RESUMO: Diante da atual conjuntura dos estabelecimentos penais, as mortes de detentos são noticiadas frequentemente. Entretanto, pouco se questiona sobre a responsabilização do Poder Público nesses acontecimentos. O presente trabalho pretende abordar a responsabilidade civil do Estado brasileiro, no que tange à obrigação de reparar danos causados aos encarcerados no caso de morte nos estabelecimentos prisionais. Delimita-se o campo a ser estudado à identificação de hipóteses específicas de responsabilidade do Estado na morte do cativo. Nessa abordagem são comparados os posicionamentos da doutrina e da jurisprudência de modo a apresentar os diferentes enquadramentos no que concerne a constituição do dever de indenizar imputável ao Estado. Ao final, por meio de coleta de dados, revelam-se exemplificativamente casos de mortes ocorridas nos últimos anos no principal estabelecimento penal da cidade. Em que pese às divergências, busca-se afirmar a inclinação de que a custódia de indivíduos é condição satisfatória para concluir pela responsabilidade objetiva do Estado na morte dos encarcerados, com supedâneo teórico e jurisprudencial.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Público. Responsabilidade civil do Estado. Morte nos estabelecimentos prisionais. Custódia de indivíduos. Responsabilidade objetiva.
INTRODUÇÃO
O Estado responde pelos danos praticados pelos seus agentes públicos a particulares, em decorrência da função administrativa.
De semelhante maneira ocorre em relação à responsabilidade civil do Estado em decorrência da morte de presidiários, âmbito do qual se emergem posicionamentos diversos e que, por conseguinte, apresentam variáveis soluções. Este trabalho tem por objetivo realizar algumas considerações sobre esse tema, apontando algumas linhas de raciocínio que servirão às discussões que ainda poderão se suceder, sobretudo no caso concreto. Dessa forma, se ilustrará distinções entre as diversas situações possíveis de se auferir ao ente Público o dever de reparação decorrente da morte de seus custodiados, como as decorrentes da prática de crime comissivo por parte do agente, ou nas situações de omissão estatal, de modo a apresentar entendimentos diversos no que envolve o dever de indenizar inerente ao ente estatal.
Explanam-se as situações de homicídio e suicídio cometido pelos próprios presos no interior desses estabelecimentos, expondo as possibilidades de cobrar do Estado a reparação dos danos resultantes. Assim, demonstrar-se-á a necessidade de responsabilização estatal pelos prejuízos que seus agentes causarem ou deixarem de evitar aos indivíduos do sistema penitenciário, com fundamento naquilo que é aceito pela renomada doutrina e pelo ordenamento pátrio. Far-se-á análise jurisprudencial de casos em que resultou morte de preso, sem procurar esgotar a matéria, trazendo à baila as decisões do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais Estaduais selecionados.
Cientes da atual realidade do Sistema Carcerário Brasileiro serão ainda demonstrados danos ocorridos no principal estabelecimento penal local e, de forma concisa, serão enumeradas as possibilidades de responsabilização do Poder Público, baseando-se na anterior análise da doutrina e jurisprudência.
Enfim, será visto que é predominantemente aplicada a previsão constitucional de que a Administração Pública tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros dispensando a parte prejudicada de provar a culpa do Poder Público para que ocorra a reparação, bastando à relação de causalidade entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido. Esse dever decorre do objetivo da Administração Pública de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia.
1 O DEVER DE INDENIZAR DO PODER PÚBLICO PELA MORTE DO PRESO
1.1 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
É notória a precariedade da situação do sistema penitenciário pátrio, não sendo incomum assistir notícias de violações aos direitos individuais dos presos na mídia e perante a Justiça, embora a proteção expressa no texto constitucional, no inciso XLIX de seu artigo 5º pelo qual “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.”
Dentre esses abusos, o mais gravoso é a morte do detento enquanto custodiado pelo Estado, assunto cujo enquadramento na esfera da responsabilidade civil estatal traz várias nuances.
Nota-se que não se fala mais de hipóteses de irresponsabilidade do Estado, acolhendo-se as teorias da culpa do serviço público ou do risco administrativo, dependendo da situação. Para a análise específica da matéria proposta, é importante elucidar que a responsabilidade civil estatal pela morte de detentos será considerada a partir dos fatos nos quais o óbito resulta da prática de crimes nos estabelecimentos prisionais, mas também nas ocasiões de suicídio pelos próprios presos. Dessa forma, analisa-se a responsabilidade civil nos casos de morte de presos e suicídios, interessando notadamente, a quem atribuí-la e como se dá tal imputação.
De início, pode-se afirmar que “três são as hipóteses ensejadoras de responsabilização da administração, por ação, quando se exige responsabilização objetiva, por omissão, em que se exige, majoritariamente, a responsabilização subjetiva e por último, por danos dependentes de situação produzida pelo Estado diretamente propiciatória, que se equipara à conduta comissiva da administração” (MELLO, 2001).
Em linhas gerais costuma-se atribuir, no caso de crime comissivo perpetrado por agentes públicos contra o preso, a responsabilização baseada na teoria objetiva, pelo risco administrativo, com escopo no, já mencionado, artigo 37, §6º da Constituição Federal. Entretanto, surgem de maneira mais intrigante a hipótese em que presidiários, ou não, população, ou qualquer indivíduo em posição análoga, leve ao óbito um custodiado pelo Estado. Caso o ato seja ilícito, diz-se preliminarmente que a responsabilização estatal é subjetiva, pois provém da omissão do ente público na garantia de segurança e da incolumidade dos restritos de liberdade por seu direito punitivo. Isto porque, seria aplicável a teoria da falta do serviço quando da omissão estatal.
