Resumo: São três as fases da execução orçamentária de uma despesa: o empenho, a liquidação e o pagamento. Um dos tipos de empenho é o estimativo ou por estimativa, próprio para os casos de despesas cujo valor não se possa estipular antecipadamente com exatidão. Caso a despesa real seja menor que a prevista, anula-se a parte excedente do empenho. Caso seja menor, providencia-se o seu reforço. Se o empenho não for reforçado até o final do exercício financeiro, o pagamento deve ser feito à conta de despesas de exercícios anteriores.
Palavras-chave: direito financeiro, empenho, empenho por estimativa.
Introdução
O particular devedor tem a faculdade de extinguir uma obrigação por meio de pagamento em dinheiro, caso assim avençada sua prestação, bastando para tanto sacar as cédulas de sua carteira e entregá-las ao credor.
Os entes públicos não podem fazer igual. Os mecanismos de pagamento pelo Estado são mais complexos, e a burocracia dos procedimentos se justifica por várias razões, entre elas o vultoso patrimônio estatal, o enorme número de operações, muitas simultâneas, o necessário planejamento das despesas e o controle dos gastos da Administração, este último motivo correspondente à denominada função política do orçamento, consoante Ricardo Lobo Torres (2010, p. 178).
Discutem-se neste artigo algumas questões sobre o “empenho por estimativa” ou “empenho estimativo”, em especial as hipóteses de despesa real diferente daquela estimada e de término do prazo para reforço do empenho.
Empenho por estimativa
A realização das despesas públicas compreende três etapas: o empenho, que cria para o Estado a obrigação de pagar determinado valor; a liquidação, fase em que se comprova que o credor cumpriu as suas obrigações; e o pagamento, quando o Estado emite a ordem bancária em favor do credor.
Conforme o art. 58 da Lei n. 4.320/64, empenho “é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”.
Algumas das finalidades do empenho são: firmar um compromisso; garantir que os recursos utilizados serão aqueles apropriados à despesa, conforme a classificação orçamentária; e assegurar que o crédito seja suficiente para a despesa, bloqueando do orçamento o valor necessário.
A doutrina especifica três tipos de empenho, a partir da leitura do art. 60 da Lei n. 4.320/64: o ordinário, direcionado a despesas de valor determinado e pagamento único; o global, próprio para despesas a serem parcelas ao longo do tempo; e o estimativo, adequada para despesas cujo montante não se possa determinar antecipadamente.
Valdecir Pascoal elucida cada um dos tipos de empenho:
TIPOS DE EMPENHO: ordinário, estimativa e global.
a) Ordinário – o empenho ordinário é aquele utilizado para despesas normais que não apresentem nenhuma característica especial. A quase-totalidade dos gastos é processada através desse tipo de empenho. São despesas de valores definidos, que devem ser pagos numa única prestação.
b) Estimativa – é utilizado quando não se pode determinar com exatidão o montante da despesa, como, por exemplo, conta de água, de luz e de telefone, alguns adiantamentos a servidores etc. Assim, devemos fazer uma estimativa de quanto será gasto ao longo do exercício financeiro. Nesse tipo de empenho, utiliza-se um documento chamado nota de subempenho, que é o registro do valor efetivo a ser deduzido da importância total empenhada por estimativa. Se a estimativa for menor que o valor exato, faz-se o empenho complementar da diferença; se for maior, anula-se a parte referente à diferença, revertendo-se o saldo à dotação originária.
c) Global – é utilizado para casos de despesas contratuais e outras, sujeitas a parcelamento. Nesse caso, deve ser emitido o empenho global, deduzindo-se os valores correspondentes nas respectivas quotas mensais, trimestrais, semestrais etc., as quais podem ser controladas também através de notas de subempenho. O objetivo desse tipo de empenho é o de evitar o excesso de burocracia decorrente do empenhamento mensal de cada parcela do contrato. A diferença do empenho global e do empenho ordinário está apenas no histórico, ou seja, na especificação da despesa, que, no global, deverá estar expresso que se trata do valor total do contrato a ser pago em x parcelas (ex: despesas com a remuneração de servidores, contratos de obras, aluguéis etc.). Vale ressaltar que, num caso de contrato cuja duração ultrapasse o exercício financeiro, o empenho global ficará restrito aos créditos orçamentários referentes a um único exercício financeiro. Assim, a cada ano faz-se um empenho global referente ao valor contratual previsto para o respectivo exercício.
