Resumo: O presente trabalho visa identificar a evolução do trato legislativo e jurisprudencial que culminou no reconhecimento do direito à pensão por morte de casais homoafetivos.
Palavras-chave: união homoafetiva; INSS; pensão por morte.
Sumário: Introdução; 1. Do reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo; 2. Do julgamento do STF e da posição da Administração Pública; 3. Dos requisitos para a concessão da pensão por morte; Conclusão; Referências.
Introdução
O presente artigo tem por finalidade traçar o caminho percorrido pelas esferas administrativa e judicial que culminaram no reconhecimento do direito à pensão por morte nas relações homoafetivas.
Após um longo período marcado pela ausência da tutela estatal e pela discriminação dessas relações, em que o preconceito superava a compreensão de que somos iguais e merecedores do mesmo tratamento, tem-se hoje uma realidade um pouco diferente. Embora cientes de que um longo caminho ainda deve ser trilhado em prol da completa aceitação dessas relações, pode-se afirmar que atualmente basta o companheiro ou a companheira comprovar perante a Previdência Social o preenchimento dos requisitos da pensão por morte para que esta seja concedida independente de sua opção sexual.
No âmbito da Advocacia Geral da União a Portaria n. 513 de 01/06/2010 homologou o Parecer n. 38/2009 da lavra do Departamento de Análise de Atos Normativos, reconhecendo a instituição familiar entre os parceiros homossexuais, bem como a relação de dependência.
A matéria foi submetida também a mais alta Corte do país, responsável pela interpretação da Carta Constitucional. Em 2011 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, reconhecendo a união estável em relação aos casais do mesmo sexo.
Com certeza é um marco no que tange ao reconhecimento das uniões estáveis, pois repercute na consolidação de vários direitos, entre eles, a pensão por morte.
1. Do reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo
A Constituição Federal define família e reconhece a união estável como entidade familiar da seguinte forma:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Em suma, a família foi consagrada como instituição a ser preservada e protegida. Percebe-se que o núcleo do dispositivo constitucional trata da proteção da família como base de uma sociedade justa e solidária, em que a estabilidade das relações contribui para a manutenção do próprio Estado. Mais do que a relação entre homem e mulher, busca-se a preservação das uniões que buscam esse objetivo, qual seja, o de formação de uma família.
O artigo 226, portanto, não pode ser interpretado isoladamente, senão em harmonia com os preceitos que tratam da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Da mesma forma que o Estado deve proteger uma relação entre homem e mulher, o faz em relação à família monoparental, conduzida apenas pelo pai ou pela mãe. Também nela restou subtraída a finalidade procriativa para a configuração da família, pois deixou de ser necessária a figura de um par. O que não impediu, inclusive, a sua alçada a status constitucional do §4º:
Art. 226. (omissis)
§ 4°- Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
É notória a formação de vínculos familiares entre pessoas do mesmo sexo, não havendo razão para tratamento discriminatório. Pode-se buscar no arcabouço constitucional inúmeros dispositivos que consagram a necessidade de tratamento isento de preconceitos, como nos fundamentos da Constituição Federal insculpidos no art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), art. 3º, IV (ausência de discriminação),bem como no art. 5º (igualdade).
O principio da isonomia menciona que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo proibida qualquer forma de discriminação. Trata-se, portanto, de uma da igualdade formal. Por sua vez, a igualdade material pressupõe ações afirmativas ou discriminações positivas, muita das quais estão inseridas no artigo 6º da Carta Magna.
Referido dispositivo exemplifica os direitos sociais: educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
Para Maria Berenice Dias:
Ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver assegurado o respeito o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual, como a liberdade à livre orientação sexual. O direito ao tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade, pois é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange a sua dignidade[1].
Verifica-se, desta forma, uma ampla gama de dispositivos constitucionais que permitem o enquadramento das relações homoafetivas no conceito de união estável e de formação de uma família.
2. Do julgamento do STF e da posição da Administração Pública
Têm-se como marcos do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo os julgamentos, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4277 e da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 132.