Ocorre que a doutrina, em relação à conduta omissiva da Administração Pública, divide-se na defesa da teoria da responsabilidade subjetiva de um lado, e do outro no apoio da teoria da responsabilidade objetiva. Argumentando que o art. 37, 6º da Constituição Federal abrange os atos comissivos, e não os omissivos, há quem afirme que estes últimos condicionam apenas o evento danoso. Enquanto na outra posição defende-se que causa, nas obrigações jurídicas, significa todo fenômeno capaz de produzir um efeito jurídico pelo qual se tem o direito de exigir uma prestação de dar, de fazer ou não fazer, concluindo que a omissão pode ser causa e não condição.
Todavia, como tratado no capítulo anterior, prefere-se o entendimento de que se aplicaria a teoria objetiva, visto que, em verdade, o dano não se origina da omissão estatal, mas sim da prática de ato comissivo, já que o Estado, ao efetuar a prisão de determinado indivíduo, gera a situação que propiciam a emergência do dano no interior do cárcere.
A situação referida é a guarda compulsória, pelo Estado, de pessoas retiradas do convívio social, situação que apresenta risco intrínseco, pelo qual o Poder Público, como titular da violência legítima, deve responder de forma objetiva. À exemplo, quando se permite a entrada, no presídio, de instrumentos que possam ser utilizados como armas, na falha de vigilância e ou na inércia da segurança que toleram o ataque letal de um ou vários presos contra outros e nada fazem para abrandar a situação e, também, na disponibilidade, ainda que involuntária, no interior de estabelecimento prisional, de material com potencial uso bélico, como fios e ferramentas de construção.
Além dos casos de conduta danosa positiva do Estado e daqueles em que ocorre omissão, um evento alheio ao Estado causa um dano que o Poder Público tinha o dever de evitar, consubstanciando-se a teoria da falta do serviço, existem outras situações em que o dano também não é produzido pela atuação estatal, porém, é por atividade dele que nasce a situação propiciatória do dano, porque sujeitou alguém a risco. Ocorre, que a partir da detenção do indivíduo, este é posto sob a guarda e responsabilidade das autoridades estatais, as quais se obrigam pelas medidas que tendem à preservação de sua integridade corporal, protegendo-o de eventuais violências que possam ser contra ele praticadas, seja da parte dos próprios agentes públicos, da parte de outros detentos, seja, igualmente, da parte de terceiros.
Nessas hipóteses, pode-se afirmar que não há ensejo direto e imediato do dano por parte da Administração Pública, mas sua conduta ativa é decisiva, no limite de causação. Assim sustenta-se que o Estado, ao punir certas condutas consideradas intoleráveis determinando a privação de liberdade, suscita para si o dever de guarda e incolumidade, bastante defendido pela previsão constitucional do inciso XLIX do artigo 5º, razão pela qual terá responsabilidade dos danos causados, prescindindo de debate a respeito da comprovação ou não de negligência, imprudência, imperícia ou dolo.
Assim, o fato de um indivíduo estar preso produz o dever de guarda e a plena observância a essa obrigação constitucional, sendo o risco inerente à atividade fator decisivo da responsabilidade do Estado pelos danos resultantes. Em virtude de a sociedade necessitar destes estabelecimentos, instituídos em proveito da coletividade, o ideal é que ninguém em particular sofra com os danos eventualmente causados pela atividade de custódia estatal. Logo, os danos que decorrerem desta situação de risco e em razão da proximidade de tais locais ensejarão a responsabilidade objetiva do Estado.
A respeito da responsabilização do Estado pela morte de presidiários, decorrente de suicídio em estabelecimento prisional, não obstante aspectos penais e sociológicos a respeito, verifica-se a procura do reconhecimento da responsabilidade da Administração pela sua sucessão. Ciente da realidade do sistema carcerário pátrio, inicialmente, ressalta-se que em relação aos suicídios involuntários, casos em que o objetivo consiste na ocultação de homicídios sob o pretexto de a vítima ter posto fim a própria vida, deverão ser tratados de acordo com os preceitos apresentados anteriormente.
No suicídio propriamente dito, em razão de sua prática afetar o próprio nexo de causalidade, entende-se majoritariamente, que a solução nem chega a gerar controvérsia sobre a aplicação da teoria objetiva ou subjetiva. Ocorre que, na hipótese ordinária de suicídio, não se constataria relação entre sua causação e a conduta do Estado, pois decorreria unicamente da vontade do autor. Portanto, a simples consumação da custódia prisional, seria insuficiente para gerar o nexo causal que resultaria no suicídio, ao menos no que tange o homem médio, com capacidade de discernimento.
Por outro lado, a responsabilidade objetiva por danos oriundos de coisas ou pessoas perigosas sob a guarda do Estado aplica-se, até mesmo, às outras pessoas que se achem sob tal guarda, como na ocasião em que um detento fere outro, o Estado responde objetivamente, pois cada preso está exposto a uma situação de risco inerente ao ambiente em que se encontram (MELLO, 2005).
É certo, no entanto, que a teoria da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, admitindo a atenuação ou a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias, como o caso fortuito e a força maior, ou que evidenciam a ocorrência de culpa atribuível à própria vítima. Nesse sentido, acrescenta o autor que se um raio vier a matar um dos detentos a responsabilidade desloca-se para o campo da culpa administrativa, deixando de ser objetiva, por inexistir conexão lógica entre o evento raio e a situação de risco vivida pelo desafortunado. A responsabilidade ocorrerá ficando provado que não existiam instalações capazes de evitar o evento, ou foram mal planejadas ou encontravam-se em mal estado de conservação, caso de responsabilidade subjetiva, ainda que com peculiaridades que a diferenciam da culpa civil comum.
