Resumo: O presente artigo trata do direito de regresso da Administração pública em face do agente público que provocou um dano a terceiro, com a finalidade de reaver a quantia que foi condenada a pagar à pessoa que sofreu o dano, com fulcro no §6º do art. 37 da Constituição da República.
1. INTRODUÇÃO
O indivíduo que sofre um dano em virtude de uma conduta praticada por um agente público estatal, no exercício de suas funções, pode pleitear a e reparação pelo dano sofrido perante a entidade pública a qual o agente é vinculado. Contudo, a parte final do §6º do art. 37 da Constituição, garante o direito de regresso da entidade pública em face do agente causador do dano, para reaver a quantia que foi condenada a pagar à vítima.
Nesse contexto, será analisada a abrangência desse dispositivo constitucional e a diferenciação entre a responsabilidade objetiva do Estado perante a vítima e a responsabilidade subjetiva do agente causador do dano perante a Administração pública.
Em seguida, será feita uma breve análise sobre legitimidade passiva do agente na ação ajuizada pela pessoa que sofreu o dano. Posteriormente, será analisada a possibilidade do Estado, ao ser demandado pela vítima, denunciar da lide o agente público.
Por fim, serão abordados aspectos da ação regressiva movida pela Administração em face do agente para ressarcimento do valor que foi condenado a pagar à vítima.
2. ABRANGÊNCIA DO §6º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO
O art. 37, §6º da Constituição da República trata da responsabilidade civil da Administração pública, nos seguintes termos:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Esse dispositivo constitucional supratranscrito aplica-se às entidades com personalidade jurídica de direito público e estende-se às pessoas jurídicas de direito privado delegatárias de serviços públicos.
Além disso, convém ressaltar que essa norma não se restringe aos atos praticados por servidores públicos, alcançando também qualquer pessoa no desempenho de funções estatais, como, por exemplo, os empregados das entidades de direito privado delegatárias de serviços públicos. Esclarecendo a questão, Diógenes Gasparini assim conceitua os agentes públicos:
Agentes públicos são todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade. [1]
3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA x RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO AGENTE CAUSADOR DO DANO
Quando um agente público, no exercício de sua atividade, pratica um ato que causa dano a um particular, surge o dever da Administração Pública de reparar esse dano. Conforme disposto no §6º do art. 37 da Constituição, o Estado tem o dever de indenizar os danos que seus agentes, atuando nessa qualidade, causem a terceiros. Para esse tipo de ato comissivo, foi adotada, como regra, a teoria do risco administrativo, cujo precursor foi o jurista francês Léon Duguit. Essa teoria está baseada na ideia de que a atividade administrativa gera risco de dano para os administrados, cabendo ao Estado a responsabilidade pelos danos eventualmente causados. Esse risco deve ser suportado por todos, já que a atividade do Estado é desenvolvida para todos.
Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, na qual importa apenas a relação de causalidade entre a conduta estatal e o dano sofrido pelo particular, independente de culpa do agente público que provocou o dano.
Por outro lado, o agente público, ao responder perante a Administração com relação à quantia que esta foi condenada a pagar ao particular, submete-se à responsabilidade subjetiva, sendo necessário comprovar o dolo ou culpa.
Destarte, no caso de dano praticado a particular por um agente da Administração pública, esta responderá perante a vítima de forma objetiva, com base na teoria do risco administrativo, ao passo que o agente público responderá em regresso perante a Administração de forma subjetiva, dependendo da comprovação de culpa ou dolo do agente, na modalidade de culpa comum.
4. LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO NA AÇÃO MOVIDA PELO PARTICULAR QUE SOFREU O DANO
Feita a diferenciação entre os tipos de responsabilidade da Administração pública perante o particular e do agente causador do dano perante à Administração, passa-se a analisar se a vítima pode ajuizar ação indenizatória contra o agente, contra o Estado, ou contra ambos. Ou seja, questiona-se a legitimidade passiva do agente causador do dano na ação indenizatória movida pela vítima.
Numa primeira linha de pensamento, alega-se que seria hipótese de litisconsórcio passivo facultativo, cabendo ao demandante optar contra quem quer demandar. Caso opte em ajuizar a ação apenas contra o Estado, não precisará comprovar a culpa, já que a responsabilidade é objetiva. Contudo, caso seja vencedor da demanda, poderá se submeter a sistemática dos precatórios, causando um retardamento no seu ressarcimento. Para os defensores dessa corrente, o §6º do art. 37 da Constituição não impede o ajuizamento da ação em face do agente, mas apenas objetiva assegurar uma maior garantia de ressarcimento por meio do patrimônio público. Desse modo, seria opção da vítima demandar diretamente contra o agente, contra o Estado ou contra ambos, não havendo óbice legal para nenhuma dessas hipóteses.
Em sentido contrário, defende-se que o agente público não seria parte legítima para figurar na ação movida pela vítima do dano, já que a seara adequada para responder pelo seu ato seria a ação regressiva movida pela Administração. Na esteira desse raciocínio, a pessoa que sofre o dano não poderia ajuizar diretamente a ação indenizatória em face do agente público, mas apenas em face da entidade pública a qual ele é vinculado. Nesse sentido, os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:
RESPONSABILIDADE - SEARA PÚBLICA - ATO DE SERVIÇO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA.
Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, inconfundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
(STF - RE: 344133 PE , Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 09/09/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008 EMENT VOL-02341-05 PP-00901)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(STF - RE: 327904 SP , Relator: CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 15/08/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-03 PP-00454 RNDJ v. 8, n. 86, 2007, p. 75-78)
Logo, pela análise dos julgados sobre o tema, verifica-se que há tendência do STF de consolidar o entendimento no sentido de que o agente público causador do dano é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória ajuizada pela vítima, devendo responder apenas em ação regressiva movida pelo Estado.
