Sumário: Introdução; 1.O Sistema de Registro de Preços (SRP); 2. O “carona” no SRP e o debate acerca de sua viabilidade; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo expor, em breve síntese, a discussão, dentro do tema de licitações, acerca da possibilidade do efeito “carona” no Sistema de Registro de Preços.
Para tanto, serão apresentados os contornos jurídicos do sistema de registro de preços. Ato seguinte se discorrerá acerca do que consiste o efeito “carona” no Sistema de Registro de Preços, para então abordar o debate que se desenvolveu acerca de sua viabilidade ou não.
Em sequência, serão fornecidas algumas linhas conclusivas acerca da matéria, a partir do quanto exposto neste breve estudo.
1. O Sistema de Registro de Preços (SRP)
De acordo com o artigo 15, inciso II, da Lei Federal nº 8.666/93, editada com o escopo de regulamentar o art. 37, inciso XXI, da CRFB/88, as compras realizadas pela Administração Pública devem ser realizadas, preferencialmente, com base no Sistema de Registro de Preços: “Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: II - ser processadas através de sistema de registro de preços”.
Embora o citado dispositivo legal mencione expressamente apenas “as compras”, de acordo com a doutrina especializada, com suporte em norma infralegal e na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), o SRP poderá servir de base também para contratação de serviços:
“Não obstante o art. 15, II, da Lei 8.666/1993 mencionar a utilização do SRP apenas para compras, o sistema também pode ser utilizado para contratação de serviços, conforme previsão expressa nos arts. 1º e 2º, do Decreto 7.892/2013[1], bem como entendimento consagrado pelo TCU, Acórdão 1.737/2012, Plenário, Rel. Min. Ana Arraes, 04.07.2011, Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos do TCU n. 113[2]”.
Mas em que consiste o SRP? Na lição da doutrina:
“O Sistema de Registro de Preços (SRP) pode ser definido como procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona as propostas mais vantajosas, mediante concorrência ou pregão, que ficarão registradas perante a autoridade estatal para futuras e eventuais contratações”[3].
A Lei 8.666/93, no já referido art. 15, explicita algumas características do SRP:
§ 1º. O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2º. Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3º. O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.
§ 4º. A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5º. O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.
§ 6º. Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.
O fundamento de existência do SRP é a busca por uma maior eficiência na gestão pública, a partir de um melhor custo-benefício nas contratações efetivadas pela Administração Pública. Em outras palavras, busca-se alcançar uma maior economicidade na aquisição de bens e serviços.
O art. 3º, do Decreto 7.892/2013 indica as hipótese em que se faz possível a adoção do SRP
“Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses:
I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;
II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;
III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou
IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”
Cumpre destacar que o SRP instrumentaliza-se por meio de uma Ata de Registro de Preços, contendo preços, fornecedores, órgãos participantes e condições para futuras contratações (embora a Administração Pública não esteja obrigada a efetivá-las[4]), a qual tem validade de 1 (um) ano[5].
Feita uma breve exposição acerca dos contornos legais do SRP, no tópico seguinte será esclarecido no que consiste o efeito “carona” e a discussão em torno de sua possibilidade.
2. O “carona” no SRP e o debate acerca de sua viabilidade.
Na objetiva e clara lição da doutrina: “Os ‘caronas’ são os órgãos e entidades administrativas que não participaram do registro, mas que pretendem utilizar a Ata de Registro de Preços para suas contratações.[6]”[7]
No que toca à possibilidade do efeito “carona” quando a Ata de Registro de Preços foi gerenciada por órgão ou entidade da mesma esfera federativa, a questão é harmoniosa no sentido de sua possibilidade, a exemplo do que acontece em relação à União, com base no disposto no caput do art. 22, do Decreto 7.892/2013:
Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.
No entanto, há intensa discussão acerca da possibilidade do “carona” quando se tratar de órgãos e entidades administrativas de esfera federativa diversa.
Pela impossibilidade, posicionam-se o TCU (Acórdão 1.793/2011) e a Advocacia-Geral da União – AGU (Orientação Normativa 21). In verbis:
Acórdão 1.793/2011 do TCU: “É vedada a adesão de órgão ou entidade federal a ata de registro de preços promovida por órgão ou entidade estadual ou municipal”.
Orientação Normativa 21 da AGU: “É vedada aos órgãos públicos federais a adesão à Ata de Registro de Preços, quando a licitação tiver sido realizada pela Administração Pública Estadual, Municipal ou do Distrito Federal, bem como por entidades paraestatais”.
Sustentando a possibilidade do efeito “carona”, ainda que em relação a órgãos e entes de esferas federativas distintas, tem-se doutrinadores como Jorge Ulysses Jacoby Fernandes e Rafael Carvalho Rezende Oliveira[8].