Com base na própria argumentação do autor, entende-se que há caso em que não se deve aplicar a responsabilidade objetiva no caso de suicídio de preso, derivada de situação propiciatória criada pelo Estado, pois não existe liame lógico entre o evento e a situação de risco vivida pelo recluso. Percebe-se que há situações em que o suicídio caracteriza-se, como típico episódio de culpa exclusiva da vítima. Assim, se houve culpa por parte da vítima, gerou o evento danoso por ato exclusivo seu, inexistindo a relação causal capaz de gerar a obrigação de reparar. Como ocorreria com a hipótese de responsabilização objetiva do Estado com teoria do risco administrativo na qual o suicídio funcionaria como excludente de responsabilidade, afastando em qualquer caso, a responsabilidade do Estado.
Todavia, em condições peculiares, a atuação da Administração Pública se vincula diretamente aos acontecimentos que se encerra na ocorrência do suicídio. Ocorre quando a administração, por meio de seus agentes, avista casos de preso que apresente distúrbio psiquiátrico, faça uso controlado de medicamento, seja usuário de entorpecentes, ou, simplesmente, manifeste comportamento que necessite de providências cabíveis durante a sua custódia, caso contrário acabe por resultar em suicídio. Assim, mostra-se imprescindível a demonstração da falta do serviço, como bem analisa Cahali (2007, p. 404-405):
Com efeito, aceita-se que o Estado deve ressarcir o dano resultante de suicídio de preso recolhido ao xadrez de delegacia de polícia cujo estado físico e mental inspirava cuidados e assistência médico-hospitalar; [...] pois as condições pessoais do detento fariam presumir a necessidade de uma vigilância efetiva sobre o mesmo a fim de prevenir a prática do ato tresloucado.Mas, se o preso agiu por ele próprio, enforcando-se, sem que o preposto do Estado tivesse concorrido, sequer por negligência, para o resultado letal, não há cogitar-se de responsabilidade civil do Poder Público.
Nesse caso, as pessoas recolhidas às prisões ou em quaisquer recintos sob a tutela do Estado teriam o direito subjetivo público à proteção dos órgãos públicos, cujo poder de polícia se exercerá para resguardá-las contra qualquer tipo de agressão.
Conclui-se que sendo caso de responsabilidade objetiva ou subjetiva, somente o caso concreto dirá se o Estado deve ou não responder pelo evento danoso, havendo ou não culpa por parte da vítima.
1.2 ENTENDIMENTOS DA JURISPRUDÊNCIA
Quanto às posições dos Tribunais, ao longo dos anos e nas diversas regiões, inúmeras e diferenciadas foram as decisões proferidas a respeito da responsabilidade do Estado na morte de preso. Pretende-se abordar uma visão atual das deliberações dos referidos órgãos judiciais quanto ao assunto, discute-se o entendimento dos principais tribunais.
Inicialmente, avaliando-se as sentenças do Supremo Tribunal Federal sobre homicídios de detentos cometidos no interior de estabelecimentos prisionais, pode-se afirmar que predomina a aplicação da teoria da responsabilidade estatal objetiva, senão vejamos o que proferiu recentemente o Ministro Dias Toffoli no Recurso Extraordinário nº 590939:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO AJUIZADA PELA GENITORA DA VÍTIMA MENOR DE IDADE FALECIDA EM DELEGACIA POLICIAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL E OBJETIVA DO ESTADO – ART. 37, § 6º DA CF/88. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA POLICIAL MILITAR – DIREITO DE REGRESSO. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS PARA MANTER A R. DO JUÍZO MONOCRÁTICO QUANDO A FIXAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS – CONDENADO O ESTADO DO AMAZONAS AO PAGAMENTO DA PENSÃO MENSAL DE UM SALÁRIO MÍNIMO MENSAL, ATÉ A DATA EM QUE A VÍTIMA ALCANÇARIA A PROVÁVEL IDADE DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. CONDENAÇÃO EM QUANTUM RAZOÁVEIS DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIO ADVOCATÍCIOS EM 10% (DEZ POR CENTO). RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DE DENUNCIAÇÃO À LIDE. MANTIDO OS DEMAIS TERMOS DA R. DECISÃO DE 1º GRAU” (fl. 255). [...] Não merece prosperar a irresignação, uma vez que a jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, atraindo então a responsabilidade civil objetiva, razão pela qual é devida a indenização por danos morais e materiais decorrentes da morte do detento.Grifei)
Percebe-se assim que a Corte do Supremo já possui entendimento consolidado no sentido de que o Estado tem o deve zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, aplicando-se a teoria da responsabilidade civil objetiva, com fundamento no artigo 37, § 6º da Constituição Federativa.
Nesse caso prevalece a concepção de que o Poder Público deve suportar o risco natural proveniente dessas atividades de guarda, ou seja, assume a responsabilidade por risco administrativo. Nesse mesmo sentido, em decisão que reflete brilhantemente o que se almeja defender, o Ministro Joaquim Barbosa no Agravo de Instrumento nº 706025:
Decisão: Trata-se de agravo de instrumento de decisão que não admitiu recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima que condenara o Estado a indenizar os irmãos de detento morto nas dependências de penitenciária agrícola. Nas razões do recurso extraordinário, o ente público recorrente alega violação do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição. É o relatório. Decido. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, em caso de morte de detento sob custódia do estado, é devida a condenação imposta. A responsabilidade de reparar os danos decorre da violação do dever de guarda, dado que o estado não teria tomado todas as medidas necessárias para impedir o homicídio.Nesse sentido, confiram-se: “Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RE 272.839, rel. min.Gilmar Mendes, DJ 08.04.2005) “Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. [...] Do exposto, nego seguimento ao presente agravo. Publique-se. Brasília, 13 de abril de 2012.Ministro Joaquim Barbosa Relator. (Grifei)
Percebe-se que o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, da aplicação da responsabilidade objetiva estatal, seja por ação ou omissão, exclui a necessidade do elemento subjetivo, configurando-se o nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda previsto no artigo 5º, inciso XLX da Carta Magna.
