Resumo: Neste artigo se discute a natureza jurídica da responsabilidade patrimonial das sociedades empresárias, bem como, o que ocorre com essa responsabilidade em caso de fraude ou abuso de direito no uso da pessoa jurídica.
Palavras-chaves: Responsabilidade subsidiária. Pessoa jurídica de direito privado. Separação patrimonial. Teoria da desconsideração da pessoa jurídica.
Sumário: 1. Introdução. 2. A responsabilidade patrimonial subsidiária da sociedade e a teoria da desconsideração da pessoa jurídica. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O artigo 1.024 do Código Civil brasileiro estabelece que a responsabilidade do sócio da empresa pelas dívidas da sociedade é subsidiária, ou seja, os bens particulares dos sócios que compõem a sociedade somente poderão ser executados depois da execução dos bens sociais.
Ocorre que essa regra não é absoluta. Há casos em que essa responsabilidade será solidária, e os bens pessoais de cada sócio irão responder pelas obrigações contraídas pela sociedade.
2. a responsabilidade patrimonial subsidiária da sociedade e a teoria da desconsideração da pessoa jurídica
A distinção entre pessoa física e pessoa jurídica é essencial para se tratar do assunto responsabilidade patrimonial do sócio da empresa.
É certo que a empresa, regularmente constituída, de acordo com as normas regentes, especificadas no Código Civil, artigos 981 a 985, adquire personalidade jurídica própria, sendo reconhecida com uma pessoa jurídica de direito privado.
De acordo com o art. 41 do Código Civil, são as pessoas jurídicas de direito privado: as associações, as sociedade, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.
O artigo 45 do Código Civil, por sua vez, estabelece que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição dos atos constitutivos no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
No tocante especificamente às sociedades, não se pode olvidar o fato de que ela é constituída de pessoas, que podem ser tanto pessoas físicas como pessoas jurídicas.
O artigo 981 do Código Civil expressamente consigna: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si dos resultados.”
De acordo com os ensinamentos de Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves, “para a constituição de uma sociedade é imprescindível a presença de, pelos menos, dois sócios, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. O direito comercial não admite a existência de sociedade unipessoal, isto é, integrada por apenas um sócio. Se somente a pessoa deseja desenvolver uma empresa, deverá fazê-lo com empresário individual.”[1]
Pois bem, sendo a sociedade pessoa jurídica de direito privado, com personalidade jurídica própria, diversa da personalidade jurídica das pessoas que a compõem, ela possui também seu patrimônio próprio e diverso do patrimônio das pessoas que a constituem.
Tal distinção se faz absolutamente necessária, sob pena de haver confusão patrimonial entre os bens da sociedade e os bens de seus sócios, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
De acordo com o art. 1024 do Código Civil: “ Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”
Esse artigo estabelece que a responsabilidade dos sócios pelas dívidas da empresa se dá de forma subsidiária, tendo em vista de que, havendo obrigações a serem cumpridas pela empresa, em primeiro lugar serão buscados os bens da empresa, somente depois, serão perseguidos os bens pessoais de cada sócio.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “se o patrimônio social não for suficiente para integral pagamento dos credores da sociedade, o saldo passivo poderá ser reclamado dos sócios, em algumas sociedades, de forma ilimitada, ou seja, os credores poderão saciar seus créditos até a total satisfação, enquanto suportarem os patrimônios particulares de cada sócio. Em outras sociedades, os credores somente poderão alcançar dos patrimônios particulares um determinado limite, além do qual o respectivo saldo será perda que deverão suportar. Em um terceiro grupo de sociedades, alguns dos sócios têm responsabilidade ilimitada e outros não.”[2]
Isso ocorre que, segundo a responsabilidade patrimonial dos sócios pelas obrigações sociais, as sociedades empresárias são classificadas em:
a) Sociedade Ilimitada: Os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais. Um exemplo dessa espécie é a sociedade em nome coletivo;
b) Sociedade Mista: Parte dos sócios possuem responsabilidade ilimitada e parte responsabilidade limitada. Podem ser citadas a sociedade em comandita simples e comandita por ações;
c) Sociedade Limitada: os sócios respondem de forma limitada pelas obrigações. Em regra, ocorre nas sociedades por cota de responsabilidade limitada (Ltda) e anônima (S/A).
