RESUMO: Este artigo irá tão somente enunciar as principais mudanças no Capítulo I do Título VI do Código Penal brasileiro, que traz em sua redação os Crimes Contra a Dignidade Sexual, mostrando o referido Capítulo, antes e depois da reforma feita pela Lei n. 12.015/2009, com o intuito de demonstrar quais os principais pontos que evoluíram socialmente e que motivaram a referida reforma. Para isto, foram expostos na íntegra a redação do Capítulo I a priori e a posteriori à Lei n. 12.015/2009, para a realização de um comparativo. Ao final procurou-se realizar uma conclusão de forma crítica, considerando o fato desta reforma na lei penal ter ocorrido tão tarde, pois a própria Constituição Federal de 1988 no seu art. 1º, inciso III, traz referência a dignidade humana de forma ampla e generalizada. Contudo, o principal foco deste estudo, voltou-se quanto a evolução da mulher perante a sociedade brasileira, de modo que a concepção de “mulher honesta” teve tal definição extinta do Código Penal por meio da referida reforma.
Palavras-chave: Dignidade Sexual, Lei n. 12.015/2009, mulher honesta.
ABSTRACT: This article will only spell out as major changes in Chapter I of Title VI of the Brazilian Penal Code, which carries in its wording Crimes Against Sexual Dignity , showing that chapter before and after the reform made by Law . 12.015/2009 , in order to demonstrate the main points that have evolved socially and that led to the reform. For this, they were exposed in full the text of Chapter I a priori and a posteriori to Law no . 12.015/2009 , to conduct a comparative . At the end we tried to make a conclusion critically , considering the fact that reform in criminal law have occurred as late as the 1988 Federal Constitution itself in its art. 1, section III , brings reference to human dignity broad and generalized way . However , the main focus of this study , turned as the evolution of woman to Brazilian society , so that the concept of " honest woman " had such defunct definition of the Penal Code by the reform.
Keywords : Sexual Dignity Law . 12.015/2009 , honest woman.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Com a evolução da mulher perante a sociedade brasileira, conquistando gradativamente seu espaço, em virtude de muitas lutas enfrentadas e com o objetivo de obterem tratamento igualitário com relação aos homens, buscaram também a evolução dos seus direitos.
Lucelene Garcia aponta que:
Historicamente, a mulher ficou subordinada ao poder masculino, tendo basicamente a função de procriação, de manutenção do lar e de educação dos filhos, numa época em que o valor era a força física. Com o passar do tempo, porém, foram sendo criados e produzidos instrumentos que dispensaram a necessidade da força física, mas ainda assim a mulher içou numa posição de inferioridade, sempre destinada a ser um apêndice do homem, jamais seu semelhante. Esta compreensão acorrentou culturalmente a mulher, moldando-lhe sua existência conforme estas possibilidades apresentadas. No século XX, depois das grandes guerras mundiais, dos avanços científicos e tecnológicos, surge irrevogavelmente a possibilidade de outro espaço para a mulher. Por volta da década de 40, o feminismo dá seus primeiros passos, e com isso começa a pensar na possibilidade de um futuro diferente daquele que lhe reservaram culturalmente e historicamente. As mulheres já vinham em um processo, lento e gradual de conquistas sociais, econômicas e jurídicas, mas é a partir de então que se intensificam as discussões e lutas pela superação da situação das mulheres. Se comparados a milênios de inferiorização, submissão e desqualificação, os avanços conquistados, arduamente, nas últimas décadas são pequenos, mas fundamentais para a consolidação do processo histórico e cultural da mulher ao lado do homem com as mesmas possibilidades de ser na sociedade.[1]
Neste contexto, as mudanças na legislação penal quanto aos crimes contra a dignidade sexual, foram num primeiro momento, voltadas para a liberdade sexual da mulher, pois visava defender os anseios das mulheres com relação à prática do ato sexual. E em um segundo momento, eliminar a diferenciação e discriminação de gênero no que se refere tanto ao sujeito ativo como o passivo nos crimes contra a dignidade sexual, sobretudo com relação às relações homoafetivas.
No entanto, o marco inicial desta reforma é, a priori, mérito da evolução da mulher na sociedade.
