O artigo 225, § 1º, III, da Constituição Federal estabelece que incumbe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
Nesse sentido, a Lei nº 9.985/2000, ao regulamentar tal dispositivo constitucional, trouxe o conceito legal respectivo, ao definir que se entende por unidade de conservação o “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.
A citada lei traz em seu artigo 7º, ainda, a divisão das unidades de conservação em duas categorias distintas, com características específicas, quais sejam, unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável. Segundo o parágrafo segundo do referido artigo, “o objetivo básico das unidades de uso sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais”.
Constituem o grupo das unidades de conservação de uso sustentável as áreas de proteção ambiental, as áreas de relevante interesse ecológico, as florestas nacionais, as reservas extrativistas, as reservas de fauna, as reservas de desenvolvimento sustentável e as reservas particulares do patrimônio natural (artigo 14 da Lei nº 9.985/2000).
Em algumas dessas unidades, admite-se a permanência das populações tradicionais ali residentes. É o caso, por exemplo, das áreas de proteção ambiental, das áreas de relevante interesse ecológico e especialmente das florestas nacionais, reservas de desenvolvimento sustentável e reservas extrativistas.
Embora a Lei nº 9.985/2000 não traga uma definição do que são populações tradicionais, o Decreto nº 6.040/2007 versa que se entende por povos e comunidades tradicionais os “grupos culturalmente diferenciados, e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Tais populações, contudo, precisam observar o regime jurídico de utilização dos recursos naturais de cada modalidade de unidade.
Partindo de tais premissas, importa destacar que há várias unidades de conservação de uso sustentável onde é possível a prática de manejo florestal sustentável em seus limites.
Diferentemente do que muitos certamente imaginam, as unidades de conservação não constituem espaços intocáveis, onde é vedada qualquer atividade humana. “A leitura do art. 225, CF, demonstra que a proteção é finalística, em que se deva abstrair os excessos (mínimos e máximos). Limita-se a atividade que ponha em risco esse ciclo, mas só até aí. Esse divisor está na diferenciação entre degradação e alteração ambiental”[1].
“Quando realizada de maneira sustentável, a exploraçãoflorestal contribui para promover a conservaçãodos recursos naturais explorados. Com aaprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas(Lei 11.284) em 2006, o país está experimentandoa implantação de um modelo de exploraçãosustentável de produtos florestais madeireiros naAmazônia que inclui as unidades de conservaçãocompatíveis com a atividade”[2].
O manejo, portanto, aí inserido o manejo florestal, configura-se como um procedimento que, embora configure uma intervenção no meio ambiente, inquestionavelmente assegura a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas, se mostrando extremamente benéfico, sob vários aspectos. Através dele, é possível obter benefícios econômicos, sociais e ambientais sem que haja desrespeito os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo
Ciente de tais benefícios, a propósito, é que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia federal responsável pela gestão das unidades de conservação federais, possui Instrução Normativa a regulamentar o procedimento para aprovação de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) comunitário em Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Florestas Nacionais (IN ICMBio nº 16/2011). Trata-se, aí, de caso de manejo florestal comunitário, que o ICMBio tem interesse em fomentar, com o objetivo de desenvolver atividades econômicas sustentáveis que possibilitem a melhoria da qualidade de vida da população tradicional da unidade – essa, inclusive, é uma das diretrizes previstas na Instrução Normativa – evitando que promovam uma exploração predatória, desconforme com os objetivos da UC.
De fato, o manejo florestal sustentável possui duas facetas positivas, pois se perfaz como um importantíssimo instrumento de conservação e desenvolvimento local. Ao tempo em que conserva a floresta, promove o desenvolvimento socioeconômico das populações tradicionais da unidade.
De um lado, a qualidade de vida das populações tradicionais residentes na unidade melhora, porque através dele permanece-lhes garantida a utilização dos recursos naturais como forma de prover sua subsistência. Um detalhe, entretanto, faz a diferença:as pessoas passam a usar seus conhecimentos e mão-de-obra não mais apenas em proveito próprio, mas também da floresta. Há emprego, renda e,concomitantemente, respeito aos usos dos recursos naturais permitidos pela unidade. As pessoas passam a entender que a unidade de conservação não veio prejudicar o seu modus vivendi, mas sim agregar-lhe valor.
A floresta se mantém de pé e, em contrapartida, a população dela vive e retira seu sustento. Ademais, enxergando a unidade como algo positivo, o que se vê é que as populações tradicionais, ao invés de contribuírem para o desmatamento da unidade, dela retirando produto florestal sem manejo para vender no mercado ilegal,protegem-na da intervenção de terceiros.
Apenas para se ter uma ideia do imenso potencial que possui o manejo florestal sustentável em uma unidade de conservação de uso sustentável, convém citar que, em estudo coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e o Ministério do Meio Ambiente, colheu-se que “somente a produção de madeira em tora nas Florestas Nacionais e Estaduais de Amazônia, oriundas de áreas manejadas segundo o modelo de concessão florestal, tem potencial de gerar, anualmente, entre R$ 1,2 bilhão a R$ 2,2 bilhões, mais do que toda a madeira nativa atualmente extraída no país”[3].
