Resumo: Este artigo analisa a possibilidade de se requerer, no âmbito da Ação Regressiva Acidentária, a obrigação de fazer relativa à reabilitação profissional e/ou o regresso dos valores expendidos com esse serviço previdenciário. O tema é tratado sob a ótica da teoria objetiva do Estado.
Palavras-Chaves: Ação Regressiva Acidentária. Reabilitação Profissional. Obrigação de Fazer. Ressarcimento. Teoria Objetiva.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Tratamento Legal. 3. A reabilitação profissional. Obrigatoriedade de prestação pelo INSS e direito ao regresso. 4. Direito de regresso. Delimitação do pedido. Conclusão.
Introdução
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS está ao lado de outras instituições como Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Polícia Civil, Judiciário Federal na luta em busca de ambientes de trabalho mais saudáveis e seguros.
Essa luta, no âmbito da autarquia previdenciária, vem se materializando através do ajuizamento em massa de ações regressivas que objetivam responsabilizar o empregador negligente com o custo das prestações acidentárias, quando comprovada sua culpa no evento danoso. Pretende-se, portanto, que o empregador se conscientize de que é mais rentável investir em segurança do trabalho do que arcar com os custos decorrentes de um acidente laboral.
Conforme já repetido alhures em diversas manifestações da Procuradoria-Geral Federal, órgão que representa judicialmente o INSS, tais ações possuem caráter pedagógico e financeiro na medida que tais ressarcimentos colaboram para o equilíbrio das contas da previdência.
Até o momento, as ações regressivas vêm perseguindo o reembolso dos valores expendidos a título de benefício acidentário, omitindo-se quanto aos gastos efetuados pela Previdência nos processos de reabilitação profissional. E é esse o ponto que ora se enfrenta.
1. Conceito.
A Reabilitação Profissional constitui serviço da Previdência Social cujo objetivo é oferecer aos segurados incapacitados para o trabalho os meios de reeducação ou readaptação profissional para o seu retorno ao mercado de trabalho.
O atendimento é feito por equipe de médicos, assistentes sociais, psicólogos, sociólogos, fisioterapeutas e outros profissionais.
Concluído o processo de reabilitação profissional, a Previdência Social emitirá certificado indicando a atividade para a qual o trabalhador foi capacitado profissionalmente.
Viana, ao discorrer sobre o tema ensina:
“Esses serviços são devidos em caráter obrigatório aos segurados, inclusive aposentados e, na medida das possibilidades do INSS, que é o órgão da previdência social responsável por sua prestação, aos seus dependentes.
O processo de habilitação e de reabilitação profissional do beneficiário será desenvolvido por meio das funções básicas de:
I – avaliação do pontencial laborativo;
II – orientação e acompanhamento da programação profissional;
III – articulação com a comunidade, inclusive mediante a celebração de convênio para reabilitação física retsrita a segurados que cumpriram os pressupostos de elegibilidade ao programa de reabilitação profissional, com vistas ao reingresso no mercado de trabalho; e
IV- acompanhamento e pesquisa da fixação no mercado de trabalho.
A execução dessas funções dar-se-á, preferencialmente, mediante o trabalho de equipe multifuncional especializada em medicina, serviço social, psicologia, sociologia, fisioterapia, terapia ocupacional e outras afins ao processo, sempre que possível na localidade do domicílio do beneficiário, ressalvadas as situações excepcionais em que este terá direito à reabilitação profissional fora dela.
A programação profissional será desenvolvida mediante cursos e/ou treinamentos, na comunidade, por meio de contratos, acordos e convenios com instituições e empressas públicas ou privadas. O treinamento do reabilitado, quando realizado em empresa, não estabelece qualquer vínculo empregatício ou funcional entre o reabilitando e a empresa, bem como entre estes e o INSS. Concluído o processo, não cabe ao INSS manter o segurado no mesmo emprego ou sua colocação em outro, mas apenas realizar articulação com a comunidade, com vistas ao levantamento da oferta do mercado de trabalho, ao direcionamento da programação profissional e à possibilidade de reingresso do reabilitando no mercado formal.
Quando indispensáveis ao desenvolvimento do processo de reabilitação profissional, o INSS fornecerá aos segurados, inclusive aposentados, em caráter obrigatório, prótese e órtese, seu reparo ou susbtituição, instrumentos de auxílio para locomoção, bem como equipamentos necessários à habilitação e à reabilitação profissional, transporte urbano e alimentação e, na medida das possibilidades do Instituto, aos seus dependentes.
Concluído o processo de habilitação ou reabilitação social e profissional, será emitido certificado individual, indicando as atividades que poderão ser exercidaspelo beneficiário, nada impedindo que este exerça outra atividade para o qual se capacitar.” (VIANA, 2010, Curso de Direito Previdenciário, 3ª edição, p. 558/559)
2. Tratamento legal.
Em termos positivos, a questão é tratada pela Lei nº 8.213/91, arts. 89 a 92; Decreto no 3.048/99, arts. 136 a 141 e Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010, arts. 386 a 391.
Os conteúdos desses dispositivos são essencialmente iguais e seus elementos principais já se encontram citados no item que tratou do conceito do instituto, dispensando transcrição.
3. A reabilitação profissional. Obrigatoriedade de prestação pelo INSS e direito ao regresso.
O INSS, como ente administrativo responsável pela execução da política pública de concessão de benefícios é o responsável pela concessão de benefícios e prestações acidentárias.
