RESUMO: Registro nos órgãos de fiscalização do exercício das profissões. Atividade principal e atividades acessórias. Princípio da proporcionalidade.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo analisar, à luz do princípio da proporcionalidade, a necessidade ou não de registro de empresa em tantos órgãos de fiscalização do exercício das profissões quanto forem as atividades por ela exercidas.
2. DESENVOLVIMENTO
É muito comum a contratação de empresas, via licitação, para a prestação de serviços que englobem além da atividade principal, atividades acessórias a ela atreladas. Nesses casos, há quem entenda que o registro da empresa nas entidades de fiscalização das profissões faz-se necessário com relação a todas as atividades contratadas, o que destoa tanto do ordenamento jurídico como da jurisprudência dominante, como se passa a demonstrar.
Para melhor elucidação do caso, cito, como exemplo, a contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços atinentes a uma central de atendimento ao público, de uma entidade pública, que abrange a prestação de serviços de planejamento, implantação, gestão e operação da central. Nesta hipótese, indaga-se se é necessária a inscrição da empresa junto ao CREA.
Acerca do tema, a Lei n. 6.839/80, que dispõe sobre o registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões, determina que o registro deve ser feito no órgão de fiscalização em razão da sua atividade básica e fundamental, confira-se:
Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
Caso prosperasse entendimento contrário, as empresas teriam de se registrar em tantos conselhos quantos fossem as espécies de profissionais habilitados no quadro de seus funcionários, o que é absolutamente inviável.
O caso deve passar pela análise do princípio da proporcionalidade para que se possa aferir se a restrição pretendida (registro no CREA das licitantes) é ou não medida necessária.
Trata-se de um importante meio de interpretação utilizado usualmente no controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, segundo o qual toda limitação a direitos deve ser apropriada, exigível e na justa medida.
O princípio possui três vertentes ou subprincípios, quais sejam: princípio da adequação, princípio da necessidade/exigibilidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
Pelo princípio da adequação deve ser verificado se o meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido. Ou seja, sob esta ótica, deve-se indagar se a medida restritiva é idônea/apropriada à consecução da finalidade almejada.
O pressuposto do princípio da necessidade é o de que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do direito, não podendo ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa. De acordo com este princípio, deve-se almejar sempre o meio mais idôneo e a menor restrição possível.
Suzana de Toledo Barros leciona que “a necessidade de uma medida restritiva, bem de ver, traduz-se por um juízo positivo, pois não basta afirmar que o meio escolhido pelo legislador não é o que menor lesividade causa. O juiz há de indicar qual o meio mais idôneo e por que objetivamente produziria menos consequências gravosas, entre os vários meios adequados ao fim colimado”[1].
Já o princípio da proporcionalidade em sentido estrito é utilizado para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim almejado, isto é, devem ser ponderadas as vantagens e desvantagens como uma relação “custo-benefício”.
Acerca do tema, vale transcrever os ensinamentos de GILMAR FERREIRA MENDES[2]:
Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhaltnismassigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidades de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito).
Assim, no caso citado com exemplo, verifica-se que a exigência de inscrição no CREA das empresas licitantes não ultrapassaria sequer o primeiro crivo, qual seja o da adequação, porque não se trata de uma empresa de engenharia, arquitetura ou agronomia. Embora haja a previsão de prestação de serviços afins da engenharia, esta não é a atividade principal a ser exercida. Portanto, não é adequado exigir de uma empresa de atendimento ao público a inscrição no CREA.
Ainda que se pudesse entender pela adequação da medida, certo é que a restrição não ultrapassaria o quesito da necessidade, porque sua finalidade pode ser atendida por meios menos gravosos e igualmente eficazes, como a exigência de apresentação de atestados ou declarações que comprovam a capacidade técnica da empresa.
Por fim, tal medida também não observa a proporcionalidade em sentido estrito, já que traz muito mais desvantagens do que vantagens. A restrição frustraria completamente os princípios da competitividade e da economicidade, tendo em vista que as empresas que prestam serviços de atendimento ao público, em regra, não possuem o registro no CREA.
