RESUMO: O presente estudo aborda as críticas dirigidas à EC nº 20/98 e à Lei nº 10.035/00 e apresenta nossa visão acerca das alterações legislativas por elas inseridas.
Palavras-chave: Contribuições Sociais. Justiça do Trabalho. Emenda Constitucional nº 20/98. Lei nº 10.035/00.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional nº20/98 inseriu o §3º ao artigo 114[1] da CF/88, atribuindo à Justiça do Trabalho a competência para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, “a” e II, decorrentes das sentenças por ela proferidas. A Emenda Constitucional nº45/04, por sua vez, procedeu a novas alterações no artigo 114, e esta competência passou a ser prevista no inciso VIII[2].
Até então, as contribuições sociais decorrentes das sentenças trabalhistaseram executadas na Justiça Federal após prévio lançamento pela autoridade fiscal e inscrição em dívida ativa. Aplicava-se à execução fiscal a Lei nº 6.830/80 e, subsidiariamente, o Código de Processo Civil, cabendo ao credor tributário provocar a atividade jurisdicional e iniciar o processo de execução.
Entretanto, esse procedimento não se mostrava eficaz em termos arrecadatórios, pois dificilmente as contribuições decorrentes de decisões na Justiça do Trabalho eram cobradas, à época, pelo INSS, no âmbito da Justiça Federal.
Diante disso, o constituinte derivado houve por bem editar a tão criticada Emenda, trazendo para o juiz trabalhista a responsabilidade pela cobrança deste tributo, independentemente da existência de CDA - Certidão da Dívida Ativa.
A regulamentação dessa “nova” execução somente veio ocorrer com a Lei nº10.035 de 25 de outubro de 2000 que alterou a CLT[3], tornando-a o diploma legal disciplinador da execução fiscal das contribuições sociais na Justiça do Trabalho (a Lei de Execução Fiscal e o Código de Processo Civil passaram a ser aplicados apenas subsidiariamente, nos casos em que a legislação trabalhista for omissa).
Atualmente, portanto, a execução contribuições sociais previstas no artigo 195, I, “a” e II, decorrentes das sentençastrabalhistas, é processada na Justiça Obreira, cabendo ao juiz proceder à apuração do tributo e executá-lo (no caso de não haver pagamento espontâneo), independentemente da atuação do credor tributário, antes INSS, hoje União, em razão da Lei nº 11.457/07.
Esta nova sistemática – execução sem iniciativa do credor tributário - sofreu forte resistência por parte de tributaristas e advogados trabalhistas, bem como pelos próprios juízes do trabalho e serventuários da Justiça Especializada. Somente o Fisco se mostrou satisfeito com a mudança, uma vez que sua arrecadação cresceu consideravelmente.
Pretendemos aqui, portanto, analisar a constitucionalidade da Emenda 20, bem como da Lei nº10.035/00, já que não são poucos os estudiosos que insistem em defender o contrário, alegando que a ação executiva iniciada pelo magistrado é inconstitucional por ofender princípios como da separação dos poderes, da isonomia e do devido processo legal.
DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
O princípio da tripartição de poderes vem explícito no artigo 2º da CF/88, in verbis:
“Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”[4]
Entretanto, o poder em si é uno e indivisível, havendo, na realidade, a separação das funções estatais – Administrativa, Legislativa e Jurisdicional. Esta divisão de funções foi idealizada juridicamente por Montesquieu[5], mas sua rigidez original não permanece nos dias atuais, sendo admissível a realização de atividades atípicas por cada órgão estatal.
O princípio da separação de poderes foi elevado ao nível de cláusula pétrea pela Carta Magna de 1988 (art. 60, §4º, III), fato este que impede sua alteração por emenda constitucional, in verbis:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
III- a separação dos Poderes;
[...].”[6]
É com base neste princípio que vários doutrinadores questionam a constitucionalidade da famigerada Emenda 20. Defendem que o lançamento é ato típico e indelegável do Poder Executivo e, portanto, sua realização pelos órgãos judiciais implicaria usurpação de Poder.