5. POSSIBILIDADE DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE PELA ADMINISTRAÇÃO EM FACE DO AGENTE CAUSADOR DO DANO
A denunciação da lide, prevista no art. 70, inciso III, do Código de Processo Civil, consiste em trazer estranho ao processo para dispensar a possibilidade de futura ação regressiva autônoma.
Diante disso, surge a dúvida se a Administração pública, ao ser demandada em ação de reparação civil, pode denunciar da lide o agente causador do dano, em face da qual ela possui ação de regresso assegurada pelo §6º do art. 37 da Constituição.
A denunciação da lide constitui uma nova ação dentro do mesmo processo, motivo pelo qual é promovida a citação do denunciado, nos termos do art. 71 do CPC. Desse modo, caso fosse aceita a denunciação da lide pela Administração, haveria uma nova ação no mesmo processo, baseada na responsabilidade subjetiva. Em consequência, seria discutida a culpa ou dolo do agente, matéria irrelevante para a solução da ação do particular em face da Administração, que é fundamentada na responsabilidade objetiva.
Diante disso, caso aceita a denunciação da lide nesta hipótese, haveria nítido prejuízo para o particular que sofreu o dano, já que a apreciação de sua demanda sofreria um atraso desnecessário, em razão da ampliação cognitiva decorrente da necessidade de comprovação da culpa ou dolo do agente. Essa possibilidade atenta contra os princípios da efetividade e da celeridade da prestação jurisdicional.
Por esse motivo, no âmbito federal, o §2º do art. 122 da Lei 8.112/90 estabeleceu que o servidor responderá perante a Fazenda Pública em ação própria de regresso, indicando que este é o caminho correto para o ressarcimento, e não a denunciação da lide: “§ 2o Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.”
Contudo, há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a denunciação da lide não deve ser rejeitada de plano, cabendo a verificação, no caso concreto, se resultará em prejuízo à parte autora. Assim, verificado que a denunciação da lide não acarretará prejuízo à celeridade da marcha processual, poderá ser deferida. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULDADE.
Nas demandas em que se discute a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano é facultativa, cabendo ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à economia e celeridade processuais. Agravo regimental não provido. (STJ , Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 26/11/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA)
6. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O AGENTE PÚBLICO
Como visto no tópico anterior, o instrumento adequado para a Administração pública ou empresa delegatária de serviços públicos buscar o ressarcimento perante o agente causador do dano é a ação de regresso. José Cretella Júnior conceitua esse direito de regresso como:
"...o poder-dever que tem o Estado de exigir do funcionário público, causador de dano ao particular, a repetição da quantia que a Fazenda Pública teve de adiantar à vítima de ação ou omissão, decorrente do mau funcionamento do serviço público, por dolo ou culpa do agente.."[2]
Assim, somente após ter sido condenada a indenizar a vítima é que a Administração poderá ajuizar ação regressiva em face do causador do dano, devendo comprovar o dolo ou culpa.
Em se tratando de uma ação cível, poderá ser estendida aos sucessores do agente, caso este venha a falecer, respeitando-se o limite da herança. É o que estabelece o §3º do art. 122 da Lei 8.112/90:
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
(...)
§ 3o A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida.
Por fim, convém asseverar que a ação de ressarcimento em face do agente causador do dano para ressarcimento ao erário público é imprescritível, conforme estabelecido na parte final do §5º do art. 37 da Constituição:
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Corroborando esse entendimento, o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRATO. SERVIÇOS DE MÃO-DE-OBRA SEM LICITAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CF. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. As ações que visam ao ressarcimento do erário são imprescritíveis (artigo 37, parágrafo 5º, in fine, da CF). Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 712.435-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Dje 12.4.2012).
7. CONCLUSÃO
Por todo exposto, é possível concluir que, no caso de dano praticado a particular por um agente público, a Administração pública ou a delegatária de serviço público responderá perante a vítima de forma objetiva, com base na teoria do risco administrativo. Por outro lado, o agente público responderá em regresso perante a Administração de forma subjetiva, dependendo da comprovação de culpa ou dolo do agente, na modalidade de culpa comum.
Além disso, verifica-se que prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a vítima deve ajuizar a ação reparatória somente em face do Estado, já que a seara adequada para o agente público responder pelo seu ato é uma posterior e eventual ação de regresso movida pela Administração pública.
Assim, constata-se que o instrumento adequado para o ressarcimento perante o agente causador do dano é uma ação própria regressiva, conforme estabelecido no art. 122, §2º, da Lei 8.112/90. Essa ação para ressarcimento ao erário é imprescritível e pode se transmitir aos herdeiros do agente causador do dano, no limite do valor da herança recebida.
Em decorrência, não se admite, como regra, a denunciação da lide pela Administração pública em face do agente público na ação movida pela vítima, já que isso provocaria a existência de duas ações com regimes de responsabilização distintos, atentando contra os princípios da razoável duração do processo e da efetividade da Jurisdição. Contudo, o STJ admite a denunciação da lide em hipóteses excepcionais, desde que verificado que essa intervenção de terceiro não provocará prejuízo à economia e celeridade processuais.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 25ª Edição, São Paulo: Atlas, 2012.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 10 ed. São Paulo: Atlas 2012.
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002
NOTAS:
[1] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo; São Paulo, Ed., Saraiva, 1992, pp.41-42.
[2] CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pg. 221.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. O direito de regresso da Administração Pública em face do agente público causador do dano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41613/o-direito-de-regresso-da-administracao-publica-em-face-do-agente-publico-causador-do-dano. Acesso em: 23 dez 2024.
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