O Estado brasileiro, de acordo com a Constituição Federal de 1988, atua sob o Direito e, por isso, é responsável por suas ações e omissões, quando infringir a ordem jurídica e lesar terceiros. A responsabilidade do Estado, numa acepção ampla, significa o dever de reconhecer a supremacia da sociedade e a natureza instrumental do aparato estatal.[1]
Para Romeu Felipe Bacellar Filho[2],
Ademais, a responsabilidade da Administração Pública deita raízes no princípio republicano e no Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF). A juridicidade do exercício do poder exige que o Estado responda pelos seus atos, pois ao Poder Público não é dado lesionar direitos alheios e, de forma ilegítima, ignorar a ocorrência da lesão ou a necessidade de reparação.
Pela mesma razão que o cidadão é obrigado a reparar os danos que porventura vier a causar a terceiros, deve a Administração Pública indenizar suas vítimas, por imposição lógica do princípio da igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput, da CF).
A responsabilidade civil existe como uma forma de refrear e reparar a prática de atos danosos na medida em que a obrigação indenizatória a acompanha. A violação de direitos, pela prática de atos ilícitos ou lícitos, também pode ocorrer quando da prestação de serviços públicos. Nesse contexto,
Considerando a origem do vocábulo e, pois do próprio instituto, deve emprestar-se à responsabilidade o sentido de imputabilidade, vale dizer, de aptidão jurídica para que alguém possa ser responsabilizado pelos efeitos decorrentes de sua conduta. Ter responsabilidade não significa ter, a priori, um dever jurídico; indica apenas um estado de potencialidade pelo qual se atribui a alguém o ônus de responder perante a ordem jurídica por seus atos ou por terceiros. Assim, preenchidos os elementos próprios do instituto, surge o fenômeno da responsabilização, esta sim, a indicação direta de que o indivíduo vai efetivamente responder pelo ato antijurídico praticado. Por isso, a responsabilidade e a responsabilização poderão assumir caráter penal, civil ou administrativo, conforme o preceito objeto de ofensa pelo infrator.[3]
Para o adequado entendimento da responsabilidade civil atrelada à prestação de serviços públicos, há de se ter em mente que a atividade desenvolvida com o fim de atender ao interesse da coletividade, executada tanto pela própria Administração Pública quanto por particulares (delegatários), manterá submissão ao regime de direito público. Isso significa que o tratamento legal atribuído ao Estado também é conferido a estas pessoas jurídicas de direito privado em virtude da natureza pública da atividade por elas desenvolvida. E essa natureza não se altera pela simples transferência da titularidade da execução do serviço.[4]
Para que haja responsabilidade civil, é necessária a configuração de certos requisitos. Ainda, há casos em que não se opera a responsabilidade civil em virtude da ocorrência de algumas das causas excludentes.
Deve-se considerar que há pluralidade de regimes jurídicos de responsabilidade civil do Estado. A primeira distinção encontra-se na própria Constituição Federal, no art. 37, § 6º. Esse dispositivo delimita o âmbito de aplicação do regime, ou seja, não se aplica quando as atividades administrativas forem desenvolvidas por entidades estatais dotadas de personalidade jurídica de direito privado, exploradoras de atividade econômica. Assim, a expressão “responsabilidade civil do Estado”, utilizada neste artigo, indica a responsabilidade subordinada ao regime jurídico específico de direito público e ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal. [5]
Marçal Justen Filho[6] esclarece que,
Portanto, é possível distinguir dois regimes jurídicos distintos para a responsabilidade civil atinente à atividade administrativa. Há o regime próprio da responsabilidade civil das pessoas de direito público, que é diferenciado em vista da incidência de princípios e regras de direito público. E há aquele pertinente às pessoas de direito privado, não prestadoras de serviço público, que é o regime jurídico da responsabilidade privada.
Referido autor ainda chama a atenção para a distinção relativa à origem da infração. Nesse contexto, é necessário diferenciar a responsabilidade civil do Estado segundo a origem, ou seja, na infração de um contrato ou não. O campo próprio da responsabilidade civil extracontratual do Estado abrange apenas os efeitos danosos de ações e omissões imputáveis às pessoas jurídicas de direito público (ou aos particulares prestadores de serviços públicos) relativas à condutas que configurem infração a um dever jurídico de origem não contratual.[7]
Para configurar a Responsabilidade Objetiva, de acordo com a posição doutrinária prevalente, necessário três pressupostos: fato administrativo, dano e o nexo causal.[8] Segundo Carvalho Filho[9],
Para configurar-se esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in elegendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando).