A responsabilização subjetiva atribuída ao Estado no caso de omissão, a qual não se pretende apoiar, exigi para sua configuração a presença dos elementos dolo e culpa, sendo afastada pelo Tribunal Supremo, que cobra do ente Público apenas as medidas necessárias para impedir o homicídio, como decidiu o Ministro Gilmar Mendes em Agravo de Instrumento nº 694179:
Decisão: Trata-se de agravo de instrumento contra inadmissibilidade de recurso extraordinário que, firme na alínea “a” do permissivo constitucional, impugna acórdão da Oitava Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,no que interessa, assim do: [...] (fl. 100). Alega-se, no apelo extremo, violação do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Dessa forma, em suma, aduz-se: “Os autores não lograram demonstrar liame de causalidade entre o ato ou a omissão administrativa e o evento danoso, destacando-se que este decorreu de causas alheias a ato (s) ou omissão (ões) administrativa, ressaltando-se, ainda, que, quando se trata de omissão, a responsabilidade da administração há de ser sempre considerada sob seu aspecto subjetivo, exigindo, destarte, a existência de dolo ou culpa, requisitos que não restaram comprovados nos autos” (fl. 118). Decido. Razão não assiste ao agravante. Isso porque a pretensão deduzida no recurso extraordinário obstado, além de reclamar o prévio revolvimento de aspectos probatórios da causa, também se embasa em tese contrária a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Federal. Com efeito, o reexame da questão suscitada esbarra no óbice do Enunciado 279 da Súmula/STF, sendo certo, ainda, que o acórdão recorrido está de acordo com a diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte sobre o tema. Nesse sentido, entre outros, confiram-se os seguintes precedentes: AI-AgR 577.908, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 21.11.2008; RE 215.981, Rel. Min. Néria da Silveira, Segunda Turma, DJ 31.5.2002; RE- AgR 418.566, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 28.3.2008. Este último foi assim ementado: “Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Morte de preso no interior de estabelecimento prisional. 3. Indenização por danos morais e materiais. Cabimento. 4. Responsabilidade objetiva do Estado. Art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Teoria do risco administrativo. Missão do Estado de zelar pela integridade física do preso. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento (arts. 21, do RISTF e 557 do CPC). Publique-se. Brasília, 30 de abril de 2012.Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente. (Grifei)
Dessa forma, percebe-se que o entendimento de que há necessidade de demonstrar a existência de dolo ou culpa, quando se trata de omissão, requisitos da responsabilidade da administração considerada sob o aspecto subjetivo, é contrária a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal. Preconiza majoritariamente que o Estado responde objetivamente, em razão de ser sua missão zelar pela integridade física do preso.
Quanto ao suicídio praticado por encarcerado, as decisões da Suprema Corte não divergem, senão vejamos como julgou o Ministro Gilmar Mendes em Agravo contra decisão em Recurso Extraordinário nº 700927:
Decisão: Trata-se de agravo contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário que impugna acórdão assim do: “DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MORTE DE PRESO DENTRO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. VALOR MANTIDO. [...] Inicialmente, verifico que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte que firmou o entendimento de que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, atraindo então a responsabilidade civil objetiva, em razão de sua conduta omissiva, motivo pelo qual é devida a indenização decorrente da morte do detento, ainda que em caso de suicídio. Nesse sentido: [...] “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PRESO SOB CUSTÓDIA DO ESTADO. CONDUTA OMISSIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO”. (RE -AgR 594.902/DF, Primeira Turma, Rel.Min. Cármen Lúcia, DJe 2.12.10) (grifei)“[...] Nesse desiderato, cabe enfatizar, que é dever do Estado zelar pela integridade física dos detentos, conforme dispõe a Constituição Federal de 88, Título II – DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, art. 5º, inciso XLIX, afigurando-se,portanto, fora de dúvida, que a integridade física dos detentos é responsabilidade do Estado, que, para tanto, deve manter vigilância constante e eficiente, além de tratamento adequado à saúde física e mental dos mesmos. Assim, tem-se que configura culpa in vigilando do Estado, o fato da Delegacia de Polícia - como de qualquer estabelecimento prisional – descurar-se dos cuidados necessários à preservação da incolumidade física dos presos, permitindo que fatalidades tal como a verificada, no caso vertente, aconteçam. (Trecho decisão monocrática do RE 566.040, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 5.12.2011) (grifei) [...] (Grifei)
Nota-se que mesmo nos casos de suicídio de detentos o Estado tem o dever de indenizar, tendo em vista a obrigação de zelar pela integridade física dos mesmos, devendo manter vigilância e tratamento adequado à saúde do preso. Assim, em casos de descuido da Administração Pública à preservação da incolumidade física dos mesmos, ocasionando suicídio, aplica-se a responsabilidade objetiva. No caso supra, fala-se na culpa in vigilando que consiste naquela que decorre da falta de atenção com o procedimento, cujo ato ilícito deve ser indenizado. É modalidade de culpa ocasionada pela falta de diligência, atenção, ou quaisquer outros atos de segurança do agente, no cumprimento do dever. Apesar de mencionar o elemento subjetivo, trata-se nitidamente de responsabilidade objetiva do ente Público, referindo-se a dolo ou culpa apenas em relação ao servidor estatal.