É preciso, no entanto, incentivar cada vez mais essa prática e conscientizar a sociedade e o Poder Público da importância, não só econômica, do uso sustentável de unidades de conservação. Em termos de promoção de desenvolvimento social e de proteção ambiental, os indicadores são fantásticos.
Consoante recentemente veiculou a revista Época, em matéria sobre unidades de conservação, “é comum o pensamento de que investimentos feitos em conservação no Brasil não trazem qualquer benefício econômico para a sociedade. Ou ainda, que a política de criação de unidades de conservação representa um entrave ao desenvolvimento, visto que atividades produtivas são incompatíveis com a conservação. Este falso dilema demonstra bem a dificuldade que diversos setores da sociedade, sobretudo aqueles com maior influência sobre os tomadores de decisão, têm de capturar o papel e a importância das unidades de conservação como promotoras de desenvolvimento econômico e bem-estar social”[4].
Nesse sentido, é importante promover capacitações e extensão rural, para aperfeiçoar e difundir as práticas do manejo florestal. “Além do uso de novos fatores de produção propiciados pelo progresso tecnológico, sabe-se que educação formal e extensão rural são capazes de influenciar a produtividade, por intermédio da aceleração do processo de adoção de novas tecnologias, da habilitação da mão-de-obra e da capacitação gerencial dos agricultores”[5].
É o que tem ocorrido, por exemplo, na Floresta Nacional do Tapajós, no oeste do Pará, onde, com o louvável incentivo e empenho do órgão ambiental (ICMBio) e seus gestores, foi criada uma cooperativa integrada pela população tradicional da unidade, que atua com manejo florestal madeireiro comunitário desde 2005 (conta com movelaria, marchetaria, etc.). Além disso, desde 2008, a cooperativa vem também promovendo o manejo florestal de uso múltiplo (confecção de bolsas de couro ecológico, biojóias, óleos vegetais, etc.), com o objetivo de melhorar as condições de vida das populações tradicionais da unidade.[6]
A efetiva implementação de uma unidade de conservação, portanto, vai muito além da sua mera criação por lei, a qual parece ser “a parte mais fácil do plano de ação. Afinal, para criá-las, basta um ato administrativo”[7]. É necessário muito mais que isso, e o manejo florestal sustentável parece ser uma importante ferramenta para que isso realmente se concretize, pois, de fato, “o aumento de cuidados para com o meio ambiente não se conseguirá por meio de legislação, mas pelo investimento em educação e atuação que, inclusive, é a tônica do art. 225, VI, da CF”[8].
REFERÊNCIAS:
FIORILLO, Celso Antônio. Curso de direito ambiental brasileiro. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de direito ambiental. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2006.
Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: Sumário Executivo / Rodrigo Medeiros, Carlos Eduardo Frickmann Young, Helena Boniatti Pavese & Fábio França Silva Araújo; Editores. – Brasília: UNEP-WCMC, 2011.
Reportagem jornalística internet – Revista Época. Disponível em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/10/por-que-unidades-de-conservacao-bgeram-prosperidadeb.html. Acesso em 29 out. 2014.
VICENTE, José; ANEFALOS, Lilian; CASER, Denise. Influência de capital humano, insumos modernos e recursos naturais na produtividade agrícola. In: Região e espaço no desenvolvimento agrícola brasileiro (organizadores: HELFAND, Steven; REZENDE, Gervásio Castro de), Rio de Janeiro: IPEA, 2003.
[1] MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de direito ambiental. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 43.
[2]Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: SumárioExecutivo / Rodrigo Medeiros, Carlos Eduardo Frickmann Young, Helena Boniatti Pavese& Fábio França Silva Araújo; Editores. – Brasília: UNEP-WCMC, 2011, p.15.
[3]Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: SumárioExecutivo / Rodrigo Medeiros, Carlos Eduardo Frickmann Young, Helena Boniatti Pavese& Fábio França Silva Araújo; Editores. – Brasília: UNEP-WCMC, 2011, p. 7.
[4]Disponível em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/10/por-que-unidades-de-conservacao-bgeram-prosperidadeb.html. Acesso em 29 out. 2014.
[5]VICENTE, José; ANEFALOS, Lilian; CASER, Denise. Influência de capital humano, insumos modernos e recursos naturais na produtividade agrícola. In: Região e espaço no desenvolvimento agrícola brasileiro (organizadores: HELFAND, Steven; REZENDE, GervásioCastro de), Rio de Janeiro: IPEA, 2003, p. 266.
[6] Dados colhidos in loco, em visita à unidade de conservação em março/2014.
[7]FIORILLO, Celso Antônio. Curso de direito ambiental brasileiro. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 153
[8] MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de direito ambiental. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 45.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Larissa Suassuna Carvalho. Manejo florestal sustentável em unidades de conservação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41586/manejo-florestal-sustentavel-em-unidades-de-conservacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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