RESUMO: O presente artigo analisa as principais alterações legislativas e de entendimentos jurisprudenciais em relação ao instituto jurídico da estabilidade provisória da empregada gestante. Verifica-se que o TST mudou seu entendimento, alterando a sua súmula 244, assegurando a estabilidade provisória da gestante nos casos de contrato por prazo determinado. Outrossim, observa-se que a lei complementar nº 146/2014 estendeu o direito prescrito na alínea b, do inciso II, do art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos casos em que ocorrer o falecimento da genitora, a quem detiver a guarda do seu filho.
Palavras-chave: Estabilidade provisória. Gestante. Direitos trabalhistas.
INTRODUÇÃO
No âmbito do direito trabalhista, a gestante possui uma proteção especial, visando resguardar a sua saúde e a vida do ser que está em formação.
Dentre as normas específicas para a empregada gestante, destaca-se o direito à estabilidade provisória no emprego, por meio do qual é restringido o direito potestativo do empregador de dispensar sem justa causa os seus empregados.
Como será analisado adiante, houve evolução do instituto jurídico da garantia provisória de emprego da empregada gestante, de ordem legislativa e de entendimento jurisprudencial, especialmente quanto a sua incidência nos contratos por prazo determinando e a sua extensão a terceiros.
O presente artigo abordará as alterações ocorridas em relação a esse tema, comentando as principais alterações legislativas e dos entendimentos consolidados do Tribunal Superior do Trabalho.
1. ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA EMPREGADA GESTANTE
Conforme lição de Cassar (2013, p. 1110), estabilidade é a garantia que o obreiro possui de não ser despedido sem justa causa, ou seja, fora das hipóteses previstas em lei ou no contrato.
A legislação brasileira prevê vários casos em que há restrição ao direito potestativo do empregador de despedir seu empregado sem justa causa, tais como a estabilidade do dirigente sindical, do membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), dos integrantes do Conselho Curador do FGTS e da empregada gestante, sendo esta última analisada no presente estudo.
A proteção do emprego da gestante é garantida pelo ordenamento jurídico brasileiro desde, pelo menos, a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, cujo artigo 391 prescreve que:
Art. 391 - Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.
Segundo o dispositivo acima transcrito, não é justa a dispensa da empregada em decorrência de se encontrar em estado de gravidez.
Esse direito trabalhista foi inserido na Constituição Federal de 1988, no artigo 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual estabelece que:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
[...]
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
[...]
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Nesse sentido, ficou vedada a dispensa sem justa causa ou arbitrária da empregada gestante, desde a confirmação do estado gravídico até 5 meses após o parto.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, discutia-se acerca da necessidade do empregador ter conhecimento do estado gravídico da empregada para que fosse garantida a esta o direito à estabilidade provisória.
Não obstante a existência de divergência doutrinária, o Tribunal Superior do Trabalho fixou o entendimento de que “o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade”, constante da sua súmula de jurisprudência uniforme nº 244.
Nesse ponto, registra-se que o desconhecimento do estado gravídico pela empregada no momento da dispensa sem justa causa também não afasta o direito à estabilidade provisória, desde que seja confirmado que a concepção ocorreu no curso do contrato de trabalho.
Segundo Cassar (2013), terá direito à reintegração ou indenização desde a concepção, se esta ocorreu no curso do contrato de trabalho, a gestante dispensada sem justa causa, mesmo que a confirmação para a gestante tenha sido após a dispensa, com base na responsabilidade objetiva do empregador.
Nesse sentido, Cairo Júnior (2012, p. 791) esclarece que:
A jurisprudência e a doutrina dominantes chegaram à conclusão que não é necessária a ciência da gravidez por parte do empregador nem mesmo pela própria gestante. Adquire-se o direito a estabilidade gestante pelo simples fato objetivo da concepção que gera o feto. Entender de forma diversa seria o mesmo que negar o direito constitucionalmente protegido, uma vez que a demonstração da existência de comunicação ao empregador constitui ônus processual de difícil exoneração.
Isto posto, passa-se a analisar as recentes alterações na legislação e nos entendimentos jurisprudências acerca da estabilidade provisória da empregada gestante.
2. DA APLICABILIDADE DA ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE AO CONTRATO DE TRABALHO POR PRAZO DETERMINADO
Inicialmente, o TST fixou entendimento no sentido de que a empregada gestante não fazia jus à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de trabalho por tempo determinado, sob a justificativa de que a extinção da relação empregatícia, em face do término do prazo, não constituía dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Não obstante, a atual redação da súmula nº 244, inciso III, do TST, é claro no sentido de que a estabilidade provisória ora analisada deve ser assegurada mesmo nos casos de contrato por prazo determinado.
SUM-244 GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012 – DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
[...]
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
Portanto, vislumbra-se uma mudança de entendimento em relação a esse viés do direito à estabilidade da empregada gestante, passando essa garantia de emprego a ser aplicável a qualquer tipo de contrato de trabalho, ainda que seja celebrado por prazo determinado como, por exemplo, o contrato de experiência.
Em razão dessa evolução, o legislador brasileiro incluiu o artigo 391-A, na CLT, prescrevendo que:
Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Lei nº 12.812, de 2013)
Com efeito, durante o aviso prévio, resta definido o termo final do contrato, ainda que ele tenha sido celebrado por prazo indeterminado. Dessa forma, no curso do aviso prévio, o contrato de trabalho passa a ter as características de contrato por prazo determinado, sendo aplicável o entendimento esposado no item III, da súmula nº 244, do TST.
3. DA EXTENSÃO DO DIREITO À ESTABILIDADE PROVISÓRIA A TERCEIROS
Foi promulgada a Lei Complementar nº 146, de 25/06/2014, contendo os seguintes dispositivos:
Art. 1o O direito prescrito na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos casos em que ocorrer o falecimento da genitora, será assegurado a quem detiver a guarda do seu filho
Art. 2o Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.