Nesse diapasão, sem divergir com o posicionamento anterior, ou seja, baseando-se na teoria da responsabilidade objetiva, há julgado no sentido de excluir a responsabilidade estatal em virtude da culpa exclusiva da vítima. Nesse caso a responsabilidade objetiva do Estado, embora exija tão somente a demonstração da existência de dano causado por ato ou omissão de agente público estatal e o nexo causal entre um e outro, pode ser afastada quando comprovada a culpa exclusiva da vítima, como decidiu o Ministro Dias Toffoli em Agravo de Instrumento nº 819805:
Decisão: Vistos. Estado de São Paulo interpõe agravo de instrumento contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário assentado em contrariedade aos artigos 5º, inciso XLIX, e 37, § 6º, da Constituição Federal. Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão da Décima Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim do: [...]Nesse sentido, anote-se: [...]“RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO -NÃO-COMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL - RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF)- RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. [...] - A comprovação da relação de causalidade - qualquer que seja a teoria que lhe dê suporte doutrinário (teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) - revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido. (RE nº 120.924/SP, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 27/8/93). [...] Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Publique-se. Brasília, 26 de junho de 2012.Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente. (Grifei)
Nessa decisão, o Supremo Tribunal novamente se inclina no sentido de aplicação da responsabilidade objetiva, decidindo a respeito dos casos de morte de detentos no interior dos estabelecimentos prisionais, seja por suicídio, por agentes estatais ou terceiros, pela a aplicação da responsabilidade objetiva, sendo necessária apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta da Administração Pública e o fato danoso, observada as excludentes e atenuantes da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima.
Percebe-se que vige como regra geral a responsabilidade objetiva do Estado fundada na teoria do risco administrativo, modalidade em que a culpa exclusiva da vítima evita que se forme o nexo de causalidade, excluindo a responsabilidade do Estado. Assim se a vítima provocou o dano então não há que se falar em responsabilidade da Administração Pública.
Por outro lado, ao se declarar que a ação ou omissão era adequada a ocasionar o dano, então, este é objetivamente imputável ao agente. O juízo de probabilidades ou previsibilidade do resultado é realizado pelo juiz em atenção ao que era do conhecimento do agente, tomando como exemplo o tipo do homem médio. Logo, em igualdade de condições deve-se estabelecer maior vigilância e diligência daquele de cujos atos ou omissões possam causar dano, não só a si mesmo, como também a outras pessoas. Nesse sentido, não há falar em igualdade de condições entre o Estado e um preso em situação especial, como decidiu o Ministro Ayres Britto no Recurso Extraordinário nº 566040:
Vistos etc. Cuida-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Acordão assim do (fls. 208/209): “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SUICÍDIO DE PESSOA RECOLHIDA À CADEIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FATO LESIVO DEVIDAMENTE COMPROVADO. DEVER DO ESTADO EM INDENIZAR. I O Estado deve ressarcir o dano resultante do suicídio de preso recolhido à prisão em Delegacia de Polícia, cujo estado físico e mental inspirava cuidados e assistência médico-hospitalar, porquanto a morte do detento, em razão de comprovada omissão do Estado, configura hipótese de responsabilidade civil por danos à pessoa. [...] APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” [...] De sorte que, sendo o Estado responsável pela guarda dos detentos, é evidente que a falha de serviço de vigilância está diretamente relacionada à ocorrência do evento lesivo, restando clara a existência do nexo causal entre o mau funcionamento do serviço estatal e a morte do filho da autora. [...] Assim, frente ao art. 557, caput, do CPC, e ao art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 05 de dezembro de 2011. Ministro AYRES BRITTO Relator. (Grifei)
Considerando a devida importância, vale também mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no que tange à responsabilidade do Estado pela morte de preso. Vejamos o que decidiu o Ministro Mauro Campbell Marques em 15 de outubro de 2013:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PRESO. ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ reconhece a responsabilidade objetiva do Estado nos casos de morte de preso custodiado em unidade prisional. 2. Para que se examine a alegativa de que não há nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano, na hipótese, faz-se necessário o revolvimento dos elementos fático-probatórios da demanda, o que não é permitido no âmbito do apelo especial. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. A redução do quantum indenizatório a título de danos morais apenas é possível, caso verificada a exorbitância do valor fixado pela Corte de origem, o que não ocorreu no caso. Precedente: AgRg no REsp 1325255/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 17/6/2013. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (Grifei)
Percebe-se que na linha do que firmou a Suprema Corte, o Superior Tribunal de Justiça tem seguido o entendimento de que a Administração Pública deve responder objetivamente, nos casos de morte de preso custodiado em unidade prisional. Da mesma forma se posiciona em relação ao suicídio de presos, como se vê na decisão do Ministro Mauro Campbell em 15 de agosto de 2013:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ACLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DETENTO MORTO APÓS SER RECOLHIDO AO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. OMISSÃO RECONHECIDA. EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. [...] é de se ressaltar que, no caso em concreto, a relação que deve ser estabelecida é entre o fato de ele estar preso sob a custódia do Estado. Conforme muito bem ressaltado pela Exmo. Senhor Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI em seu voto relativo ao recurso especial nº 847.687/GO, "o Estado tem o dever de proteger os detentos, inclusive contra si mesmos. Não se justifica que tenha tido acesso a meios aptos a praticar um atentado contra sua própria vida. Os estabelecimentos carcerários são, de modo geral, feitos para impedir esse tipo de evento. Se o Estado não consegue impedir o evento, ele é o responsável".(REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007). Precedentes do STJ e do STF. 3. Portanto, no caso em concreto, embora afastada pelo Tribunal a quo, é inegável a presença do nexo de causalidade a autorizar a responsabilização civil do ente público pela morte do detento em virtude de suicídio. [...] (Grifei)
Nessa decisão percebe-se que, diferente do que o Supremo Tribunal vem decidindo, é admitida a presença de nexo de causalidade simplesmente pelo fato do Estado ter a custódia do indivíduo, ligando-se à ocorrência do suicídio do preso. Trata-se o Estado como responsável por impedir esses resultados danosos, afastando-se a culpa exclusiva da vítima. Entendimento com o qual se concorda em partes visto que esse nexo só preexistiria caso a vítima já apresentasse comportamento tendente ao suicídio. Em caso contrário, o nexo deve ser analisado em relação à conduta do Estado e o dano causado.