A evolução dos direitos da mulher iniciou-se com a conquista do direito ao voto, em 1932. A busca da participação no mercado de trabalho veio em sequência. Segundo dados do IBGE-PNAD, em 1970, ela comparecia com 18% de presença no mercado; pulou para 28% em 1980; na década de 80, já chegava aos 35%; e no início da década de 90, alcançava 41%. Atualmente, estima-se seja quase a metade. Com a vitória na guerra pela cidadania, ilógico seria manter na obscuridade as manifestações sobre seus anseios em relação ao sexo. Logo, passaria a refletir na parte especial do Código Penal, carente de severas modificações.[2]
A previsão constitucional descrita no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 protege a dignidade da pessoa humana de forma geral, ou seja, com relação qualquer ação que o indivíduo pratique. Deste modo, com relação à dignidade sexual, tal previsão tem por objetivo proteger a moral e os direitos humanos de cada indivíduo, independente de gênero, raça, cor, etc.
A sociedade evoluiu e houve uma autêntica liberação dos apregoados costumes, de modo que o Código Penal estava a merecer de uma autêntica reforma nesse contexto. O que o Legislador deve policiar, à luz da Constituição Federal de 1988, é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que porventura os membros da sociedade resolvam adotar, livremente, sem qualquer constrangimento e sem ofender direito alheio, ainda que, para alguns, possam ser imorais ou inadequados. Foi-se o tempo que a mulher era vista como símbolo ambulante de castidade e recato, no fundo autêntico objeto sexual do homem. (NUCCI, 2013, p. 960).[3]
Também no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, que diz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra [...]”, também visa garantir o direito que o individuo possui de realizar seus desejos sexuais da maneira que bem entender, desde que não configure fato típico penal.
Ora, considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e a honra (art. 5º, X, CF), nada mais natural do que garantir a satisfação dos desejos sexuais do ser humano de forma digna e respeitada, com liberdade de escolha, porém, vedando-se qualquer tipo de exploração, violência ou grave ameaça.
Desta forma, na reforma no Código Penal por meio da Lei nº 12.015/2009, ficou claro que se tem por objetivo defender a vontade do indivíduo quanto ao fato de realizar, ou não, o ato sexual com quem e como bem entender, bem como se adequar a previsão constitucional.
2. ANTERIORMENTE A REFORMA
As mudanças constantes ao longo dos anos, com relação a convivência, vem trazendo para a sociedade como um todo a necessidade de atualização. Muitos hábitos e costumes também mudaram, inclusive hábitos sexuais. Hoje em dia, o conceito de família é bem mais abrangente, de modo que as relações sexuais também.
Para tanto, houve uma grande necessidade de o legislador realizar algumas modificações no Título VI do atual Código Penal, através da Lei nº 12.015/2009.
No entanto, com a mesma objetividade jurídica:
O Capítulo I do Título VI prossegue tento como objetivo jurídico a liberdade sexual, isto é, o poder de autodeterminação das pessoas quanto à sua sexualidade; a livre disposição do próprio corpo no aspecto sexual ou, ainda, a auto conformação da vida e da prática do sexo.[4]
Estas mudanças começaram pelo próprio título, que trazia em sua versão anterior: “Dos Crimes Contra os Costumes” e atualmente é: “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”.
Ao incluir os crimes sexuais num título denominado Dos Crimes contra a Dignidade Sexual, parece inegável que os legisladores da reforma penal de 2009 quiseram realizar uma diferente objetividade jurídica desses delitos. Ao situá-los no âmbito da dignidade, remeteram ao interprete a um fundamento da república, inscrito logo no art. 1º da Constituição Federal. Importa, assim, ao interprete da lei penal conhecer o perfil dessa categoria jurídica para melhor compreender o sentido da localização especial dos crimes sexuais com tal nomenclatura.[5]
Juntamente com a mudança do título, a Lei nº 12.015/2009, também revogou dois artigos: o art. 214 que versava sobre o “Atentado Violento ao Pudor” e o art. 216, que fazia referência ao “Atentado ao Pudor Mediante Fraude”.
A Lei nº 12.015/2009 revogou os arts. 214 e 216. Não se trata, toda via, de abolitio criminis (isto é, de supressão da incriminação), porquanto os comportamentos definidos anteriormente nestas normas penais foram incorporadas ao conceito de outros delitos, [...].
Todos os artigos do Capítulo referido tinham a seguinte redação:
Estupro
Art. 213. Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de três a oito anos.
Atentado violento ao pudor
Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão de dois a sete anos.
Posse sexual mediante fraude
Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze anos:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Atentado ao pudor mediante fraude
Art. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de um a dois anos.
