RESUMO: Tem o presente artigo o escopo de esclarecer a impossibilidade de o magistrado trabalhista impor à autarquia previdenciária efeitos previdenciários de uma decisão judicial trabalhista, quando determinam a alteração de registros cadastrais da reclamante perante o Cadastro Nacional Informações Sociais – CNIS, pois foge à sua competência a teor do que dispõe o artigo 114 da Constituição Federal, por tratar de matéria de cunho eminentemente previdenciário.
Palavras Chaves: Justiça do trabalho, competência, averbação, tempo de serviço, INSS.
ABSTRACT: Has the scope of this article to clarify the impossibility of labor magistrate to impose pension autarchy welfare effects of a labor court decision, determine when to change the registration records of the plaintiff before the National Social Registration Information - CNIS because it evades its competence than the content provided in Article 114 of the Federal Constitution, by dealing with matters of social security eminently nature.
O Instituto Nacional do Seguro Social é uma autarquia federal, criada pela Lei nº 8.029/1990, vinculado ao Ministério da Previdência Social, com incumbência de gerir os benefícios previdenciários. Como toda autarquia pública, possui personalidade jurídica própria, diversa da pessoa jurídica de direito público que a criou, podendo podendo ser parte independente em juízo.
Diante de sua natureza de autarquia pública federal, a Justiça Comum Federal é a competente para deliberar acerca de benefícios previdenciários e seus respectivos recolhimentos. Vejamos o art. 109 da CF e seu § 3º:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
§ 3º. Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro de domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara de juízo federal, e, se verificada esta condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual”.
Diante do referido texto constitucional, tem este artigo o objetivo de esclarecer a situação corriqueira no âmbito da Justiça do Trabalho quando os trabalhadores, na condição de reclamantes da Justiça Laboral, peticionam no sentido de reconhecimento ou averbação de vínculos trabalhistas - sem sequer o INSS fazer parte da lide – e, portanto, nas respectivas decisões, os magistrados do trabalho, em total descumprimento com o que preceitua o aludido dispositivo constitucional, determinarem à Autarquia previdenciária a exclusão, averbação e/ou reconhecimento de tempo de serviço que consta ou não nos bancos de dados da Autarquia, denominado de Cadastro de Informações Sociais – CNIS.
A fim de verificar a competência material – se é o do juiz federal ou do juiz do trabalho – para que se determine alteração do CNIS, averbando ou reconhecendo tempo de serviço, necessário verificar se a matéria tem natureza previdenciária ou trabalhista. E aqui, frise-se, a linha é, por demais, tênue.
Isso porque, no caso de um trabalhador que laborou durante certo prazo para uma empresa e não teve sua Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS assinada, tampouco houve recolhimento, que geraria os dados para o CNIS e, por conseguinte, efeitos previdenciários, ele precisará necessariamente primeiro ter seu vínculo de trabalho reconhecido, numa lide de natureza trabalhista entre empregador e empregado de competência material da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, da CRFB/88. Entretanto – quanto à averbação de tempo para fins previdenciários – a lide tem natureza previdenciária, sendo a competência da justiça federal, nos termos do supracitado art. 109, da CRFB/88.
São duas lides completamente diferente, pois na primeira, a relação jurídica se estabelece entre Estado-Juiz (Juiz do Trabalho), empregado/reclamante e empregador/reclamado, enquanto que na segunda, a relação jurídica ocorre entre Estado-Juiz (Juiz federal), beneficiário da previdência social e INSS.
Ocorre que o Juiz do trabalho, julgando a primeira lide cujas partes são apenas empregado e empregador, extrapola a competência e determina ao INSS a averbação de tempo de serviço no CNIS, com consequências previdenciárias, a exemplo do impacto na consecução de aposentadorias sem as respectivas fontes de custeios.