Alexandre Tavares e Marcus Vinícius Mugnaini, em estudo sobre o tema, manifestam-se da seguinte forma:
“Daí a razão pela qual entendemos que a emenda Constitucional nº 20 e sua lei regulamentadora (Lei nº 10.035/00) padecem de mácula ilacrimável, pois, ao dispor sobre o poder-dever do juiz executar exofficio contribuições à seguridade social emergentes de decisões que proferir, acabou concebendo um primor de excrescência jurídica, mormente por enlear as figuras da autoridade fazendária e do magistrado trabalhista, impondo a este que faça às vezes daquele, delegando, por conseguinte, atribuição funcional naturalmente indelegável em razão da matéria (lançamento tributário).” (TAVARES; MUGNAINI, 2002, p. 37).
E mais a frente completam:
“Impõe-se destacar, à obviedade do ‘sistema de freios e contrapesos’ (checksand balances) que operacionalizam o postulado da tripartição das funções estatais, que o fato do Judiciário poder efetuar o controle externo do lançamento não significa que ele próprio possa concretizá-lo. Não compete ao magistrado lançar um tributo, a contrario sensu, cabe-lhe tão somente controlar a legalidade do lançamento efetuado pela autoridade administrativa, anulando-o total ou parcialmente, se for o caso.” (TAVARES; MUGNAINI, 2002, p. 39).
Schubert de Farias Machado segue o mesmo raciocínio:
“Assim, resta evidente que o Princípio da Separação de Poderes do Estado não permite que seja atribuída a órgãos do Poder Judiciário uma função típica do Poder Executivo, que não se preste como instrumento da sua atividade jurisdicional. É o caso do lançamento de tributos. Atividade típica do Poder Executivo, que somente a ele deve ser atribuída.” (MACHADO, 2004, p. 12).
De início notamos uma impropriedade na posição defendida pelos autores citados.
O juiz do trabalho não celebra qualquer tipo de lançamento - ato de competência privativa da Administração - até porque este é totalmente desnecessário, diante da existência de um título executivo judicial constituído pela sentença trabalhista transitada em julgado.
Ademais, é certo que o ato de lançar somente é privativo da autoridade fiscal porque o CTN entendeu por bem determinar desta forma, em respeito ao texto constitucional que lhe atribui competência para dispor sobre norma geral em matéria tributária, inclusive sobre lançamento. A competência para efetuar o lançamento, contudo, poderia ser atribuída a outrem se o Código assim quisesse, não havendo nenhum óbice constitucional para tanto.
Isso porque, a atividade de reconhecimento da ocorrência do fato gerador e consequente apuração do “quantum” do tributo não pode ser considerada função típica do Poder Executivo. No Brasil, de longa data, esta operação é exercida pelo contribuinte (no caso do questionado lançamento por homologação[7]) e até mesmo pelo juiz, nas ações declaratórias intentadas pelo contribuinte ou, ainda, no bojo dos autos de inventário (no cálculo do imposto de transmissão mortis causa).
Além disso, não podemos esquecer que existe uma linha tênue que separa a função administrativa da jurisdicional[8] o que, muitas vezes, justifica a proximidade da atividade exercida pelo juiz com aquela exercida pelo administrador, como ocorre no caso em tela. Com isso, o paralelismo existente entre estas duas funções permite que o juiz pratique atos que, na prática, surtam os mesmos efeitos que os atos administrativos (no caso, o lançamento tributário).
DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Outras críticas são dirigidas às alterações introduzidas pela EC nº 20/98 e sua lei regulamentadora (Lei nº 10.035/00), com base no princípio do devido processo legal[9]que inclui, para fins deste estudo, os princípios da imparcialidade do juiz, do direito de ação, da ampla defesa, do contraditório e da isonomia.