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de dezoito e maior de quatorze anos:
Pena - reclusão, de dois a quatro anos.
Nota-se que o crime de estupro na década de 40 trazia em sua redação que o sujeito passivo só poderia ser mulher, logo ativo só poderia ser o homem. Outra diferença é o meio de consumação. O crime só era consumado mediante “conjunção carnal”, que desde aquela época ainda significa a mesma coisa, ou seja, significa a cópula do órgão genital masculino no órgão genital feminino, parcial ou totalmente.
Outra característica importante da redação anterior deste capítulo é a referência à “mulher honesta” e à “mulher virgem”, que se encontrava nos arts. 215 e 216.
De acordo com GRILO[6], o homem que estuprasse qualquer mulher que não fosse considerada pela sociedade como mulher honesta, poderia livremente realizar a prática e ficar por esta impune.
A verdadeira intenção inserida no Código Penal de 1940, ao "proteger" a mulher honesta, porém, consistia em reprimi-la sexualmente, bem como em mantê-la virgem enquanto conviver com os pais. O homem, que sempre teve maior liberdade para realizar seus desejos sexuais, se quiser pô-los em prática, sem que responda pelos crimes ora estudados, pode procurar a prostituta, haja vista que esta não integra o polo passivo naqueles tipos penais. É por isso que o legislador em momento algum se preocupou em tipificar a prática da prostituição como ilícito penal, pois, assim, os homens poderiam buscar a satisfação da consupciência com mulheres excluídas pela sociedade, sem que se preocupassem em responder pelos referidos crimes. As demais, consideradas honestas, deveriam continuar virgens e submissas aos pais, até a data do matrimônio.
Esse pensamento arcaico era defendido por diversos autores no século XIX. Para alguns, a mulher sempre tinha um instinto dirigido para a reprodução da espécie.[7]
Estas definições estavam elencadas nesta letra, de acordo com os costumes da época, que no decorrer dos anos mudaram significativamente. Um exemplo disso é o de que, antigamente, uma prostituta não era considerada uma mulher honesta.
No entanto, hoje em dia, se ela tem um comportamento ilibado em suas relações para com a sociedade e não comete qualquer ato antijurídico, tendo como a prostituição meio de subsistência, não tendo qualquer intenção de prejudicar ninguém, hoje ela é considerada honesta.
3. MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.015/2009.
A redação atual do Capítulo I, do Título VI do Código Penal, encontra-se hoje com apenas três tipos penais. Antes da reforma eram quatro, sendo que a redação atual além de acrescentar o crime de assédio sexual no art. 216-A e de unir alguns destes artigos que foram revogados, incluíram também qualificadoras e casos de aumento de pena nos tipos penais.
Para uma melhor visualização das mudanças decorrentes da Lei nº 12.015/2009, faz necessário expor a redação atual do Capítulo aqui estudado:
Estupro
Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º - Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (
Art. 214 – REVOGADO
Violação sexual mediante fraude
Art. 215 - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único - Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Art. 216 –
Assédio sexual
Art. 216-A - Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único - (VETADO)
§ 2º - A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
Preliminarmente, é possível identificar uma fusão entre os artigos 213 e 214, onde agora estão presentes tanto a prática de conjunção carnal quanto a prática de ato libidinoso, tendo este último uma interpretação bem ampla.
Segundo NUCCI, com esta unificação se o indivíduo realizar uma ou três práticas, estará praticando o crime de estupro:
São três possibilidades da realização do estupro, de forma alternativa, ou seja, o agente pode realizar uma das condutas ou as três, desde que contra a mesma vítima, no mesmo local e horário, constituindo um só delito.[8]
Outra mudança significante foi a eliminação do “gênero” dos sujeitos, sendo que o legislador teve com isso, o objetivo de dissipar qualquer interpretação tendenciosa no texto legal, além de consideram qualquer pessoa como sujeito ativo ou passivo.
Esse Título sofreu profundas alterações em decorrência da Lei n. 12.015/2009. Até o nome foi modificado, pois, anteriormente, se chamava “Dos Crimes Contra os Costumes”. A intenção do legislador foi a de evitar que a interpretação da lei, fundada no nome do Título, continuasse a se dar com base em hábitos machistas o moralismo antiquado e eventuais avaliações da sociedade sobre estes.[9]
Esta mudança também se deve ao fato de o legislador entender que a diversidade de opção sexual de um mesmo indivíduo não é mais a mesma, ou pelo menos não se mostram as mesmas da década de 40 e, portanto devem ser interpretadas de outra forma.
