Resumo: Nos primeiros 3 anos, o servidor público tem sua assiduidade, disciplina, iniciativa, produtividade e responsabilidade avaliadas e, caso aprovado, torna-se estável. O servidor não aprovado é exonerado. Por sua vez, o servidor que cometer falta funcional entre as previstas no art. 132 da Lei n. 8.112/90 é demitido via processo administrativo disciplinar, ainda que em estágio probatório. Ambos os procedimentos exigem observância do contraditório e da ampla defesa, podendo ser decretado o sigilo para resguardar a honra e a imagem do interessado.
Palavras-chave: servidor público, estágio probatório, exoneração, demissão.
Introdução
O inciso II do art. 37 da Constituição institui o concurso como modo de seleção dos interessados em ocupar um cargo público, tendo por princípio que a oportunidade precisa ser oferecida em iguais condições a todos os indivíduos que preencham os requisitos para o cargo.
A partir do início do exercício no cargo, o servidor passa a atuar como agente estatal, confundindo-se com o próprio Estado, tomando decisões que influenciam na construção da realidade social. Com o fim de apurar a capacidade do indivíduo de exercer suas atribuições como servidor, existe o instituto do estágio probatório.
O presente artigo tem por objetivo diferenciar a demissão e a exoneração do servidor em estágio probatório, apontando também algumas questões procedimentais.
Estágio probatório
Estágio probatório, consoante MEIRELLES (2012, p. 500), é “o período de exercício do servidor durante o qual é observado e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade (idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, eficiência etc.).”
A regulação do estágio probatório começa na Constituição:
Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Na forma do art. 41 da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional n. 19/98, o servidor, após três anos de efetivo exercício, e caso aprovado em avaliação de desempenho, adquire estabilidade.
A Lei n. 8.112/90 regulamenta o estágio probatório, instituindo que a assiduidade, a disciplina, a capacidade de iniciativa, a produtividade e a responsabilidade serão fatores para a avaliação do servidor:
Art. 20. Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguinte fatores:
I - assiduidade;
II - disciplina;
III - capacidade de iniciativa;
IV - produtividade;
V- responsabilidade.
(...)
Entende-se, atualmente, que o caput do art. 20 da Lei n. 8.112/90 foi derrogado pela Emenda Constitucional n. 19/98 quanto ao prazo para o estágio probatório, que passou a ser de três anos, mesmo período para a aquisição da estabilidade, posição adotada pelo STJ, a partir do Mandado de Segurança (MS) 12.523/DF, e pelo STF, na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 269.
Exoneração versus demissão
Caso o servidor não seja aprovado no estágio probatório, não deverá ser demitido, mas exonerado, conforme o § 2º do art. 20 da Lei n. 8.112/90:
§ 2º O servidor não aprovado no estágio probatório será exonerado ou, se estável, reconduzido ao cargo anteriormente ocupado, observado o disposto no parágrafo único do art. 29.
Cabe discutir sobre a obrigatoriedade ou conveniência da exoneração ser realizada via processo administrativo disciplinar. Inicialmente, é preciso ficar bem clara a distinção entre exoneração no estágio probatório e demissão por falta funcional.
A demissão por falta funcional pode ocorrer a qualquer momento, tanto no curso do estágio probatório quanto na vigência da estabilidade no cargo. Basta que o servidor cometa alguma infração dentre as previstas no art. 132 da Lei n. 8.112/90. Nesse caso, é necessária a instauração de procedimento administrativo disciplinar para apuração do fato, na forma do art. 148.
É o que ensina o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria Geral da União (p. 31):
A Constituição Federal exige a aprovação em concurso público como requisito à nomeação para cargo efetivo e, ainda, prevê a possibilidade de que o ocupante de tal cargo adquira estabilidade após três anos de efetivo exercício. No entanto, poderá figurar como acusado tanto o servidor estável como aquele em estágio probatório. Não procede a restrição da garantia do processo disciplinar apenas ao primeiro. O inciso II do parágrafo 1º do art. 41 da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com os incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Maior, restando assegurado a todos o devido processo legal e aos acusados em geral, mesmo em sede administrativa, o contraditório e a ampla defesa.
Assim sendo, grife-se que o processo disciplinar é obrigatório para a apuração de faltas disciplinares imputadas a servidor em estágio probatório e, por conseguinte, é plenamente cabível, em sendo o caso, aplicar-lhe a penalidade de demissão. A pena expulsiva não se confunde com a exoneração decorrente de reprovação no estágio probatório. Na segunda hipótese, o servidor será exonerado (não demitido) por não ter satisfeito as condições do estágio probatório e esse ato não possui natureza de sanção disciplinar.