Cabe ainda mencionar algumas decisões de Tribunais de Justiça dos Estados. Exemplo disso, decidiu o Desembargador Ricardo de Oliveira em Reexame nº 1025779320098170001:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MORTE DE DETENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MATERIAL. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL. PREJUDICADO O APELO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Conforme entendimento que vem se firmando no STJ e STF, a responsabilidade civil do Estado por morte de preso sob sua custódia é objetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. 2. Patente o nexo de causalidade apto a fundamentar responsabilidade civil objetiva do Estado em decorrência da morte do genitor dos apelados no interior do presídio em que cumpria a sua pena. 3. Descumprimento do comando constitucional que assegura aos presos a integridade física e moral (art. 5º, XLIX), impondo ao Estado o dever de vigilância constante e eficiente dos seus detentos. [...]
Nessa mesma acepção, decidiu o Desembargador Samuel Meira Brasil Junior no Agravo de Instrumento nº 24079016796:
PROCESSUAL CIVIL. INAPLICABILIDADE. ADC Nº 4. MORTE. DETENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ESTADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A decisão proferida no julgamento da ADC nº 4 aplica-se em casos de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. 2. [...] No que se refere à morte de preso sob custódia do Estado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a responsabilidade civil do ente público é objetiva. (...) (REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007 p. 221).3. Recurso desprovido. ACÓRDAO
Em relação ao suicídio de detento no estabelecimento prisional, vejamos o que decidiu o Desembargador Júlio César Knoll julgando em 03 de julho de 2013:
APELAÇÕES PRINCIPAL E ADESIVA. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INTERNAÇÃO DE PRESO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO. SUICÍDIO. DESÍDIA DO ENTE ESTATAL NA PRESERVAÇÃO DA INCOLUMIDADE FÍSICA DO SEGREGADO. ABALO ANÍMICO (PRESUMÍVEL) E NEXO CAUSAL CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. PREJUÍZO PATRIMONIAL NÃO COMPROVADO. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DA PENSÃO MENSAL VITALÍCIA ALMEJADA. MANUTENÇÃO DO IMPORTE DA INDENIZAÇÃO MORAL ARBITRADA NA ORIGEM. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. MINORAÇÃO PARA 10% SOBRE O VALOR GLOBAL DA CONDENAÇÃO. COMPENSAÇÃO DA VERBA ADVOCATÍCIA. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 306 DO STJ. DECISÃO HOSTILIZADA REFORMADA EM PARTE. APELO PRINCIPAL E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDOS. RECLAMO ADESIVO DESPROVIDO. 1. Cabe ao Estado promover a vigilância constante e eficiente com o intuito de proteger a vida e a integridade física dos presos sob sua tutela (art. 5º, XLIX, CF/88). Verificada a prática de auto-eliminação por detento no interior do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, após o diagnóstico de psicopatia, é inconteste a responsabilidade do ente público pelos danos que deu causa. [...] (Grifei)
Quanto às decisões dos Tribunais de Justiça pode-se chegar a conclusão que, de forma geral, aplica-se a teoria objetiva, tanto em relação a homicídios de preso, como aos casos de suicídios.
Por fim, cabe mencionar o posicionamento do Tribunal do Ceará quanto à responsabilidade estatal em relação ao preso. Senão vejamos a decisão do Desembargador Juciddo Amaral no Reexame nº 64102502200080600011:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DE PRESO EM UNIDADE PRISIONAL. DEVER DE VIGILÂNCIA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSA. REJEIÇÃO. DANOS MATERIAIS. PRESUNÇÃO DE AUXÍLIO MÚTUO. PENSÃO MENSAL. CABIMENTO. DANOS MORAIS. QUANTUM REDUZIDO. REEXAME E APELO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. A morte ocorreu no interior do Presídio de Morada Nova, devendo o Estado compor a lide, por força do estabelecido no art. 37, § 6º da Constituição Federal. Ademais, o art. 5º, XLIX da CF, assegura aos presos sua integridade física e moral durante o cumprimento da pena [...].
No que tange ao suicídio de detento no estabelecimento prisional, vejamos o que decidiu a Desembargadora Sérgia Mendonça em Reexame nº 35008050200080600011:
ADMINISTRATIVO. MORTE DE PRESO SOB A CUSTÓDIA DO ESTADO. CONDUTA OMISSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRECEDENTES DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPROVAÇÃO DO FATO ADMINISTRATIVO (ASFIXIA MECÂNICA/ENFORCAMENTO) DO DANO (MORTE DA VÍTIMA) E DO NEXO CAUSAL (LIAME QUE UNE A MORTE DA VÍTIMA À FALTA DE SEGURANÇA NO PRESÍDIO). [...]. DANO MATERIAL RJEITADO. FALTA DE PROVA. INEXISTÊNCIA DE FIXAÇÃO EM EXCESSO, EM DISPARIDADE À SITUAÇÃO ECONÔMICA DA GENITORA. RECURSOS APELATÓRIOS CONHECIDOS, MAS NÃO PROVIDOS. 1.A obrigação de indenizar imputada à entidade estatal, por força do art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, assegura ao preso a sua integridade física. A desatenção em dar cumprimento ao preceito constitucional supra citado, que se identifica através de uma conduta negligente e omissiva do Estado na prestação do serviço de segurança dentro do estabelecimento prisional, acarreta, comprovado o dano, na responsabilidade do ente estatal; sendo irrelevante se a morte do preso se deu por suicídio ou não, posto que configurada a culpa in vigilando; ainda mais se o estado mental do preso inspirava cuidados de assistência médico-hospitalar psicológico. 2.No que se refere à morte de preso sob custódia do Estado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a responsabilidade civil do ente público é objetiva [...].