(Direito Financeiro e Controle Externo. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 72)
Assim, quando não se pode determinar com precisão a despesa futura, adequado é o empenho por estimativa, na forma do § 2º do art. 60 da Lei n. 4.320/64:
Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho.
§ 1º Em casos especiais previstos na legislação específica será dispensada a emissão da nota de empenho.
§ 2º Será feito por estimativa o empenho da despesa cujo montante não se possa determinar.
§ 3º É permitido o empenho global de despesas contratuais e outras, sujeitas a parcelamento.
Água, eletricidade, telefonia são exemplos de objetos contratuais que não são passíveis de dimensionamento exato de consumo futuro. Por mais que o gestor público planeje o gasto, com base em planilhas de consumo pretérito e expectativa de demanda futura, é difícil que a previsão bata exatamente com a realidade.
Apesar da complexidade do cálculo de gastos estimados, a legislação não dispensou o gestor de realizar o empenho previamente à despesa, mas configurou uma modalidade flexível de empenho.
Despesa maior ou menor que a prevista
Considerando-se que determinado contrato tenha natureza estimativa, que fazer quando a despesa real é maior ou menor que o valor empenhado?
A resposta é dada pela Controladoria-Geral da União no Portal da Transparência:
O Empenho poderá ser reforçado quando o valor empenhado for insuficiente para atender à despesa a ser realizada, e caso o valor do empenho exceda o montante da despesa realizada, o empenho deverá ser anulado parcialmente. Será anulado totalmente quando o objeto do contrato não tiver sido cumprido, ou ainda, no caso de ter sido emitido incorretamente.
(Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/despesasdiarias/saiba-mais>; acesso em: 10 abr. 2014)
Assim, caso o valor da despesa seja conhecido no mesmo exercício financeiro, reforça-se o empenho no caso de despesa maior, e anula-se parcialmente o empenho no caso de despesa menor.
Heraldo da Costa Reis e José Teixeira Machado Júnior explicam que, caso o valor da despesa seja conhecido apenas no exercício financeiro subsequente, o pagamento pode ser pago na dotação de despesas de exercícios anteriores:
O § 2º [do art. 60 da Lei n. 4.320/64] dispõe que será feito por estimativa o empenho de despesa cujo montante não se possa determinar. (...) Se não se sabe, ou não se pode calcular o montante exato da despesa, faz-se o empenho – sempre prévio e por estimativa; o valor exato da despesa poderá ser conhecido no exercício de origem ou no exercício subseqüente.
1. No exercício de origem:
- se a estimativa for menor que o valor exato, far-se-á o empenho complementar da diferença;
- se a estimativa empenhada for maior que o valor exato, anula-se a parte referente à diferença, revertendo esta à dotação por onde correu a despesa.
2. No exercício subseqüente, as despesas que não se processaram na época própria poderão ser pagas à conta da dotação Despesa de Exercícios Anteriores, de conformidade com as disposições do art. 37 desta lei.
(A Lei 4.320 Comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 33ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 135/136)
Fim do prazo para reforço do empenho
Na hipótese de despesa real maior do que a prevista, basta, então, o reforço do empenho, caso existente orçamento para tanto. Mas o que ocorre se não houver tempo hábil para o reforço do empenho antes do término do exercício financeiro?
Pode-se cogitar da solução por meio da inscrição da despesa em restos a pagar. Sobre o assunto, vale reproduzir o art. 36 da Lei n. 4.320/64:
Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.
Parágrafo único. Os empenhos que sorvem a conta de créditos com vigência plurienal, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito.
Pela leitura do artigo, verifica-se que a inscrição em restos a pagar não é adequada para o caso, pois não existe empenho do montante excedente. Considerando que os bens já tenham sido entregues ou o serviço já tenha sido realizado pela contratada e atestado pelo ente público, é preciso que a contratada receba o seu pagamento, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração.
A solução que resta é considerar o valor excedente como despesa de exercício anterior, de que trata o art. 37 da Lei n. 4.320/64:
Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.
Convém novamente aproveitar a lição de Valdecir Pascoal, discorrendo agora sobre as hipóteses de pagamento à conta de despesas de exercícios anteriores decorrentes do texto legal:
Diante dessa conceituação [do art. 37 da Lei n. 4.320/64], três situações poderão ensejar o pagamento à conta de despesas de exercícios anteriores.
