Hodiernamente, a Administração Pública confere aos servidores públicos a ela vinculados um endereço eletrônico para o recebimento e envio de correspondência digital, comumente conhecido como “e-mail institucional” ou “e-mail funcional”.
O presente artigo tem como objetivo a realização de sucinta análise acerca da natureza jurídica do e-mail institucional e, como consequência desta, da impossibilidade da oposição de seu sigilo ao órgão ou entidade responsável pela sua disponibilização ao respectivo servidor público.
A Constituição Federal elenca como direito fundamental, no inciso XII de seu art. 5º, o sigilo da correspondência, nos seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondênciae das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;(grifou-se)
Destarte, como regra, é constitucionalmente garantido sigilo às correspondências eletrônicas, ou seja, o e-mail goza da proteção constitucional no que tange à inviolabilidade de seu conteúdo.
Não obstante, para melhor se determinar o alcance da supracitada proteção constitucional ao correio eletrônico ou e-mail, faz-se necessário definir o que podemos chamar de sua titularidade imediata e mediata.Assim, quando se tratar de e-mail particular, ou seja, de titularidade apenas do próprio servidor, eis que criado pelo mesmo para uso pessoal, incidem com plenitude as disposições protetivas do inciso XII do art. 5º da CF. No entanto, quando se tratar de e-mail institucional, ou seja, aquele criado por órgão ou entidade pública e disponibilizado ao servidor público para o desempenho de suas atribuições funcionais, as disposições do inciso XII do art. 5º CFdevem ser enforçadas levando-se em consideração sua peculiar natureza.
No caso do e-mail institucional, pode-se dizer que a sua titularidade imediata é do servidor público, que o utiliza, diretamente, no cumprimento de suas atribuições funcionais; e que a sua titularidade mediata é do órgão ou entidade que o conferiu ao servidor público para que este pudesse desenvolver suas atribuições funcionais adequadamente, como se fosse uma ferramenta ou um equipamento para o serviço.
Logo, tomando como premissa que o e-mail institucional utilizado pelo servidor é, antes de tudo, uma ferramenta para melhor execução de suas atividades, de modo que a função do órgão ou entidade a cujo quadro ele pertence possa ser melhor realizada, é lícito se concluir que a natureza do e-mail institucional é eminentemente pública.Tanto é assim que as mensagens destinadas ao e-mail de determinado servidor, quando este se encontra em gozo de férias, são automaticamente redirecionadas ao e-mail de outro servidor, com vistas à manutenção da continuidade do serviço. Além disso, quando o servidor rompe seu vínculo jurídico funcional com o órgão ou entidade, seja pela exoneração, demissão, vacância etc., seu e-mail institucional é cancelado, o que também demonstra a preponderância do interesse do órgão ou entidade sobre o interesse do servidor na manutenção do e-mail funcional.
O e-mail institucional é criado e outorgado ao servidor para o bem do serviço, ainda que ocasionalmente seja utilizado de forma atípica, para atividades particulares do servidor, quando expressamente autorizado pelo ente público.
Sendo assim,comunga-se do entendimento de que o e-mail funcional (ou institucional) é caracterizado como instrumento de trabalho do agente público, conferido pelo ente público, para consecução de suas atribuições funcionais e, logo, em última análise, do interesse público. O e-mail funcional não se encontra no âmbito de proteção do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, eis que esta é destinada a assegurar a privacidade do indivíduo, que pode ser compreendida como um dos alicerces do direito à intimidade e à vida privada. Nesse contexto, o e-mail constitucionalmente protegido é apenas o pessoal, cujo sigilo só poderia ser quebrado por ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nos termos em que disciplinado pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.
Com isso não se quer dizer que as informações veiculadas por e-mail funcional não são sigilosas, pelo contrário, elas podem, sim, ser sigilosas. Contudo, tal sigilo não é oponível ao ente público, diretamente interessado nas atividades que seus agentes desenvolvem em seu nome, mas o é, a priori, a qualquer outra pessoa não remetente ou destinatária da mensagem.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou entendimento no sentido de que se o meio de comunicação é o institucional não existe violação de sigilo de correspondência quando a própria empresa, que disponibilizou o serviço, fiscaliza a sua correta utilização (Recurso de Revista nº 613/2000-013-10-00).