A ADI n. 4277 foi proposta pela Procuradoria-Geral da República e tinha por finalidade buscar o enquadramento das uniões homoafetivas enquanto entidade familiar, bem como o reconhecimento dos direitos civis decorrentes dessas relações.
Por sua vez, a ADPF foi protocolada pelo Estado do Rio de Janeiro. O governo requereu que o regime jurídico das uniões estáveis fosse aplicado aos casais homossexuais, almejando igualdade de direitos entre casais homossexuais e heterossexuais.
A decisão, que ocorreu no mês de maio de 2011, reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo e se baseou, principalmente, em preceitos constitucionais com o da dignidade da pessoa humana, da proibição de discriminação, bem como da igualdade. Determinou-se a aplicação do mesmo regime concernente à união estável entre homem e mulher, regulada no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro.
Para o relator do processo, ministro Ayres Britto, a Constituição Federal não concretizou nenhuma diferenciação entre a família fática e a formalmente constituída, não havendo razão para a distinção entre a família heterossexual e a família homoafetiva. Não foi outorgado ao substantivo família nenhuma acepção ortodoxa ou da própria técnica jurídica, mas sim o seu sentido coloquial.
De fato, trata-se de uma decisão história que repercute no cotidiano da sociedade e corrige várias lacunas existentes no nosso ordenamento jurídico.
No âmbito administrativo, ainda no ano de 2000, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em cumprimento à determinação judicial exarada na Ação Civil Pública n. 2000.71.00.009347-0, regulamentou, através da Instrução Normativa n. 25, os procedimentos que deveriam ser adotados para a concessão de benefício aos companheiros do mesmo sexo.
Em 2009 foi proferido o Parecer n. 38, da lavra do Departamento de Análise de Atos Normativos, órgão da Consultoria-Geral da União, que reconheceu o parceiro homoafetivo como dependente previdenciário, em razão da instituição de entidade familiar por essa união:
União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Interpretação do § 3º do art. 226 da Constituição Federal como regra de inclusão e não de exclusão. Manifestações anteriores do Presidente da República e da AGU. Aplicação do postulado da coerência na Administração Pública. Incidência dos princípios da dignidade da pessoa humana, Igualdade, da liberdade, da não discriminação, da segurança jurídica e do pluralismo. Possibilidade de interpretação conforme dos diversos dispositivos legais que se referem a união estável . Lacuna aberta. Necessidade de complemento. Fundamentação teórica lastreada na hermenêutica constitucional e na hermenêutica jurídica clássica. O papel dos fatos para compreensão nas normas jurídicas. Precedentes judiciais. Posicionamento da doutrina majoritária. Interpretação no âmbito da Administração Pública Federal dos seguintes dispositivos legais: inciso I , do art. 16 e o seu § 3º; § 1º do art. 76 da Lei nº 8.213/91 (Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social ) , alínea “c” do inciso I do art. 217; e o § único do art. 241 “a” da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Civis) ; art. 67, § 1º, “e” “e”; art. 69-A; § 3º do art. 69-A; §1º do art. 70; inciso III do art. 82; § 4º do art. 137 da Lei 6.880, de nove de dezembro de 1980 (Dispõe sobre o Estatuto dos Militares) no que tange a possibilidade de se entender como união estável a união de pessoas do mesmo sexo.
Em 09.12.2010, o Ministro do Estado e da Previdência Social homologou o Parecer n. 38 através da Portaria n. 513:
PORTARIA Nº 513, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2010
O MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso das atribuições constantes do art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, tendo em vista o PARECER nº 038/2009/DENOR/CGU/AGU, de 26 de abril de 2009, aprovado pelo Despacho do Consultor-Geral da União nº 843/2010, de 12 de maio de 2010, e pelo DESPACHO do Advogado-Geral da União, de 1º de junho de 2010, nos autos do processo nº 00407.006409/2009-11, resolve
Art. 1º Estabelecer que, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, os dispositivos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que tratam de dependentes para fins previdenciários devem ser interpretados de forma a abranger a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 2º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS adotará as providências necessárias ao cumprimento do disposto nesta portaria.