1) As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria. Esse não processamento pode decorrer de anulação ou insubsistência do empenho ou por simples erro da Administração, por exemplo, tendo, contudo, o credor demonstrado ulteriormente, por qualquer meio idôneo, haver cumprido a sua obrigação. Também se enquadram no caso despesas urgentíssimas, que não puderam aguardar os trâmites administrativos para a realização do empenho.
2) Os restos a pagar com prescrição interrompida. Vimos que, após um ano, os restos a pagar são cancelados, de sorte que aqueles recursos destinados ao seu pagamento passam a ser considerados outras receitas (correntes ou de capital). Vimos também que o direito do credor perante a Administração só prescreve em 5 (cinco) anos. Assim, pode ocorrer uma situação em que, mesmo diante de cancelamento de restos a pagar (os não processados), vez que nos processados o credor já havia demonstrado o seu direito), ao final do exercício subsequente à sua inscrição, o credor venha a demonstrar o seu direito. Nesse caso, deve a Administração fazer o pagamento com vase no elemento despesas de exercícios anteriores.
3) Os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício financeiro. Nesse caso, a autoridade administrativa reconhece a despesa, ainda que não houvesse no orçamento anterior dotação própria ou não tenha esta deixado saldo. Esse pagamento decorre de obrigação legal. Como exemplo, a promoção de servidor com data retroativa.
(Direito Financeiro e Controle Externo. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 76/77)
Geralmente, quando há bom planejamento ou tempo hábil, o excesso da despesa é previsto com antecipação e garante-se, no mesmo exercício, a dotação para cobrir o excedente no elemento de despesa próprio para a mesma finalidade. Efetua-se assim o reconhecimento de despesa cujo fato gerador ocorreu no mesmo exercício.
Quando não há tempo para ampliar a dotação no mesmo exercício em que ocorreu a despesa, resta adaptar o fato à terceira hipótese narrada no trecho acima reproduzido, ainda que efetivamente a despesa tenha sido conhecida no mesmo exercício. O reconhecimento da despesa dar-se-á em classificação contábil própria (despesas de exercícios anteriores), diferente do elemento da despesa originária.
Tal solução parece a mais adequada porque, como dito, a contratada precisa, de alguma forma, receber pelo serviço se o executou a contento.
Assim, o ente público deverá reconhecer a dívida e realizar o pagamento como despesa de exercício anterior. Os elementos mínimos do procedimento constam do sítio do Tribunal de Contas da União:
O reconhecimento da dívida a ser paga a conta de despesas de exercícios anteriores cabe à autoridade competente para empenhá-la, devendo o processo conter, no mínimo, os seguintes elementos:
- importância a pagar;
- nome, CPF ou CGC e endereço do credor;
- data do vencimento do compromisso;
- causa da inobservância do empenho, se for o caso.
Disponível em : <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/gestao_orcamentaria/programacao_orcamentaria>; acesso em: 10 abr. 2014.
É preciso que a Administração certifique oportunamente a disponibilidade orçamentária para fazer frente às despesas de exercícios anteriores. Também é importante que, quando da quitação de despesas públicas vencidas, a partir do seu reconhecimento e aceitação pela Administração, siga-se a ordem cronológica de exigibilidade.
Conclusão
Em síntese, o empenho deve sempre ser prévio à despesa, ainda que o gestor público não tenha como apurar com exatidão a demanda futura, como, por exemplo, em contratos de telefonia, água e luz.
Nessa hipótese, cabe lançar mão do empenho estimativo ou por estimativa, que pode ser reforçado, caso a despesa real resulte maior do que a esperada, ou anulado parcialmente, caso a despesa efetiva seja menor.
Por fim, na situação de gasto maior que o esperado e término do exercício financeiro sem o devido reforço do empenho, cabe ao ente público processar o valor excedente como despesa de exercício anterior, de que trata o art. 37 da Lei n. 4.320/64.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PASCOAL, Valdecir, Direito Financeiro e Controle Externo. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
REIS, Heraldo da Costa; MACHADO JÚNIOR, José Teixeira. A Lei 4.320 Comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 33ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Renovar, 2010.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Questões sobre o empenho por estimativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41516/questoes-sobre-o-empenho-por-estimativa. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Luis Carlos Donizeti Esprita Junior
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Roberto Carlyle Gonçalves Lopes
Por: LARISSA DO NASCIMENTO COSTA
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