Neste diapasão, é absolutamente incompetente o Juiz do Trabalho para determinar atos que refletem na revisão de benefício previdenciário ou determinar qualquer ato relativo à matéria previdenciária. Neste sentido, a jurisprudência uníssona no TST:
I - REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SÚMULA 303, ITEM III, DO TST. INCIDÊNCIA. -Em mandado de segurança, somente cabe remessa 'ex officio' se, na relação processual, figurar pessoa jurídica de direito público como parte prejudicada pela concessão da ordem. Tal situação não ocorre na hipótese de figurar no feito como impetrante e terceiro interessado pessoa de direito privado, ressalvada a hipótese de matéria administrativa- (item III da Súmula nº 303 do TST). Precedentes. Reexame necessário não conhecido. II - RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ALTERAÇÃO DE REGISTROS CADASTRAIS PERANTE O INSS. INCIDÊNCIA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 57 DA SBDI-2/TST POR ANALOGIA. A determinação de alteração de registros cadastrais da reclamante perante o Cadastro Nacional Informações Sociais - CNIS foge à competência desta Justiça Especializada, prevista no artigo 114 da Constituição Federal, por tratar de matéria de cunho eminentemente previdenciário. Assim, é de se conceder o presente mandado de segurança para impugnar referido ato, invocando, por analogia, o entendimento constante da Orientação Jurisprudencial nº 57 da SBDI-2 desta Corte. Recurso ordinário conhecido e provido.
( ReeNec e RO - 988-96.2011.5.15.0000 , Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 23/09/2014, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 03/10/2014)
[...]
AGRAVO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS. PROVIMENTO. Ante uma possível afronta ao artigo 109, I, e § 3º, da Constituição Federal, o processamento do agravo de instrumento é medida que se impõe. Agravo a que se dá provimento. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS. PROVIMENTO. Ante uma possível afronta ao artigo 109, I, e § 3º, da Constituição Federal, o destrancamento do recurso de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS. PROVIMENTO. Excede a competência da Justiça do Trabalho, a teor do artigo 109, I, e § 3º, da Constituição Federal, determinação de averbação do tempo de serviço e contribuição relativa ao vínculo de emprego reconhecido no âmbito de processo trabalhista, uma vez que se trata de tutela que envolve matéria previdenciária, cuja competência é da Justiça Federal e, excepcionalmente, da Justiça Estadual. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
( RR - 143200-35.2009.5.02.0013 , Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 03/09/2014, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/09/2014)
Frise-se que o respeito à essa divisão de competência entre as matérias de natureza trabalhista e previdenciária é de suma importância para evitar fraudes contra a previdência social.
Hodiernamente, é muito comum lides trabalhistas simuladas, sem sequer haver a presença do INSS, com fito de averbar tempo de serviço apenas para se conseguir aposentadoria, pensões e outros benefício previdenciários junto ao INSS. Neste contexto, ajuízam-se reclamações trabalhistas de relações laborais que supostamente ocorreram, sendo que muitas vezes a empresa já nem existe mais ou quando existe sequer comparece em juízo.
Ocorre que, por não mais atuarem no mercado ou por não comparecerem em juízo, as empresas são consideradas revéis no processo, e o juiz trabalhista, por consequência, aplicando-lhes a confissão ficta quanto à matéria fática, reconhece todo período como laborado. O problema se inicia quando o magistrado exorbita da sua competência determinando que sejam aplicados contra o INSS, que não foi parte, os efeitos previdenciários.
Isto porque, se passarmos a adentrar no mérito da eficácia subjetiva da coisa julgada, a decisão afronta o art. 472 do CPC, in verbis:
“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado das pessoas, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.”
Em uma simples leitura do dispositivo legal acima transcrito, percebe-se que a decisão trabalhista de reconhecimento de vínculo não tem o condão de determinar mudanças no CNIS para fins previdenciários porquanto o INSS sequer participa das lides entre reclamantes e reclamados. E ainda que fosse chamado a participar, não traria nenhum efeito à Autarquia porque as lides de natureza previdenciária não podem ser julgadas pelos juízes trabalhistas.