PROVA ILÍCITA. "E-MAIL" CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIALPORNOGRÁFICO.
1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual ("e-mail" particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. (grifou-se)
2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado "e-mail"corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço.
3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a existir, de uns tempos a esta parte, entre Internet e/ou correspondência eletrônica e justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e, pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente acontece revela que, notadamente o"e-mail" corporativo, não raro sofre acentuado desvio de finalidade,mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui,
assim, em última análise, expediente pelo qual o empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador.
4. Se cuida de "e-mail" corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor. Instater presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inc.III), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador,igualmentemerecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de "e-mail" de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido).
5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em "e-mail" corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII eLVI, da Constituição Federal.
6. Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nºTST-RR-613/2000-013-10-00.7, em que é Recorrente HSBC SEGUROS BRASIL S.A.e Recorrido ELIELSON LOURENÇO DO NASCIMENTO.
Em que pese tal entendimento ter sido firmado em análise de caso concreto que se deu na seara de relação de emprego celetista, entre indivíduo e empresa privada, acredita-se que, até com mais razão, ele deve ser aplicado nas relações dos agentes públicos com os entes públicos. Ora, o interesse na correta e competente gestão da coisa pública, diferentemente da particular, interessa a toda coletividade, de modo que se é permitido às empresas particulares fiscalizarem os e-mails corporativos de seus empregados, obviamente interpretação que não confira à administração pública a mesma prerrogativa seria insustentável.
Cabe, inclusive, ressaltar a posição da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o assunto, extraída de seu Manual de Processo Administrativo Disciplinar, publicado em 2014, que não dista da posição ora defendida, in verbis:
10.3.18.5. O Correio eletrônico ou e-mail institucional e e-mail particular privado - critérios de utilização como prova
O correio eletrônico ou e-mail institucional utilizado pelos servidores é uma ferramenta de trabalho disponibilizada pela Administração Publica que poderá, ou não, ter seu uso discriminado em normas internas do órgão.
Assim, não constitui afronta à primeira parte do Art. 5º, XII, CF o uso das informações contidas no e-mail institucional do servidor, não se justificando a alegação de preservação de intimidade. Isso se justifica em razão de o e-mail corporativo ter seu uso restrito a fins do trabalho, o que confere à Administração o acesso a ele ou o seu monitoramento, sem que seja necessária autorização judicial.
“(...) entende-se que se o correio eletrônico de onde se retirou a prova é institucional, por ser ele do serviço público e não privativo do servidor, a prova poderá ser utilizada.”
Diferentemente do que foi exposto em linhas anteriores, no caso do e –mail de uso particular do servidor, fornecido por provedor comercial de acesso à internet, a intimidade de suas informações está assegurada constitucionalmente, sendo seus dados invioláveis pela Administração.
Ocorre que, havendo necessidade de utilização de informações provenientes do e-mail privado do servidor, para fins apuratórios, a disponibilização desses dados depende da autorização judicial, conforme previsão da Lei nº 9.296/96, que no parágrafo único do art. 1º, estende o compartilhamento do sigilo à interceptação do fluxo das comunicações em sistemas de informática (a exemplo do e-mail pessoal) e telemática (como modem e fac-símile). Daí ser aceito o mesmo procedimento discriminado para as comunicações telefônicas para o compartilhamento do sigilo desses fluxos de dados.[1]
Por todo o exposto, conclui-se que o e-mail institucional, ainda que ocasionalmente utilizado para fins pessoais, tem natureza pública, constituindo ferramenta de serviço para a consecução das atribuições funcionais do servidor, sendo inviável a oposição de seu sigilo ao órgão ou entidade que o conferiu ao respectivo servidor.
[1]Manual de Processo Administrativo Disciplinar, da Controladoria-Geral da União (CGU). Brasília. 2014. p. 172.
Procurador Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Clélio de Oliveira Corrêa Lima. O e-mail institucional e a inoponibilidade de seu sigilo ao órgão ou entidade que o conferiu ao servidor público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41517/o-e-mail-institucional-e-a-inoponibilidade-de-seu-sigilo-ao-orgao-ou-entidade-que-o-conferiu-ao-servidor-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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