Defendem que a natureza instrumental da licitação busca permitir, à administração, a obtenção da proposta mais vantajosa, respeitando-se a isonomia. E a situação do “carona” em nada desnatura tais características da licitação, pois: a)em termos de isonomia, o SRP foi obtido por outro ente público, donde se presume que esta foi respeitada; b) a economicidade foi garantida pelo registro da proposta mais vantajosa para a Administração, evitando-se o custo de novo procedimento licitatório.
Citam ainda os §§8º9º, do art. 22, do Decreto 7.892/2013, que, respectivamente, proíbe a União de pegar carona na Ata gerida por órgão/ente Estadual, Municipal e Distrital e, por outro lado, permite que estes peguem carona na Ata gerida pela União, senão vejamos:
“§ 8º. É vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual.
§ 9º. É facultada aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais a adesão a ata de registro de preços da Administração Pública Federal.”
Em que pese a discussão que surgiu em torno da matéria, da forma como estão redigidos os §§8º9º, do art. 22, do Decreto 7.892/2013, nos termos acima transcritos, impõe-se uma posição intermediária, eis que não seria possível apontar a possibilidade ou a impossibilidade do “carona” no SRP.
Ora, o texto do §8º, do art. 22, do Decreto 7.892/2013 é claro ao permitir que os órgãos e entidades estaduais (E), municipais (M) e distritais (D) peguem carona na Ata produzida pela União (U). Daí, não existem quaisquer óbices ao efeito “carona” no sentido E, M e D => U.
Por outro lado, o §9º, do art. 22, do Decreto 7.892/2013 proíbe expressamente a União de pegar carona na Ata produzida pelos demais entes. Nesse sentido, a lógica é exatamente inversa, porquanto é vedado o efeito “carona”, no sentido U => E, M e D.
Desse contexto, extrai-se que a tese da impossibilidade genérica, desconsidera o quanto contido no §8º, do art. 22, do Decreto 7.892/2013, enquanto a defesa da possibilidade plena olvida o disposto no §9º, do art. 22, do Decreto 7.892/2013, sustentando verdadeira atitude contra legem.
Entende-se, portanto, não ser possível a existência do efeito “carona” da União para os demais entes federados e seus órgãos, embora seja viável destes para com a União, sendo a posição que melhor se adequa ao princípio da legalidade (juridicidade).
Considerações finais
Como visto no presente artigo, o SRP é atualmente um importante instrumento à disposição da Administração Pública nas hipóteses de licitação para aquisição de bens e contratação de serviços, permitindo-lhe alcançar melhores resultados[9] em termos de economicidade.
Na sequência, foi objeto de abordagem o “carona” no SRP e a discussão acerca de sua viabilidade. Constatou-se que nada impede o efeito “carona” quando se tratar de órgãos e entidades dentro de um mesmo ente federado, embora haja forte debate quando se envolve entes federativos distintos.
Expostas as posições dissonantes acerca da matéria, demonstrou-se que não se pode trabalhar com uma possibilidade ou impossibilidade genérica, mas se deve apontar para um caminho intermediário, o qual, aliás, está em sintonia com as disposições normativas aplicáveis ao SRP.
Daí porque, repita-se, entende-se não ser possível a existência do efeito “carona” da União para os demais entes federados e seus órgãos (U => E, M e D), embora seja viável destes para com a União (E, M e D => U), sendo a posição que melhor se adequa ao princípio da legalidade (juridicidade).
Bibliografia
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Carona em Sistema de Registro de Preços: uma opção inteligente para a redução de custos e controle. FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 70, out. 2007.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014.
[1]É o Decreto que atualmente regulamenta o SRP em âmbito federal, tendo revogado o anterior Decreto 3.931/2001.
[2]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014. Pág. 359
[3]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Pág. 358.
[4] Conforme art. 16, do Decreto 7.892/2013.
[5]Nos termos do acima transcrito art. 15, §3º, III, da Lei 8.666/93. Nessesentido também a Orientação Normativa 19 da AGU.
[6]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Págs. 361 e 362.
[7][7] No mesmo sentido In MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Págs. 411: “Denomina-se ‘carona’ a utilização, por uma pessoa jurídica ou órgão público, do registro de preço realizado por outra entidade estatal. A vantagem é que o caroneiro poderá celebrar o contrato de imediato sem necessidade de refazer a licitação.”.
[8]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Págs. 362 e 363 e FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Carona em Sistema de Registro de Preços: uma opção inteligente para a redução de custos e controle. FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 70, p. 7-12, out. 2007.
[9]“A administração gerencial (ou governança consensual) objetiva atribuir maior agilidade e eficiência na atuação administrativa, enfatizando a obtenção de resultados, em detrimento de processos e ritos, e estimulando a participação popular na gestão pública.” (g.n.) In MAZZA, Alexandre. Ob. Cit. Págs. 35 e 36.
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. O "Carona" no Sistema de Registro Público: É possível ou não? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41507/o-quot-carona-quot-no-sistema-de-registro-publico-e-possivel-ou-nao. Acesso em: 23 dez 2024.
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