José Afonso da Silva citando lição de Frederico Marques diz que a garantia do devido processo legal implica a utilização de formas instrumentais adequadas a fim de que a prestação jurisdicional dê a cada um o que é seu conforme os ditames da ordem jurídica. “E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.” (SILVA, 2001, p. 435).
Diante disso muitos autores atacam a execução de ofício das contribuições sociais praticada na Justiça do Trabalho argumentando que o procedimento instituído pela Lei nº 10.035/00 viola: o direito de ação, uma vez que viabiliza o início de uma execução sem a iniciativa da parte interessada; o direito à imparcialidade do juiz porque este, como órgão executor, tende a julgar favoravelmente a ação; o direito ao contraditório e à ampla defesa, pois não é dado ao contribuinte a oportunidade para discutir a validade da exigência das contribuições sociais; e o direito à igualdade tendo em vista a discriminação entre o contribuinte notificado administrativamente do seu débito e o contribuinte réu numa reclamatória, já que este não terá oportunidade de discutir sua dívida junto à Administração.
Apesar do respeito às opiniões contrárias à constitucionalidade da EC 20 e da Lei 10.035/00, não podemos concordar com elas.
Não vislumbramos ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
Diante da nova competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais, a discussão acerca da questão previdenciária ocorre (ou pelo menos deve ocorrer) desde a inicial, pois as partes sabem que a sentença trabalhista gerará uma obrigação tributária.
Além disso, desde a publicação da EC 20 entendemos ser dever do magistrado incluir um capítulo na sentença de mérito sobre a questão previdenciária, desenhando, à parte, a relação jurídica tributária. E isto, independentemente de pedido da parte. Ao proferir sentença de mérito cabe ao juiz fixar as verbas que sofrerão a incidência do tributo, explicitar sua forma de cálculo e delimitar a responsabilidade pelos recolhimentos, a fim de possibilitar que a empresa (ou até mesmo o reclamante) questione, em sede recursal, quaisquer destas determinações.
Em relação à discussão da efetiva ocorrência do fato gerador, ela é feita na própria fase de conhecimento, quando o reclamante busca provar o seu direito às verbas remuneratórias devidas e não pagas no decorrer do contrato de trabalho e a reclamada tenta rechaçá-lo. Reconhecido o direito do empregado, estará, automaticamente, reconhecida a ocorrência do suporte fático da norma jurídica tributária, razão pela qual não se pode dizer que o contribuinte teve suprimido seu direito à defesa.
Transitado em julgado o comando sentencial, iniciar-se-á a fase de liquidação, quando as partes – reclamante e reclamada – terão oportunidade de apresentar os cálculos, os quais, necessariamente, deverão conter as contribuições sociais. Neste momento processual, abre-se novamente a oportunidade da reclamada discutir a apuração do tributo dentro dos limites da coisa julgada, razão pela qual estarão atendidos os princípios do contraditório e da ampla defesa.
O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, entende ser possível a liquidação e execução das contribuições sociais ainda quando a sentença seja omissa sobre a questão[10]. Também aqui entendemos não haver ofensa aos princípios em tela, posto que na fase de liquidação deverá ser dado à reclamada a oportunidade de se manifestar sobre os cálculos do tributo e, se o caso, acerca da natureza das verbas.
Por outro lado, quanto às sentenças homologatórias de acordo, há determinação legal apenas para que seja explicitada a responsabilidade pelo recolhimento e a natureza das verbas avençadas (art.832, §3º, CLT[11]). Como são as próprias partes que discriminam as verbas não teria razão abrir-lhes prazo para manifestação. Caso, porém, haja recurso por parte do credor tributário em face da sentença homologatória, reclamante e reclamada terão direito à resposta. Nestas hipóteses, a discussão acerca da forma de apuração dos cálculos é reservada para a fase de liquidação, obedecendo-se os mesmos trâmites da liquidação da sentença de mérito.