A cobertura securitária realizada pelo INSS está fundada na teoria objetiva, visto que o pagamento dos benefícios previdenciários ao trabalhador não está condicionado à caracterização da culpa.
Basta o trabalhador contribuir para o sistema do Seguro Social que o Estado arcará com o pagamento dos benefícios.
A cobertura acidentária pelo INSS deslocou a natureza contratual do seguro de acidente do trabalho para um sistema de seguro social, de solidariedade mais ampla, cujos benefícios são concedidos ao acidentado independentemente da prova de culpa, já que qualquer trabalho, de certa forma, implica riscos.
Temos, portanto, que pelo princípio constitucional da universalidade da cobertura e do atendimento, o Estado, representado pelo INSS, alcançará todos os eventos do infortúnio laboral, a fim de manter a subsistência do trabalhador.
Diante desta afirmativa, a responsabilidade civil do Estado frente ao acidente de trabalho é objetiva.
Esse princípio está estampado no art. 194 da Constituição Federal:
“Art. 194, parágrafo único. (...)
I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;
V – equidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento;
VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”
A Seguridade Social deve dar proteção de cobertura e de atendimento, devendo ela, conforme determinação do constituinte de 1988, cobrir todos os eventos que causem estado de necessidade, como por exemplo, a idade avançada, morte, invalidez, deficiência física, maternidade etc.
A universalidade de atendimento refere-se aos sujeitos protegidos (universalidade subjetiva), ou seja, todas as pessoas em estado de necessidade devem ser atendidas pela Seguridade Social. Já a universalidade de cobertura diz respeito às contingências cobertas (universalidade objetiva), ela significa cobrir todos os eventos que causem estado de necessidade e é objetiva porque diz respeito a fatos que deverão ser cobertos pela Seguridade Social.
Dessa forma, resta claro que não pode o INSS terceirizar as prestações previdenciárias, sejam elas benefício ou serviço, tal qual a reabilitação profissional, restando-lhe unicamente o caminho do regresso.
O INSS é obrigado a suportar ônus resultantes de situações que foram causadas, total ou parcialmente, por terceiros mas a lei lhe dá o direito de, regressivamente, receber do verdadeiro culpado aquilo que despendeu.
4. Direito de Regresso. Delimitação do pedido.
É pressuposto da ação regressiva a comprovação do dano que o INSS sofreu em face daquele acidente, dano este que deve ser comprovado e individualizado.
A concessão de uma prestação social acidentária é condição para a propositura da ação regressiva, pois somente com o efetivo pagamento do benefício previdenciário ocorrerá o dano e, conseqüentemente, a pretensão de ressarcimento do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
A Lei 8.213/91, quanto ao segurado vítima de acidente do trabalho, prevê a concessão de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença nos casos de invalidez total e permanente ou de incapacidade temporária para o trabalho, respectivamente. Quanto aos dependentes, prevê a concessão de pensão por morte no caso do acidente resultar em vítima fatal do segurado.
A referida Lei também prevê a concessão do benefício de auxílio acidente quando as lesões decorrentes de acidentes de qualquer natureza estiverem consolidadas e resultarem na redução da capacidade laborativa do segurado. No caso do auxílio-acidente, entretanto, somente haverá pretensão regressiva se a lesão for decorrente de um acidente do trabalho.
Consideram-se, ainda, prestações sociais acidentárias os serviços de reabilitação profissional que visam proporcionar ao segurado incapaz os meios de se adaptar social e profissionalmente. Esses serviços compreendem o fornecimento de aparelhos de prótese e órtese, instrumentos de auxílio para locomoção, o transporte do acidentado do trabalho, auxílio para tratamento ou exame fora do domicílio do beneficiário, cursos profissionalizantes, dentre outros.
No caso da reabilitação profissional, apenas o dano/gasto comprovado e individuado como decorrente diretamente do acidente objeto da ação poderá ser incluído no pedido.
Impossível constar da inicial o pedido de regresso de valores indiretamente gastos com o processo de reabilitação, devendo o pedido se limitar àqueles itens objetivamente vinculados ao segurado, tais como o fornecimento de aparelhos de prótese e órtese, instrumentos de auxílio para locomoção, o transporte do acidentado do trabalho, auxílio para tratamento ou exame fora do domicílio do beneficiário, cursos profissionalizantes entre outros.
Conclusão
As iniciais de ações regressivas devem contemplar, desde que pertinente, pedido de regresso dos valores despendidos a título de reabilitação profissional.
Tais valores devem ser objetivamente apontados e comprovados não sendo juridicamente possível formular pedido no sentido de imputar obrigação de fazer relativa à reabilitação profissional, pois tal pedido implicaria em transferir a terceiros prestação social em afronta aos princípios constitucionais que informam a seguridade social.
Referências:
VIANA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
JORGE, Társis Nametala Sarlo. Teoria Geral do Direito Previdenciário e Questões controvertidas do Regime Geral (INSS), do Regime dos Servidores Públicos e dos Crimes Previdenciários. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2005.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2003
Procuradora Federal; Pós-Graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE - Instituto para o Desenvolvimento Democrático.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOLINA, Fernanda de Paula. A Ação Regressiva Acidentária e a Reabilitação Profissional: Obrigação de Fazer ou Ressarcimento? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41559/a-acao-regressiva-acidentaria-e-a-reabilitacao-profissional-obrigacao-de-fazer-ou-ressarcimento. Acesso em: 23 dez 2024.
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