Neste sentido, complementa Bittencourt que:
Em outros termos, homem e mulher têm o direito de negar-se a se submeter à prática de atos lascivos ou voluptuosos, sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, opondo-se a qualquer possível constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o próprio cônjuge, namorado(a) ou companheiro(a) (união estável); no exercício dessa liberdade podem, inclusive, escolher o memento, a parceria, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhe interesse compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protege-se, acima de tudo, a dignidade sexual individual, de homem e mulher, indistintamente, consubstancialmente na liberdade sexual e direto de escolha.[10]
Também neste artigo estão presentes os parágrafos 1º e 2º, que são as formas qualificadas deste tipo penal, tanto a título de dolo quanto a título de culpa.
Este delito também é tratado atualmente como crime hediondo. A nova estrutura do referido artigo, aliada com a alteração do art.1º, inciso V, da Lei nº 8.072/90, promovida pela Lei nº 12.015/09 em seu artigo 4º deixa claro que o crime de estupro é hediondo tanto na sua forma simples quanto na qualificada.
Em seguida o art. 215 é a união dos arts. 215 e 216 da redação anterior, “Posse sexual mediante fraude e Atentado ao pudor mediante fraude”, gerando assim um novo delito, ao qual recebe o nome de “Violação sexual mediante fraude”.
Tal tipo penal além de eliminar o conceito de “Mulher Honesta” e a referência à “Mulher Virgem”, substituindo de forma geral por “alguém”, por sua vez acrescentou em seu parágrafo único, a cominação da pena com multa no caso do crime ser praticado com finalidade econômica.
A evolução da construção tipológica do crime posse sexual mediante fraude iniciou-se com a edição da Lei n. 11106/2005, que suprimiu a exigência da elementar “mulher honesta”, bem como a virgindade como causa qualificadora.
O conceito de mulher honesta evoluiu na mesma proporção que evoluem os padrões ético-morais adotados pela comunidade social, no entanto, ao longo de mais de seis décadas, causou muitos constrangimentos à mulher brasileira.[11]
Deste modo, para caracterizar estes dois tipos penais, era necessário que o sujeito passivo quando da consumação do delito, fosse mulher honesta, sendo que era preciso fazer assim, um juízo de valor quanto à vítima para que se pudesse enquadrar tal conduta como crime.
Contudo, a união destes dois tipos penais, além de trazer à lei penal a importante evolução do conceito de mulher honesta e mulher virgem para a nova redação do Capítulo I, do Título VI do Código Penal, agora traz um conceito moderno condizente com a evolução social e levando em consideração que as relações de hoje em dia não são só a de homem e mulher, mas também devem ser consideradas e respeitadas tanto as relações heterossexuais como também homossexuais.
Quanto a fusão destes dois tipos penais, ESTEFAM se posiciona da seguinte forma.
Seguindo a mesma tendência manifestada no art. 213, o legislador reuniu, em uma só disposição, aquilo que antes era cindido em duas normas penais incriminadoras: a posse sexual mediante fraude (art. 215) e o atentado ao pudor (art. 216). Essa união produz consequências penais benéficas semelhantes àquelas analisadas no item 3.2, supra (referente ao art. 213); isto é, aquele que, num só contexto, iludia a vítima, per fraudem, a praticar a cópula vaginal e outros atos libidinosos como o coito anal, cometia dois crimes; com o advento da Lei nº 12.015/2009, pratica crime único (efeito que se aplica retroativamente – art. 5º, XL, da CF e art. 2º do CP).[12]
Por fim, o Capítulo I do Título VI do Código Penal, com a reforma trazida pela Lei nº 12.015/09, trouxe o art. 216-A, com a tipificação do delito “assédio sexual”, que tem por objetivo jurídico coibir atitudes de um superior hierárquico numa relação de trabalho, a praticar condutas que constranjam seus subordinados a prestar-lhe favos sexual, tratando-se assim de crime próprio e de forma livre, no contexto de que qualquer tipo de insinuação, desde que provada, irá caracterizar sua consumação.