Assim, não obstante a empresa-reclamada não tenha assegurado o direito à sua defesa no âmbito administrativo, esta é assegurada em diversos momentos em sede judicial.
Entendemos ainda, que o contraditório (aqui entendido como a possibilidade de ação, reação, participação e cooperação) está melhor atendido na Justiça do Trabalho que na execução fiscal. Na Justiça obreira temos a participação de uma peça fundamental na caracterização do fato gerador: o empregado. Isto não ocorre na Justiça Federal, nem no processo administrativo fiscal, restrito à participação da empresa e do fisco e do Estado-Juiz.
Também não vemos violação ao princípio do direito de ação e, por conseguinte, do princípio de imparcialidade do juiz.
Dizer que ao juiz do trabalho cabe executar de ofício as contribuições não significa que ele adote a posição do credor tributário, assumindo a qualidade de parte e afastando-se de sua imparcialidade. Embora caiba à autoridade judicial a apuração do tributo, esta somente vai ocorrer após a prolação da sentença reclamada pelo empregado através do seu direito de ação.
Não é o magistrado trabalhista quem dá início, de ofício, à verificação da ocorrência do fato gerador. Esta é uma decorrência lógica da sentença trabalhista, ficando a atuação de ofício reservada apenas à fase de execução.
Além disso, todas as decisões judiciais devem total obediência à lei, o que implica dizer que elas, não serão, necessariamente, sempre favoráveis ao Fisco.
Esta situação é muito bem colocada por Paulo Cesar Baria de Castilho:
“No caso da execução da contribuição previdenciária na Justiça do Trabalho o juiz não é acusador. Não é parte. Foi o empregado quem acusou o patrão de não ter pago verbas trabalhistas. O empregador contestou e, então, instalou-se a lide, cabendo ao juiz apenas dirigir o processo e proferir decisão, pautada e antecedida por regular processo judicial, com todas as garantias do devido processo legal, inclusive a imparcialidade do juiz.
O nascimento da obrigação tributária de pagar a contribuição previdenciária somente irá surgir depois do trânsito em julgado da sentença que apreciou o pedido de verbas trabalhistas. [...] Ora, se no desenrolar do processo cognitivo o juiz não foi parte, não o seria na execução quando apenas dá andamento ao feito. Aliás, é assim com todo processo, inclusive na Justiça Comum, em que há o interesse do Estado em fazer cumprir sua decisão. Se naquela esfera de jurisdição, que trata de interesses privados, deve haver o interesse da parte em provocar o andamento processual, na Justiça Especializada que executa o tributo não, pois o interesse é nitidamente público.” (CASTILHO, 2003, p. 68).
O autor chama a atenção, inclusive, para o fato de que a execução do crédito trabalhista sempre foi de ofício, jamais sofrendo questionamentos por parte da doutrina (CASTILHO, 2003, p. 68).
Assim, se é possível a execução exofficio das verbas trabalhistas, porque não admiti-la quanto ao crédito tributário, de caráter indisponível?
E mais à frente Castilho completa seu raciocínio:
“Corroborando com o argumento, é cediço que na Justiça Comum também há o recurso de ofício, quando há interesse público em jogo e nem por isso (recorrer de ofício) o juiz se tornou parte. O sistema é este. Onde está a novidade? Para este efeito (ser ou não ser parte), qual a diferença entre recorrer de ofício e executar de ofício?” (CASTILHO, 2003, p. 68).
Por fim, somos da opinião que o princípio da isonomia não é atingido pelas inovações legislativas objeto de estudo.
O tratamento diferenciado entre o contribuinte fiscalizado e notificado administrativamente e aquele que é chamado a responder na Justiça do Trabalho é justificável porque eles se encontram em situações diversas. Nisto reside a essência do princípio da igualdade.