Convém ressaltar que as atividades de instalação de infraestrutura lógica e tecnológica são típicas do momento da implantação da central e, em regra, não estão presentes de forma contínua durante todo o contrato. Assim, não é oportuno nem conveniente que se exija, de forma permanente, a presença de um engenheiro para tanto, o que oneraria o contrato e restringiria a competitividade.
Ainda que o edital englobe outros serviços como implantação de infraestrutura de engenharia de redes e de telecomunicações, não são tais serviços o cerne da contratação, mas apenas viabilizam a atividade principal, qual seja, a prestação do serviço de atendimento ao público.
A questão já foi bastante discutida nos tribunais, tendo o Superior Tribunal de Justiça firmado entendimento no sentido de que é a especialidade básica da empresa que define o órgão fiscalizador ao qual está vinculada:
EXECUÇÃO FISCAL – CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA – INDÚSTRIA METALÚRGICA DE PEÇAS FUNDIDAS DE METAIS NÃO FERROSOS – REGISTRO NO CREA – LEI 6.839/80 – NÃO OBRIGATORIEDADE – 1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a especialidade da atividade básica desenvolvida pela empresa define sob a égide de qual órgão está a fiscalização de seu desempenho. 2. Recurso Especial improvido. (STJ – RESP 200201361852 – (475077 SC) – 2ª T. – Relª Min. Eliana Calmon – DJU 13.12.2004 – p. 00284) (grifos nossos)
No precedente a seguir, o Superior Tribunal de Justiça esclarece que a atividade meramente acessória não acarreta o registro da empresa no competente órgão de fiscalização da profissão, in verbis:
RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – EMPRESA DE COMERCIALIZAÇÃO DE CAMINHÕES, PEÇAS, ACESSÓRIOS E OUTROS PRODUTOS – ATIVIDADE BÁSICA – INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA – NÃO OBRIGATORIEDADE – ARTIGOS599 E600 DA LEI Nº 5.1944/66 E 1º DA LEI Nº 6.8399/80 – No caso dos autos, a empresa recorrida comercializa caminhões, peças, acessórios, lubrificantes e outros produtos. Dessarte, à luz do que dispõem os artigos 59 e 60 da Lei nº 5.194/66 e 1º da Lei nº 6.839/80, para desenvolver sua atividade básica, a recorrida não é obrigada a registrar-se no órgão de fiscalização profissional, qual seja, o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da Paraíba – CREA/PB. Na espécie, como a prestação de serviços mecânicos é uma atividade meramente acessória da empresa recorrida, a eventual necessidade de contratação de um profissional da área de engenharia não obriga a própria empresa a registrar-se na entidade competente para a fiscalização da profissão. Com efeito, caso prosperasse esse entendimento, as empresas teriam de se filiar em tantos conselhos quantos fossem as espécies de profissionais habilitados no quadro de seus funcionários. Recurso Especial improvido. (STJ – RESP 200401039247 – (669180 PB) – 2ª T. – Rel. Min. Franciulli Netto – DJU 14.03.2005 – p. 00308) (grifos nossos)
Desta feita, totalmente despicienda a inscrição nos órgãos de fiscalização das profissões quanto às atividades acessórias.
3. CONCLUSÃO
Ofende os princípios da proporcionalidade, da economicidade e da competitividade a exigência de registro em tantos conselhos de fiscalização das profissões quanto forem as atividades exercidas, sendo obrigatória a inscrição apenas junto ao órgão competente pela fiscalização da atividade básica e fundamental da empresa.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
MENDES, Gilmar Ferreira. Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.gilmarmendes.org.br/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=114:a-proporcionalidade-na-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal&id=3:controle-concreto-de-normas&Itemid=74. Acessado em 21/10/14.
[1] BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 80.
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.gilmarmendes.org.br/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=114:a-proporcionalidade-na-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal&id=3:controle-concreto-de-normas&Itemid=74. Acessado em 21/10/14.
Procuradora Federal, especialista em Direito Processual Civil, Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília e autora do livro "As ações coletivas como meio de redução de demanda e harmonização dos julgados: entraves processuais e soluções".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVEIROS, Nicole Romeiro. Registro nos órgãos de fiscalização do exercício das profissões à luz do princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41384/registro-nos-orgaos-de-fiscalizacao-do-exercicio-das-profissoes-a-luz-do-principio-da-proporcionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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