Por exemplo, caso o servidor, assim que entrar em exercício, falte intencionalmente ao serviço por mais de trinta dias consecutivos, sem justificativa, será instaurado procedimento administrativo disciplinar, pelo rito sumário (art. 140), que ao final concluirá pela demissão do servidor (art. 132, II) por abandono de cargo (art. 138), pena cuja competência para aplicação é do Presidente da República, no âmbito do Poder Executivo (art. 141, I).
Dessa forma, no exemplo relatado, o servidor, com possivelmente menos de três meses de exercício (ou seja, ainda no começo do estágio probatório), já terá sido retirado do cargo por meio de demissão.
Situação diferente é a retirada do servidor do cargo por meio de exoneração em virtude de reprovação no estágio probatório. Nesse caso, não haverá processo administrativo disciplinar, pois não se trata de “infração praticada no exercício de suas atribuições [do servidor], ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido [o servidor]” (art. 148 da Lei n. 8.112/90).
Ampla defesa e contraditório
Consoante o inciso LV do art. 5º da Constituição, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Como já dito, o estágio probatório tem regras próprias, e a exoneração do servidor se procede por meio de avaliação de desempenho homologada pela autoridade competente, conforme o regulamento da entidade, como dispõe o § 1º do art. 20 da Lei n. 8.112/90.
Ressalte-se que, apesar da abertura legal para cada entidade regulamentar a avaliação de estágio probatório, o procedimento deve adotar medidas que viabilizem a ampla defesa e o contraditório, com oportunidade para o servidor questionar as avaliações. É o que entende o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. REPROVAÇÃO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO. EXONERAÇÃO. LEGALIDADE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NÃO VIOLADOS. NÃO-OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. REEXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO PELO JUDICIÁRIO. NÃO-CABIMENTO.
1. Considerando que a aquisição de estabilidade no serviço público depende de prévia aprovação em avaliação de desempenho, é irrelevante que o ato de exoneração de servidor público, de natureza meramente declaratória, seja posterior ao prazo legal do estágio probatório. Precedentes.
2. Afasta-se a alegação de cerceamento de defesa se assegurado, no processo administrativo que resultou na exoneração do servidor, o direito à ampla defesa e ao contraditório.
3. O ato de exoneração, ao contrário da suspensão, não tem caráter punitivo, mas se baseia no interesse da Administração na dispensa do servidor que não preenche os requisitos legais para um bom desempenho do cargo. Não-ocorrência de bis in idem.
4. Compete ao Poder Judiciário apreciar a legalidade do ato administrativo e a regularidade do processo administrativo que culminou na exoneração do impetrante, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo vedada qualquer interferência no mérito administrativo.
5. Recurso ordinário improvido.
(RMS 13810 / RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgamento em 29/04/2008, publicação DJe 26/05/2008)
ADMINISTRATIVO. POLICIAL CIVIL. REPROVAÇÃO EM ESTÁGIOPROBATÓRIO.EXONERAÇÃO. FATOS TAMBÉM APURADOS EM PROCESSO ADMINISTRATIVODISCIPLINAR. POSSIBILIDADE E INDEPENDÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESANÃO DEMONSTRADO. 1. A decisão administrativa que conclui pela não-permanência de servidor, por não satisfeitos os requisitos do estágio probatório, não constitui penalidade administrativa, mas tão-somente um exame sobre a aptidão ou eficiência para o exercício das funções, o qual se exige seja devidamente fundamentado. Inexiste vedação de que sejam levados em consideração fatos já apurados em processo administrativo disciplinar. 2. No caso dos autos, a avaliação final do estágio probatório concluiu que, apesar de não terem sido finalizados o PAD e o inquérito policial a que respondia o servidor, recomendou a exoneração, porquanto ele não atendia as qualificações exigidas para o desempenho do cargo de policial civil, dentre elas a idoneidade moral. 3. No procedimento de avaliação de estágio probatório, exige-se que seja assegurado ao servidor reprovado o contraditório e a ampla defesa, o que ocorreu na hipótese, Eventual cerceamento, bem como prejuízo sofrido, deveriam ter sido demonstrados pelo recorrente,em face do princípio pas de nulitté sans grief. 4. Recurso ordinário improvido.