Esta posição é pacífica na jurisprudência do TST. Senão vejamos:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DE AVERBAÇÃO, PELO INSS, DE TEMPO DE SERVIÇO RECONHECIDO EM AÇÃO TRABALHISTA. CABIMENTO DO WRIT. REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA, DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3º, DO CPC. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. Pretenderam o INSS e a União, por meio da presente ação mandamental, cassar a ordem judicial pela qual o Juízo da Vara do Trabalho determinou que a Autarquia averbasse o tempo de serviço reconhecido na sentença como tempo de contribuição do Autor da ação subjacente. 2. Incontroverso que o INSS não integrou o polo passivo da reclamação trabalhista que deu origem à mencionada ordem judicial, a cassação postulada não se condiciona à interposição de recurso pela Autarquia, nos exatos moldes da Súmula 202 do STJ, de modo que impositiva a reforma do acórdão recorrido, pelo qual o Tribunal Regional extinguiu o processo sem resolução do mérito, na esteira da OJ-92-SBDI-II/TST. 3. A hipótese autoriza o julgamento imediato do mérito do mandamus por este Tribunal, com fulcro no artigo 515, § 3º, do CPC e no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, por envolver matéria exclusivamente de direito, já pacificada no âmbito desta Corte. 4. Nos termos da OJ 57 da SDI-2/TST, "Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço", por escapar à competência prevista no artigo 114 da Constituição Federal a determinação, por Órgão da Justiça do Trabalho, de averbação, como tempo de serviço, do período do vínculo empregatício reconhecido em reclamação trabalhista. Isso porque, em sendo de cunho eminentemente previdenciário a aludida discussão, a competência é da Justiça Comum Federal ou Estadual, a teor do artigo 109, I e § 3º, da Constituição da República. 5. Segurança concedida na esteira da referida OJ 57 da SDI-2/TST e de precedentes desta Subseção. Recurso ordinário conhecido e provido para conceder a segurança.
( RO - 14009-76.2010.5.15.0000 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 15/04/2014, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 25/04/2014)
Desta maneira, determinar que a autarquia previdenciária averbe tempo de serviço/contribuição em uma decisão trabalhista é atribuir efeitos previdenciários na justiça incompetente, contra pessoa jurídica que muitas vezes sequer participa da lide transitada em julgado. Isso fere diretamente o princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) e, por consequência, aos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF), já que não verificadas os procedimentos formais estabelecidos no ordenamento jurídico pátrio.
Além dos princípios fundamentais que tais decisões contrariam, as aludidas decisões de magistrados trabalhistas ferem a distribuição constitucional de competência prevista nos art. 109 e art. 114 da CRFB, tendo inclusive orientação jurisprudencial de nº 57 da SDI-2/TST, neste sentido: "Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço".
Assim, discussão de reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço escapa à competência prevista no artigo 114 da Constituição Federal, já que é competência da Justiça Comum Federal, por se tratar de matéria de cunho eminentemente previdenciário, a teor do artigo 109, I e § 3º, da Constituição da República.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em: 09 de setembro de 2014.
BRASIL. LEI No 9.876, DE 26 DE NOVEMBRO DE 1999.
Dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual, o cálculo do benefício, altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9876.htm> Acesso em: 16 de setembro de 2014.
Procurador Federal, pós graduado em Direito e Processo Civil pela UNICOC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Armstron da Silva Cedrim. A impossibilidade de o Juiz do Trabalho impor ao INSS efeitos previdenciários de uma decisão judicial trabalhista por flagrante descumprimento de regras de competência material Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41674/a-impossibilidade-de-o-juiz-do-trabalho-impor-ao-inss-efeitos-previdenciarios-de-uma-decisao-judicial-trabalhista-por-flagrante-descumprimento-de-regras-de-competencia-material. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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