Nos termos da nova regulamentação da garantia provisória de emprego da empregada gestante, verifica-se que essa garantia foi estendida a qualquer pessoa que detenha a guarda do filho da genitora falecida.
Nesse contexto, é possível aplicar a um homem (o pai, por exemplo) as regras do instituto jurídico da estabilidade provisória da empregada gestante, nos casos em que ele detiver a guarda do filho de genitora falecida.
Essa mudança legislativa concretizou o entendimento de que a estabilidade provisória da empregada gestante visa à proteção não apenas da empregada, mas também do nascituro ou do recém-nascido.
Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado do Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. GRAVIDEZ. GARANTIA DE EMPREGO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. RECUSA EM VOLTAR AO EMPREGO. DIREITO INCONDICIONADO. O artigo 10, inciso II, alínea -b-, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República, ao vedar a dispensa arbitrária da empregada gestante, fez isso de forma objetiva. Tem reiteradamente entendido esta Corte que o legislador constituinte não condicionou o gozo dessa garantia constitucional a que a empregada gestante postule, em Juízo, primeiro sua reintegração ou aceite voltar ao emprego caso o retorno já lhe tenha sido oferecido por seu empregador, sob pena de considerar essa recusa como renúncia ao próprio direito, pois não se pode extrair dessa norma constitucional que seu descumprimento implique necessariamente a reintegração da trabalhadora. Neste feito, conforme delineado na decisão embargada, foram preenchidas as únicas condições previstas pela jurisprudência predominante do Tribunal Superior do Trabalho para que a reclamante fizesse jus à indenização decorrente da estabilidade, que são seu estado gravídico no curso do contrato de trabalho e sua despedida imotivada. Ademais, a nova redação dada ao artigo 461 do Código de Processo Civil pela Lei nº 8.952/94, subsidiariamente aplicável à esfera trabalhista por força do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao mesmo tempo em que explicitou a clara prioridade dada pelo ordenamento jurídico nacional à tutela específica das obrigações de fazer e não fazer em detrimento de sua tutela meramente ressarcitória - a ser prestada, neste caso, por meio do pagamento da indenização dos valores correspondentes ao período desde a dispensa até a data do término do período estabilitário -, também previu, em seu § 1º, em caráter de exceção e expressamente, que o titular do direito terá a faculdade de requerer conversão da tutela específica em perdas e danos, sem que se possa considerar que o exercício dessa opção pela empregada implicou abuso de direito ou renúncia a esse. Foi essa, aliás, a mesma razão que levou à recente edição da Orientação Jurisprudencial nº 399 desta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, in verbis: -ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE GARANTIA NO EMPREGO. ABUSO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O ajuizamento de ação trabalhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do exercício do direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a dispensa até a data do término do período estabilitário-. Nesse contexto, deve ser reformada a decisão recorrida, dando-se provimento ao recurso de revista da reclamante, a fim de condenar o reclamado a pagar à empregada gestante a indenização correspondente ao período de sua garantia de emprego, ao duplo fundamento de que o desconhecimento de seu estado gravídico pelo empregador e a recusa da empregada de retornar ao trabalho não tornam improcedente seu pedido inicial de pagamento do valor equivalente a direito assegurado pela Constituição Federal em prol não apenas da empregada, mas também do nascituro. Recurso de revista conhecido e provido.
RR - 465-67.2013.5.23.0008 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15/10/2014, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/10/2014.
Finalmente, pondera-se que, não obstante o louvável avanço da legislação, a Lei Complementar nº 146/2014 foi omissa em algumas questões, que deverão ser dirimidas pelo Poder Judiciário, como, por exemplo, a aplicabilidade dessa extensão a terceiros nos casos em que o período de estabilidade previsto na Constituição Federal é ampliado por outras normas jurídicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, conclui-se que o direito à estabilidade provisória da empregada gestante se encontra em permanente evolução.
Nesse contexto, verifica-se que o entendimento atual é no sentido de que a estabilidade provisória ora analisada é aplicável a todas empregadas, ainda que admitidas mediante contrato por prazo determinado, conforme dispõe a nova redação da súmula nº 244, item I, do Tribunal Superior do Trabalho.
Finalmente, constata-se que essa garantia trabalhista visa proteger não apenas a empregada grávida, como também o nascituro, razão pela qual o direito foi estendido a terceiro que detenha a guarda de filho de genitora falecida, nos termos da Lei Complementar nº 146/2014.
REFERÊNCIAS
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Método, 2013.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 2º Turma. RR - 465-67.2013.5.23.0008. Relator: Ministro: José Roberto Freire Pimenta. Brasília, 15/10/2014. DEJT 24/10/2014.. Disponível a partir de: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%20283-65.2011.5.15.0011&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAAGlFAAR&dataPublicacao=24/10/2014&localPublicacao=DEJT&query=confirma%E7%E3o%20and%20gravidez%20and%20ap%F3s%20and%20dispensa%20%20ou%20%20estabilidade%20and%20gravidez%20and%20nascituro>. Acesso em: 30 out. 2014.
Procurador Federal e Professor do curso de Direito da Fundação Universidade do Tocantins. Pós-graduado em Direito Tributário e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Renan Marcel Bispo de. Extensão do direito à estabilidade provisória da empregada gestante a terceiros e sua incidência no contrato de trabalho por prazo determinado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41581/extensao-do-direito-a-estabilidade-provisoria-da-empregada-gestante-a-terceiros-e-sua-incidencia-no-contrato-de-trabalho-por-prazo-determinado. Acesso em: 23 dez 2024.
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