3. Dos requisitos para a concessão da pensão por morte
A pensão por morte é um direito garantido pela Constituição Federal em seu art. 201, inciso V:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.
A matéria foi regulamentada pela Lei n. 8213/91:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
Em suma, os requisitos da pensão por morte são: o óbito, a qualidade de segurado daquele que faleceu e a dependência econômica em relação ao segurado falecido. Os segurados da previdência social estão elencados no art. 11 da lei de benefícios.
Segundo Miguel Horvath Júnior:
Adquire-se a qualidade de segurado com o início do exercício de algumas das atividades que enquadram o segurado como obrigatório ou a partir do pagamento da primeira contribuição, no caso do segurado facultativo. Mantem-se a qualidade de segurado,em regra, pelo pagamento continuado das prestações previdenciárias, uma vez que nosso modelo previdenciário tem índole contributiva. [2]
Importa mencionar que o segurado não pode ter perdido esta qualidade na data do falecimento, nos termos do art. 102 da mesma lei:
Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.
§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.
§ 2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior.
Para Hemes Arrais Alencar:
Pela nova regra previdenciária não é devida a concessão de pensão por morte aos dependentes daquele que falecer após ter deixado a qualidade de segurado da previdência, salvo se comprovado que o falecido possuía direito em vida, porém não exercido, à percepção de qualquer aposentadoria ofertada pela Previdência Social.[3]
Já, os dependentes que fazem jus aos benefícios estão elencados no art. 16 da Lei n. 8213:
Classe 1: o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.
Classe 2: os pais
Classe 03: o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.
De acordo com o § 1º do mesmo artigo a existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
Os integrantes da classe I não precisam comprovar a dependência econômica, sendo presumida, bastando a prova do companheirismo (é o caso dos casais homoafetivos).
Desse modo, os casais homossexuais deverão comprovar exatamente os mesmos requisitos legais exigidos para a concessão de pensão por morte na união estável heteroafetiva.
A dependência econômica do companheiro é presumida. Entretanto, a relação de companheirismo deve ser comprovada. Para comprová-la o § 3º do art. 16, da Lei 8.213/91 prevê que:
Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
O Decreto n. 3048/99 regulamentou essas exigências, estabelecendo que:
Art. 16 (omissis)
§ 6º Considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1o do art. 1.723 do Código Civil, instituído pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
O art. 22 do Decreto enumera quais são as provas materiais hábeis para comprovar a existência de vida em comum, exigindo três documentos, dentre as quais certidão de nascimento de filho havido em comum, certidão de casamento religioso, declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente, disposições testamentárias, declaração especial feita perante tabelião, prova de mesmo domicílio, além dos demais arrolados no dispositivo legal.
Conclusão
A evolução de conceitos jurídicos, bem como de valores aceitos pela sociedade permitiu que os casais homossexuais pudessem adquirir o mesmo respeito, bem como conquistar os mesmos direitos de casais heterossexuais.
Sendo assim, podemos afirmar que é obrigatória a concessão de vários benefícios previdenciários aos casais homoafetivos, desde que cumpram com os requisitos legais (da mesma forma que são exigidos dos casais heterossexuais).
Em especial, ao benefício de pensão por morte, é importante o casal comprovar a relação de companheirismo, de forma estável e com o objetivo de formar uma família.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito , 2009.
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.
DIAS, Maria Berenice. Família Homoafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
HORVATH JUNIOR, Miguel. Dicionário Analítico da Previdência Social. São Paulo: Editora Atlas, 2009
[1] DIAS, Maria Berenice. Família Homoafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 174.
[2] HORVATH JUNIOR, Miguel. Dicionário Analítico da Previdência Social. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p.148.
[3] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito , 2009, p.524.
Procuradora Federal. Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REOLON, Carla Carolo Corrêa. Requisitos para a concessão de pensão por morte para casais do mesmo sexo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41713/requisitos-para-a-concessao-de-pensao-por-morte-para-casais-do-mesmo-sexo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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