Invocamos novamente Castilho que bem explicita a situação diversa em que se encontram estes contribuintes:
“Nosso direito positivo (art.142 do CTN) garante ao contribuinte que foi fiscalizado e notificado pelo INSS a recolher determinada contribuição previdenciária, todo direito de discutir o débito através de um regular processo administrativo, no qual lhe seja garantido todo o devido processo legal, inclusive com a utilização do contraditório e do amplo direito de defesa, constitucionalmente assegurados (art. 5º, LV, da CF/88). É claro, pois o fiscal previdenciário é parte interessada e fez o lançamento no exclusivo interessa da Administração Pública. Precisa ser contestado, evitando-se o arbítrio. Esta é uma situação.
Contudo, outra situação bem diferente é aquela em que o contribuinte não foi visitado pelo fiscal da autarquia, mas, a Justiça do Trabalho, após regular processo judicial de conhecimento, provocado pelo empregado reclamante, que observou todas as garantias do devido processo legal (contraditório, ampla defesa, etc.), o condenou a pagar verbas trabalhistas e, em decorrência de sua natureza salarial, também irá executar contribuições previdenciárias por força da EC 20/98 e pelo procedimento da Lei 10.035/00. Essa é outra situação.” (CASTILHO, 2003, p. 65).
Assim, uma vez existentes hipóteses diferentes, cabe à lei lhes dar tratamento diferenciado. Se o sujeito passivo da relação jurídica tributária, reclamada num processo judicial, tem garantido o direito de se manifestar e questionar a cobrança das contribuições no âmbito deste processo, participando, inclusive, da constituição do título executivo, é plenamente possível a supressão do seu direito de defesa administrativa, especialmente porque vigora em nosso ordenamento o princípio da jurisdição una.
NOSSA CRÍTICA
Os princípios da celeridade e da efetividade são os norteadores do processo do trabalho e não resta dúvida que a execução das contribuições sociais no âmbito Justiça do Trabalho compromete o seu objetivo maior. Embora o reclamante tenha prioridade no recebimento do seu crédito, é certo que até que este ocorra, alguns obstáculos processuais podem ser criados em razão desta nova competência da Justiça obreira.
Além disso, há o princípio da informalidade que vigora no processo do trabalho e que, por sua vez, não pode ser aplicável à execução do crédito tributário.
Que a execução “de ofício” na Justiça Especializada é constitucional não temos dúvida diante de tudo quanto expusemos. Por outro lado, entendemos que a sua regulamentação foi feita de maneira equivocada pelo legislador ordinário que incluiu, num mesmo procedimento, a execução de créditos de natureza completamente diversa.
Por isto entendemos que a execução na Justiça Federal se mostra mais adequada, até porque seus julgadores já estão mais familiarizados com o tema, possuindo a ideia clara de que a cada tipo de crédito deve ser aplicável o Direito que lhe é afeto.
Tomemos como exemplo a problemática da hipótese de incidência das contribuições sociais[12]. Diversas são as posições dos juízes do trabalho: uns entendem que esta é a prestação de serviços, outros que é o pagamento do crédito trabalhista, outros que é a sentença de mérito, enquanto há ainda aqueles que entendem que é a sentença de liquidação. Ora, o fato gerador das contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social é apenas um, seja o crédito oriundo de um lançamento efetuado pela autoridade administrativa ou decorrente de uma sentença trabalhista.
A regulamentação (a hipótese de incidência) não se altera pelo simples fato da execução correr em “Justiças” diferentes. A norma tributária é uma só. E isto muitas vezes não é percebido pelo juiz trabalhista que quer dar ao crédito tributário o mesmo tratamento dado ao crédito trabalhista.
Enfim, o que a EC nº 20/98 e a Lei nº 10.035/00 fizeram foi atribuir competência a uma Justiça que não fora preparada para recebê-la. Na teoria, a execução das contribuições na Justiça do Trabalho não encontra óbices constitucionais e está calcada num objetivo nobre: abastecer os cofres públicos responsáveis pelo pagamento de milhares de benefícios previdenciários.