(RMS 23742 MT 2007/0046932-7, Rel. Ministro JORGE MUSSI, publicação DJe 30/09/2011)
Da mesma forma, o servidor acusado de fato punível com demissão deve ser notificado para apresentar suas considerações, com o fim de lhe proporcionar o contraditório. Por contraditório, diga-se, é de se entender a faculdade de o interessado falar sobre um assunto que lhe diga respeito.
Por ampla defesa entende-se a dialeticidade da discussão, isto é, a resposta às questões propostas, assim como a faculdade de o interessado adotar todos os meios juridicamente admissíveis para defender seu ponto de vista.
No caso concreto, importante sempre verificar se o interessado não teve sua palavra tolhida imotivadamente em nenhum momento, se teve acesso aos autos sempre que desejou, com possibilidade de extrair cópias, e se pôde produzir a prova que julgava adequada para sua pretensão.
Decorrido o prazo para manifestação do interessado, deve a Administração analisar suas considerações, caso apresentadas, e propor a solução que entender justa. Por fim, o processo é remetido à autoridade competente para a decisão.
Sigilo do procedimento
Quanto ao grau de sigilo a ser atribuído ao procedimento, cabe primeiramente verificar, como ensina CARVALHO FILHO (2012, p. 25-29) que a regra é a divulgação dos atos administrativos, conforme o princípio da publicidade (art. 37 da Constituição e art. 2º da Lei n. 9.784/99).
O administrado, ou seu representante, e seu advogado devem sempre ter acesso irrestrito ao procedimento em que tem condição de interessado (ou acusado), como preconiza a Lei n. 9784/99:
Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
(...)
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
(...)
Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem
No caso, é permitido restringir o acesso à informação apenas a terceiros. Nesse ponto, devem ser observadas as disposições da Lei n. 12.527/11, a Lei de Acesso à Informação.
A referida lei estabelece dois grupos principais de informação restrita, a sigilosa e a pessoal:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(...)
III - informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado;
IV - informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável;
(...)
Considerando que o caso de demissão ou de exoneração não trate de segurança da sociedade nem do Estado, a classificação adequada é a de informação pessoal, haja vista que o procedimento tratará de situação de interesse principal (imediato) do indivíduo, e apenas indireto (mediato) da sociedade.
Com efeito, a apuração de eventual falta funcional ou de desempenho em estágio probatório pode afetar a esfera jurídica do interessado, com repercussão negativa para sua pessoa, razão que justificaria a restrição de acesso ao procedimento até sua conclusão.
Assim, é juridicamente válido que a Administração considere como informação pessoal o teor do procedimento e dos documentos pertinentes, com o fim de preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do interessado, na forma do art. 31 da Lei n. 12.527/11:
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:
I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e
II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.
(...)
Desde que caracterizado como informação pessoal, o procedimento é de acesso restrito ao interessado, ou seu representante, seu advogado e aos agentes públicos envolvidos na tramitação do feito e na sua decisão. O interessado pode autorizar o acesso a terceiros.
Conclusão
O estágio probatório é o período de 3 anos (Constituição, art. 41) em que o servidor público tem sua assiduidade, disciplina, iniciativa, produtividade e responsabilidade avaliadas (Lei n. 8.112/90, art. 20).
Ao final da avaliação, o servidor não aprovado é exonerado do cargo público ou, se já estável, reconduzido ao cargo anteriormente ocupado (Lei n. 8.112/90, art. 20, § 2º). Cabe a cada órgão ou ente público regular o procedimento de avaliação, que sempre deve respeitar o contraditório e a ampla defesa, princípios constitucionais (art. 5º, LV).
Por sua vez, a demissão do servidor, inclusive em estágio probatório, ocorre após procedimento típico, específico, denominado processo administrativo disciplinar (Lei n. 8.112/90, art. 148), na hipótese de o servidor cometer alguma infração dentre as previstas no art. 132 da Lei n. 8.112/90.
Tanto na avaliação de desempenho funcional quanto no processo administrativo disciplinar, é possível decretar-se o sigilo do procedimento, com o fim de preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do interessado (Lei n. 12.527/11, art. 31).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manualpad.pdf>. Acesso em: 21 out 2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Estágio probatório, demissão e exoneração de servidor público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41480/estagio-probatorio-demissao-e-exoneracao-de-servidor-publico. Acesso em: 22 nov 2024.
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