Assim, pode-se auferir que o Tribunal Cearense segue a linha dos demais tribunais, apesar de falar em culpa in vigilando, atribui ao ente estatal a responsabilidade objetiva em relação ao suicídio e homicídios ocorridos com presos no interior dos estabelecimentos prisionais.
2 OS CASOS DE MORTE DE PRESOS NO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO PENAL DE SOBRAL
Trataremos neste capítulo sobre três casos que ocorreram recentemente na Penitenciária Industrial de Regional de Sobral, principal complexo penitenciário localizado na Rodovia Moésio Loiola, no trecho que liga Sobral a Groaíras, inaugurada no ano de 2002, com o fim de inseri-los no contexto da responsabilidade civil estatal.
Cabe apontar inicialmente que as informações a seguir foram colhidas de documentos fornecidos pelo Setor Jurídico desse estabelecimento prisional, no último dia 28 de setembro. Os documentos cedidos variam entre termos de declarações de presos, comunicados de Chefe de Equipe e decisões da Direção em Processos Administrativos. Ressalta-se ainda que a identidade dos detentos foi preservada para segurança dos mesmos e do próprio estabelecimento prisional. Além disso, destaca-se que nenhum dos eventos ocorrido gerou processo judicial indenizatório, o que em geral se deve a falta de conhecimento dos familiares em relação ao direito de reparação ou a descrença em ver seu direito atendido pelo judiciário.
O primeiro episódio ocorrido aos 15 de agosto de 2011, trata-se de possível suicídio. O preso teria efetuado cortes nos pulsos com lâmina de barbear e ao ser tratado na enfermaria foi reconduzido à cela e trancado na posse de pertences como toalha e lençol. O referido foi posteriormente avistado por outro preso que fazia faxina na vivência, com a toalha em volta do pescoço em situação de enforcamento. O detento que o encontrou chamou os agentes, os quais levaram a vítima para ser socorrido ainda com vida, porém vindo a falecer instantes depois.
Através desse relato, percebe-se tratar de nítido descuido por parte dos agentes estatais quando isolaram o preso em cela, com materiais comumente utilizados para cometimento de suicídio. O detento, que já apresentava perfil suicida não permaneceu sob a vigilância necessária, tendo sido deixado em cela isolada, quando se fazia necessário cuidado especial em virtude da recente tentativa de tirar a própria vida. O exame do caso demonstra que a auto-eliminação não basta para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Poder Público. Com efeito, a ocasião de fato que gerou o evento narrado evidencia a configuração dos requisitos primários que determinam o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da entidade estatal.
Como já tratada, a teoria do risco administrativo, revela-se alicerce de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu a responsabilidade civil objetiva estatal, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão. Dessa forma, há casos em que a atuação da Administração Pública se vincula diretamente aos acontecimentos que envolvem a ocorrência do suicídio. Nessa ocorrência, a Administração, por meio de seus agentes, avistara que o preso apresentava comportamento suicida, necessitando de providências que mantivesse a segurança do mesmo, restando demonstrado que o resultado danoso decorreu de conduta omissiva do Estado ao faltar com seu dever de vigilância do detento, configurando a responsabilidade do ente público em arcar com os danos causados.
Resta configurada assim a possibilidade de responsabilizar o Estado, com base na teoria objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, devendo–se provar apenas o liame entre a conduta do ente Público e o dano.
Outro acontecimento no interior da Penitenciária Industrial de Sobral ocorreu no último dia 09 de julho. O episódio envolveu vítima fatal, o qual foi supostamente esfaqueado por dois colegas de cela. O crime foi cometido com objetos artesanais que se encontravam na cela. O ocorrido foi comunicado pelos próprios presos aos agentes penitenciários.
Ocorre que nessa situação, pode-se concluir que o Estado poderia responder pelo dano causado a vítima com base no princípio da responsabilidade objetiva, resultante da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Assim, ante a briga que eclodiu na vivência do referido estabelecimento, tinha o Estado o dever de proteger a incolumidade física dos presos, uns dos atos dos outros. Sua intervenção no episódio era, portanto, de rigor. Ocorrida ofensa à integridade física e morte do detento, é seu dever arcar com a indenização correspondente. Houve nesse caso a omissão por parte dos agentes públicos na tomada de atitude que seria exigível para se evitar o homicídio, visto que a presença de instrumento lesivo dentro das celas não deveria existir, devendo o ente Público arca com sua própria incúria em matéria de política penitenciária, incapaz de desarmar os presos e de fazer revista cuidadosa no detento ou em sua cela.
Por fim, o mais recente caso ocorrido nesse estabelecimento prisional, se deu no último dia 14 de outubro, resultando a morte do preso, vítima de homicídio supostamente por parte de outros dois presos. Da mesma forma do fato anterior, a vítima foi atingida por colegas de cela com a utilização de instrumentos artesanais. Logo em seguida do acontecimento, em vistoria realizada na vivência onde houve o delito, foram encontrados cinco instrumentos artesanais lesivos, chamados de cossocos.