Na prática, porém, o que vemos é uma variedade de procedimentos e teses jurídicas das mais absurdas, em razão da confusão que se faz entre crédito tributário e trabalhista, o que compromete a correta apuração do tributo e sua regular execução.
Por isso, ao nosso ver, embora constitucional esta mudança introduzida pela EC nº 20/98 e que, inclusive, gerou resultados práticos muito positivos aos cofres públicos, melhor seria a manutenção do procedimento anteriormente adotado (ciência ao Fisco da sentença de mérito e, sendo o caso, lançamento pela autoridade administrativa e execução na Justiça Federal), cabendo à Administração aparelhar-se de maneira satisfatória para o exercício de função primordial para o funcionamento do Estado, qual seja, a arrecadação de tributos.
REFERÊNCIAS
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GIGLIO, Wagner. Execução das Contribuições Previdenciárias – Lei N. 10.035/2000. Revista LTr, São Paulo, v. 65, nº06. p.647-649, junho 2001.
MACHADO, Shubert de Farias. O Juiz do Trabalho e o Lançamento das Contribuições Para o INSS. Revista Justiça do Trabalho, HS Editora, Porto Alegre, ano 21, nº245, p.7-20, maio 2004.
MAZZILLO, Leonardo. Inconstitucionalidade da Execução Fiscal ExOfficio Promovida pelos Juízes do Trabalho. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº88, p.52-59, janeiro 2003.
MERÇON, Paulo Gustavo de Amarante. A sentença Trabalhista e o Efeito Anexo Condenatório das Contribuições Previdenciárias. Revista ANAMATRA, ano XIV, nº43, p., novembro 2002.
MUGNAINI, Marcus Vinícius Mendes; TAVARES, Alexandre Macedo. As Impropriedades da Execução ExOfficio de Contribuições à Seguridade Social Emergentes de Decisões da Justiça do Trabalho. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo nº84, p.33-46, setembro 2002.
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 878p.
[1]Art.114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
[...]
§3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
[2]“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
[...]
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
[...].”
Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas.
Art. 832. [...]
§ 3o As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.
§ 4o O INSS será intimado, por via postal, das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, sendo-lhe facultado interpor recurso relativo às contribuições que lhe forem devidas.
Art. 876. [...]
Parágrafo único. Serão executados exofficio os créditos previdenciários devidos em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo.
[...]
Art. 878-A. Faculta-se ao devedor o pagamento imediato da parte que entender devida à Previdência Social, sem prejuízo da cobrança de eventuais diferenças encontradas na execução exofficio.
Art. 879. [...]
§ 1o-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas.
§ 1o-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente.
[...]
§ 3o Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão.
§ 4o A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária.
Art. 880. O juiz ou presidente do tribunal, requerida a execução, mandará expedir mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas, ou, em se tratando de pagamento em dinheiro, incluídas as contribuições sociais devidas ao INSS, para que pague em quarenta e oito horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora.
[...]
Art. 884. [...]
§ 4o Julgar-se-ão na mesma sentença os embargos e as impugnações à liquidação apresentadas pelos credores trabalhista e previdenciário.
[...]
Art. 889-A. Os recolhimentos das importâncias devidas, referentes às contribuições sociais, serão efetuados nas agências locais da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil S.A., por intermédio de documento de arrecadação da Previdência Social, dele se fazendo constar o número do processo.
§ 1o Sendo concedido parcelamento do débito previdenciário perante o INSS o devedor deverá juntar aos autos documento comprobatório do referido ajuste, ficando suspensa a execução da respectiva contribuição previdenciária até final e integral cumprimento do parcelamento.
§ 2o As varas do trabalho encaminharão ao órgão competente do INSS, mensalmente, cópias das guias pertinentes aos recolhimentos efetivados nos autos, salvo se outro prazo for estabelecido em regulamento.
[...]
