. Justa causa adequadamente aplicada, por verificada a hipótese da alínea “b” do art. 482 da CLT. Sentença mantida.” [9]
Como visto, exemplos não faltam para caracterizar a conduta sexual do empregado no ambiente laboral. Consequentemente é correto afirmar que as ações variam desde acesso a sites pornográficos, ou piadas de mau gosto, até ao ato sexual propriamente dito com um(a) colega de trabalho ou qualquer outra pessoa no local de trabalho. As hipóteses são variadas e dependem do caso concreto, mas nem sempre serão passíveis de punição de demissão por justa causa de imediato, quando a conduta for mais leve como um simples comentário relacionado à sexualidade caberá uma advertência, tão somente.
José Luiz Prunes conta que a história já marca o decomedimento sexual desde a época da escravidão em que os senhores abusavam das escravas. Com o tempo, o problema passou para as relações de trabalho, mas nos dias atuais, os abusos em relação a assédios sexuais ou qualquer outro tipo de ato sexual em ambientes de trabalho foram ficando mais contidos em virtude das denúncias por parte das vítimas desses atos deploráveis. As vítimas não estão mais se calando como no passado e, com isso, o agressor passa a se preocupar mais com o que pretende fazer. Claro que em caso específico de assédio sexual, o mais frequente é a conduta sexual por parte do empregador em relação a um ou mais de seus empregados, caracterizando a falta do superior hierárquico e consequentemente a rescisão indireta com todos os benefícios a favor do empregado. Mas, o contrário também é possível, e então se caracteriza a incontinência de conduta. [10]
Conclusão
Com tudo que foi exposto no presente estudo é possível apontar algumas conclusões a título de considerações finais. Primeiro pode-se dizer que em toda relação de emprego deve haver respeito, direitos e obrigações de ambas as partes. Se uma das partes descumprir com essa imposição, a outra poderá rescindir o contrato de trabalho por justo motivo.
Ficou evidenciado também que a justa causa estabelecida pelo art. 482 da CLT deve ser feita de forma grave para que o empregador possa, de fato, despedir alegando falta grave, caso contrário deve este começar com penas mais brandas como advertências e suspensões. Uma das formas de encerrar a relação jurídica contratual trabalhista é a ocorrência da chamada incontinência de conduta, que diz respeito a conteúdos sexuais por parte do empregado. Este não deve praticar nenhum ato desrespeitoso no ambiente de trabalho que tenha conotação sexual, como mandar e-mails de pornografia para seus colegas de trabalho, ou manter algum tipo de relação sexual com outra pessoa dentro do ambiente de trabalho, dentre outros tantos exemplos que podem vir a ocorrer.
Se ficar provado que o empregado cometeu esse tipo de falta, dependendo da situação a falta grave estará caracterizada e a punição de rescisão do contrato por justa causa poderá ser estabelecida de imediato.
Referências
1 – BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 834.
2 – LIRA, J. L. Cavalcanti. Justa causa: teoria, legislação, jurisprudência e prática. 1.ed. Campinas/SP: Agá Juris Editora, 1998. p. 9.
3 – GIGLIO, Wagner D. Justa causa. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 15/16.
4 – MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 142/144.
5 – Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço, condenação criminal do empregado, passada em julgada, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticada no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. Parágrafo único. Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios contra a segurança nacional. (Grifou-se)
6 – SILVA, Carlos Alberto Barata. Compêndio de direito do trabalho: parte geral e contrato individual de trabalho. São Paulo: LTr, 1976. p. 422.
7 – NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 557.
8 – MARTINS, Sergio Pinto. Manual da justa causa. São Paulo: Atlas, 2005. p. 60/61.
9 – RIO GRANDE DO SUL. TRT4. Processo 0001985-18.2012.5.04.0205 (RO). 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. RS. Relator: João Batista de Matos Danda. Julgado em 05/12/2013. Disponível em: http://www.trt4.jus.br. Acesso em: 03 de out. de 2014.
10 – PRUNES, José Luiz Ferreira. Justa causa e despedida indireta. 2. ed. revista e ampliada. Curitiba: Juruá Editora, 2001. p. 172.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. Da justa causa: incontinência de conduta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41330/da-justa-causa-incontinencia-de-conduta. Acesso em: 23 dez 2024.
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