Diante desse fato, é semelhante o entendimento de que se aplica nesse e aos outros casos a Teoria do Risco Administrativo, configurando-se o nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda previsto no artigo 5º, inciso XLX da Constituição Federal. Assim o Estado tem a responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que ausente a culpa dos agentes públicos, conforme o § 6odo artigo 37 da Carta Magna, em vista da obrigação pelas medidas tendentes à preservação da integridade física e mental de seus custodiados.Ficou comprovada a responsabilidade civil do Estado, bem como a responsabilidade de atos praticados pelos agentes das pessoas jurídicas de direito público e privado, em razão de que mesmo que o crime fora praticado por terceiras pessoas, os agentes foram inertes na prevenção da prática com vistorias a fim de se evitar a confecção das armas, bem como da ação ter ocorrido em pleno pátio.
Portanto, o ponto nodal gira em torno da responsabilidade do Estado em relação às pessoas que se encontram sob sua custódia. Cumpre observar que com assento constitucional no art. 37, § 6º, do da Carta Política, o Estado, deve, respeitando os direitos dos administrados, assegurar a integridade física e mental do preso. Neste diapasão, comprovado através do serviço penitenciário e policial a ocorrência de a morte de um preso sob sua custódia, não há como afastar o nexo causal, impondo-se o dever de indenizar.
CONCLUSÃO
A Responsabilidade civil consiste no dever sucessivo de recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Só ocorre a possibilidade de responsabilizar quando houver violação de um dever jurídico e dano. A responsabilidade civil refere-se à aplicação de medidas que para obrigar à reparação do dano causado na moral ou no patrimônio de outrem, em razão de ato danoso.
No panorama da responsabilidade da Administração Pública em face dos casos de morte de presos, restou provado que o Estado não pode deixar de zelar pela integridade física do detento, visto que a privação da liberdade gera dever de reparação de danos que por porventura vierem a ser causados por prática ou a abstenção de atos do ente Público.
Ante o explicitado, firma-se a conclusão no sentido de que a temática da responsabilidade civil do Estado em decorrência da morte de presidiários tem se inclinado predominantemente no sentido da aplicação da responsabilidade objetiva do Estado. Constatamos que a aplicação desta teoria encontra relevantes óbices. Colhidas citações doutrinárias e jurisprudenciais demonstrou-se o posicionamento majoritário no sentido da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, com a qual se concorda, cujo fundamento encontra-se previsto no § 6odo artigo 37 da Constituição Federal, especialmente reconhecendo que a guarda de pessoas é suficiente a amparar a responsabilização objetiva do Estado pela morte dos presidiários. Percebe-se inclusive que é o entendimento do Supremo Tribunal Federal a aplicação da responsabilidade objetiva estatal, seja por ação ou omissão, excluindo a necessidade do elemento subjetivo, quando bastará o nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda previsto no artigo 5º, inciso XLX da Carta Magna.
Na ocorrência de suicídio, pelas mesmas razões, defende-se a responsabilização objetiva, fundada na violação do inciso XLIX do artigo 5º do Diploma Constitucional, com o acréscimo de que, na quebra do nexo de causalidade, havendo como exemplo a culpa exclusiva da vítima, poderá ser afastada a responsabilização estatal.
Vislumbrou-se que o Estado deve arcar com a obrigação de indenizar nos casos em que sua atuação ou omissão redundar em morte de presos ou em suicídio praticado por estes. Percebe-se que, na prática, são indenizáveis mortes em estabelecimentos prisionais, sejam causadas por terceiros ou até mesmo pela vítima, em decorrência do dever de proteção do Estado para com seus administrados, pois ao privar o indivíduo de liberdade, tem o dever de zelar por sua integridade física. Destacando-se que, para restar caracterizada a responsabilidade civil do Estado, é preciso se configurar apenas os requisitos gerais, que são a conduta, o resultado e o nexo de causalidade, haja vista a natureza objetiva dessa responsabilidade estatal, sendo desnecessário falar-se em culpa administrativa, modalidade de responsabilidade subjetiva.
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STF - AI: 706025 RR, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 13/04/2012, Data de Publicação: DJe-081 DIVULG 25/04/2012 PUBLIC 26/04/2012
STF - RE: 590939 AM, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 07/12/2012, Data de Publicação: DJe-023 DIVULG 01/02/2013 PUBLIC 04/02/2013
STJ, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 15/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA
STJ - Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 15/10/2013, T2 - SEGUNDA TURMA
TJ-CE, REEX 64102502200080600011, Relator: Jucid Peixoto do Amaral, Data de Julgamento: 30/05/2012, Sexta Câmara Cível
TJ-CE, REEX 35008050200080600011, Relatora: Sérgia Maria Mendonça Miranda, Data de Registro: 29/03/2011, Sexta Câmara Cível
TJ-ES - AI: 24079016796 ES 24079016796, Relator: Samuel Meira Brasil Junior, Data de Julgamento: 16/06/2009, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/07/2009
TJ-PE - REEX: 1025779320098170001 PE 0102577-93.2009.8.17.0001, Relator: Ricardo de Oliveira Paes Barreto, Data de Julgamento: 08/11/2012, 2ª Câmara de Direito Público, Publicação: 213
TJ-SC, Relator: Júlio César Knoll, Data de Julgamento: 03/07/2013, Quarta Câmara de Direito Público Julgado
Procurador Federal - PGF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Marden de Carvalho. A responsabilidade civil do Estado: morte do preso no sistema prisional brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41607/a-responsabilidade-civil-do-estado-morte-do-preso-no-sistema-prisional-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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