§ 3o Na hipótese da alínea a deste artigo, o agravo será julgado pelo próprio tribunal, presidido pela autoridade recorrida, salvo se se tratar de decisão de Juiz do Trabalho de 1ª Instância ou de Juiz de Direito, quando o julgamento competirá a uma das Turmas do Tribunal Regional a que estiver subordinado o prolator da sentença, observado o disposto no art. 679, a quem este remeterá as peças necessárias para o exame da matéria controvertida, em autos apartados, ou nos próprios autos, se tiver sido determinada a extração de carta de sentença.
[...]
§ 8º Quando o agravo de petição versar apenas sobre as contribuições sociais, o juiz da execução determinará a extração de cópias das peças necessárias, que serão autuadas em apartado, conforme dispõe o § 3o, parte final, e remetidas à instância superior para apreciação, após contraminuta.”
(Alguns dos dispositivos citados sofreram novas alterações pela Lei nº11.457/07, sem que houvesse, porém, alteração na sistemática introduzida pela Lei nº10.035/00).
[4]BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[5] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do espírito das leis.
[6]BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[7]“Entre as decisões tomadas pelo legislador brasileiro, nesse campo, releva acentuar o caráter privativo da realização do lançamento para as autoridades administrativas, o que implicaria admitir a impossibilidade do particular desincumbir-se dessa tarefa. Intuindo, contudo, que isso não seria possível, porque a experiência jurídica efetiva revela o empenho dos administrados, editando, também, normas individuais e concretas no âmbito dos tributos, aquele mesmo legislador determinou que essa atividade do sujeito passivo, bem como seu produto, serão ‘lançamentos por homologação’, uma vez que ficam sujeitos ao controle do Poder Tributante. E dar-se-ia esse controle por atos de homologação, expressa ou tácita, praticados por agentes investidos de competência específica. Veremos, logo mais, que esta solução não serve. A figura canhestra do ‘lançamento por homologação’ é um mero disfarce que o direito positivo criou para atender ao capricho de não reconhecer, na atividade do sujeito passivo, o mesmo ato que costuma celebrar, de aplicação da norma geral e abstrata para o caso concreto. E pretendeu, com isso, ver superado o problema da dualidade aplicativa da regra-matriz de incidência.” (CARVALHO, 2000, p.369).
[8] Enquanto a função administrativa consiste, precipuamente, na conversão da lei em ato individual e concreto, através de uma atuação de ofício, a função do Poder Judiciário é a criação desta norma individual e concreta, mas de forma coativa, após provocação da parte interessada.
[9]“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
[...].”
[10] Súmula nº 401 AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONTOS LEGAIS. FASE DE EXECUÇÃO. SENTENÇA EXEQUENDA OMISSA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 81 da SBDI-2) - Res. 137/2005 – DJ 22, 23 e 24.08.2005
Os descontos previdenciários e fiscais devem ser efetuados pelo juízo executório, ainda que a sentença exequenda tenha sido omissa sobre a questão, dado o caráter de ordem pública ostentado pela norma que os disciplina. A ofensa à coisa julgada somente poderá ser caracterizada na hipótese de o título exequendo, expressamente, afastar a dedução dos valores a título de imposto de renda e de contribuição previdenciária. (ex-OJ nº 81 da SBDI-2 - inserida em 13.03.2002).
[11]“Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.
[...]
§ 3o As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.” (Incluído pela Lei nº 10.035, de 25.10.2000)
[12] Não teceremos maiores detalhes para não fugir do tema em debate.
Procuradora Federal, graduada em 2001 pela Faculdade de Direito da PUC Campinas e pós-graduada em Direito Tributário também pela PUC Campinas no ano de 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Flavia Malavazzi. Críticas à sistemática introduzida pela EC Nº 20/98 e pela Lei nº 10.035/00 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41692/criticas-a-sistematica-introduzida-pela-ec-no-20-98-e-pela-lei-no-10-035-00. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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