O dispositivo legal foi introduzido em nossa legislação penal em 2001, por meio da Lei n. 10.224, de 15 de maio do citado ano. O intuito do legislador foi o de coibir, mediante a ameaça da pena criminal, a atitude do superior hierárquico que, no contexto da relação de trabalho (público ou privado), constrangia alguém a prestar-lhe favores sexuais.[13]
Este delito não se consuma se a conduta for inversa, ou seja, se for o subordinado que constranja seu superior. Acredita-se que isso se deve pelo fato de que o superior hierárquico teria como forma de defesa a demissão de seu subordinado, sendo que a recíproca se daria para mantes a vítima no emprego.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como considerações finais, registra-se a importância da luta feminina com objetivo de obter igualdade de direitos com relação aos homens em todos os sentidos, inclusive com relação a satisfação de seus desejos sexuais.
Cansadas de se submeterem ao poder masculino, que as tinham basicamente para a procriação e organização do lar, as mulheres gradativamente conquistaram seu espaço na sociedade. Tanto economicamente quanto juridicamente.
Desta forma, as mudanças provindas da Lei nº 12.015/2009, num primeiro momento, vieram a garantir a liberdade sexual da mulher, bem como excluir a concepção discriminatória de “mulher honesta”, atribuindo à vítima dos crimes sexuais uma concepção sem gênero nem qualificação. Sendo assim, acabou em garantir também a liberdade sexual de uma forma geral, estendida à todos, inclusive aos homossexuais.
Deste modo, o legislador observou a proteção da dignidade da pessoa humana e não os hábitos sexuais da mesma, sendo estes considerados imorais ou inadequados pela sociedade.
No entanto, a demora para promover a reforma do Código Penal quanto a esta temática, é aqui criticada, pois se na Constituição Federal de 1988, no seu art. 1º, inciso III que fala da proteção à dignidade humana, e, em seu art. 5º, inciso X, que tutela a intimidade, a vida privada e a honra da pessoa humana, de forma geral e sem distinção quanto a gênero, cor, raça, etc., por que tal reforma se deu tão tardiamente?
Embora não se tenha achado resposta para esta questão, acredita-se que não foi pelo fato de a sociedade não querer aceitar a liberdade sexual da mulher, mas sim por não querer aceitar a diversidade sexual dos tempos modernos.
Porém, se todos nós somos iguais e temos liberdade e proteção à nossa vida privada, nada mais justo que proteger nossos direitos quanto a nossa liberdade em satisfazer nossos desejos sexuais.
BRIBLIOGRAFIA
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 4: parte especial. – 5.ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
ESTEFAM, André. Direito Penal, volume 3 – São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. – São Paulo : Saraiva, 2011.
GRILO, Emanuel. STJ Ressuscita conceito de mulher honesta e legaliza estupro de criança no Brasil. disponível em: <http://coyoteonline.wordpress.com/2012/05/04/stj-ressuscita-conceito-de-mulher-honesta-e-legaliza-estupro-de-criancas-no-brasil/>. Acesso em: 15/11/2013 às 11:00hs.
MARCÃO, Renato. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários ao Título VI do Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13 ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora RT, 2013.
SOUSA. Sancler Batista de. Mulher Honesta: Incompatibilidade do Código Penal com a Evolução Social. Disponível em: <http://www.oocities.org/suescrj/ArtPenal03.htm>. Acesso em: 15/11/2013 às 12:00hs.
[1] GARCIA, Lucelene. A mulher e a Evolução dos seus Direitos. 2009.
[2] SOUSA, Sancler Batista de. Mulher Honesta: Incompatibilidade do Código Penal com a Evolução Social. 2012.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2013, p. 961.
[4] ESTEFAM, André. Direito Penal. 2011, p. 140.
[5] MARCÃO, Renato. Crimes Contra a Dignidade Sexual. 2011, p. 31.
[6] GRILO, Emanuel. STJ Ressuscita Conceito de Mulher Honesta e Legaliza Estupro de Criança no Brasil. 2012.
[7] SOUSA, Sancler Batista de. Mulher Honesta: Incompatibilidade do Código Penal com a Evolução Social. 2012.
[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 962.
[9] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. 2011, p. 513.
[10] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 4. 2011, p. 44.
[11] Idem. p. 62.
[12] ESTEFAM, André. Direito Penal. 2011, p. 161.
[13] Idem. p. 162.
Estudante (graduando em Direito pela FDSM/MG e estagiário do TJMG)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, William Lopes da. A reforma penal nos crimes contra a dignidade sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41346/a-reforma-penal-nos-crimes-contra-a-dignidade-sexual. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.