No entanto, ainda que os sócios tenham responsabilidade limitada pelas obrigações da sociedade, deve ser mencionado que essa responsabilidade somente tem lugar após a total integralização da cota social.
Assim, os sócios da sociedade limitada e o comanditário na sociedade em comandita simples respondem com seu patrimônio particular pelo capital não integralizado da sociedade, mesmo que já tenha integralizado o seu capital e outro sócio ainda não.
Por fim, há uma situação em que a responsabilidade subsidiaria vai se transformar em solidaria, e os bens particulares de cada sócio irão responder pelas obrigações das pessoas jurídicas. Tal hipótese se dará quando se verificar a ocorrência de fraude ou abuso na utilização da pessoa jurídica.
Em tais casos, a personalidade jurídica das empresas pode ser desconsiderada para que os bens pessoais das pessoas que a compõem respondam por suas dívidas, nos termos do art. 50 do Código Civil.
Nos termos da doutrina de Fábio Ulhoa Coelho, “a desconsideração é instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica; pressupõe, portanto, o mau uso. O credor da Sociedade que pretende a sua desconsideração deverá fazer prova da fraude perpetrada, caso contrário suportará o dano da insolvência da devedora. Se a autonomia patrimonial não foi utilizada indevidamente, não há fundamento para a desconsideração.”[3]
Para Luiz Rodrigues Wambier, “além disso, mesmo nas sociedades em que a responsabilidade do sócio seja limitada, poderá este responder por dívidas sociais, quando o juiz aplicar a “desconsideração da pessoa jurídica” (art. 50 do CC/2002). Por este mecanismo, investe-se diretamente no patrimônio dos sócios, quando concretamente comprovado que a sociedade estava sendo usada pelos sócios como mero instrumento para prejudicar terceiros, funcionando apenas como “barreira”, “anteparo”, na prática de atos juridicamente censuráveis.”[4]
É importante ressaltar que a desconsideração da pessoa jurídica vai atingir e invalidar especificamente o ato eivado de fraude ou abuso de direito. Sendo assim, não haverá separação patrimonial entre os bens da sociedade e dos sócios para a situação específica, mas a sociedade e suas finalidades permanecerão preservadas.
Nesses casos, independentemente da espécie de sociedade estabelecer a responsabilidade limitada, o patrimônio pessoal do sócio responderá pelas dívidas da pessoa jurídica.
Assim, a teoria da desconsideração da personalidade serve para que se evite a utilização da pessoa jurídica como um instrumento blindagem do patrimônio pessoal dos sócios.
3. CONCLUSÃO
Ainda que o Código Civil estabeleça que a responsabilidade patrimonial dos sócios da pessoa jurídica regularmente constituída seja subsidiária, no intuito de evitar o mau uso da pessoa jurídica, em caso de abuso da personalidade jurídica ou fraude, os bens dos sócios irão responder pelo cumprimento das obrigações empresariais.
4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2006.
GONÇALVES, Maria Gabriela Venturoti Perrota Rios; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios: Sinopses Jurídicas - Direito Comercial Direito de Empresa e as Sociedades Empresárias. São Paulo: Saraiva, 2005.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo: Curso Avançado de Processo Civil V.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Notas:
[1] GONÇALVES, Maria Gabriela Venturoti Perrota Rios; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios: Sinopses Jurídicas - Direito Comercial Direito de Empresa e as Sociedades Empresárias. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 85.
[2] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 117.
[3] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 127.
[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo: Curso Avançado de Processo Civil V.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 114.
Procuradora Federal, Pós-graduada pela Escola Estadual da Magistratura do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVICHIOLI, Ana Paula. A responsabilidade subsidiária dos sócios da empresa e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41400/a-responsabilidade-subsidiaria-dos-socios-da-empresa-e-a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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