O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano: tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral.
(...)
O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou culpa. (negrito no original)
Referido autor continua explicando que,
O mais importante, no que tange à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva da Administração, é que, presentes os devidos pressupostos, tem esta o dever de indenizar o lesado pelos danos que lhe foram causados sem que se faça necessária a investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa. Por conseguinte, decisões lícitas do governo são suscetíveis, em alguns casos, de ensejar a obrigação indenizatória por parte do Estado. Vale a pena, à guisa de exemplo, relembrar decisão do STF que condenou a União a indenizar os prejuízos decorrentes de sua intervenção no domínio econômico, em função da qual se determina a fixação de preços, no setor sucro-alcooleiro, em patamar inferior aos valores apurados e propostos por autarquia ligada ao próprio governo federal (o extinto Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool), o que, obviamente, gerou inegáveis prejuízos. Considerou a Corte que, embora legítima a intervenção estatal, há certos limites para executá-la, inclusive dentro do princípio constitucional da liberdade de iniciativa (livre exercício das atividades econômicas), previsto no art. 170, caput, da Constituição. Em que pese a legitimidade da conduta, estavam presentes os pressupostos da responsabilidade objetiva, de modo que à União caberia indenizar todos os prejudicados em virtude da decisão que adotou.[10]
Na visão de Marçal Justen Filho[11], a Responsabilidade Civil pressupõe: 1) a conduta antijurídica, ou seja, uma ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado2) a existência de um dano, material ou moral sofrido por alguém; 3) o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão estatal. Sem qualquer desses elementos, não se configura a responsabilização. Com relação à conduta antijurídica, Justen Filho[12] faz algumas ponderações e explica que,
Poder-se ia sustentar que a disputa seria irrelevante. A existência ou não de elemento subjetivo nem precisaria ser questionada, em face da ausência de efeitos práticos. Em qualquer caso, haveria responsabilidade civil. Esse enfoque não é correto, porque gera o risco de extensão da indenização para hipóteses descabidas, em que a conduta estatal é legítima – ainda que acarrete danos a terceiros. Ou seja, é necessária grande cautela quanto à defesa da possibilidade de responsabilização civil do Estado por atos lícitos. Adota-se o entendimento de que, ressalvadas hipóteses em que houver solução legislativa explícita diversa, somente é possível responsabilizar o Estado quando a ação ou omissão a ele imputável for antijurídica.
(...)
Mas a ausência de dispositivo legal institutivo da responsabilidade civil objetiva do Estado, faz-se sempre necessária a existência de um elemento subjetivo de cunho reprovável para a responsabilização estatal. Esse elemento subjetivo pode ser presumido, tal como acima exposto, em virtude da consumação do evento danoso numa situação em que a adoção de cautelas e providências teria impedido que tal se passasse.
Não se admite que um ato jurídico conforme ao direito, praticado pelo Estado de modo regular e perfeito, acarrete sua responsabilização civil – exceto quando essa for a opção explícita de uma lei.
De qualquer maneira, o reconhecimento de uma concepção objetiva de culpa permite identificar a própria “ilicitude” na conduta estatal. Tradicionalmente, reputa-se que o exercício pelo Estado de suas competências insere-se no campo da licitude quando, no exercício de suas competências legítimas, o Estado deixar de adotar as cautelas inerentes ao dever de diligência.
O critério de identificação da ilicitude da atuação estatal reside não apenas na infração objetiva aos limites de suas competências e atribuições, mas também na observância e no respeito às cautelas necessárias e indispensáveis para evitar o dano aos interesses legítimos de terceiros.
(...)
Daí se afirmar que toda a ação ou omissão imputável ao Estado, que configure infração ao dever de diligência no exercício das competências próprias, gerará a responsabilização civil se produzir ou der oportunidade a dano patrimonial ou moral a terceiro. (grifo nosso)
Compete frisar que não se trata de responsabilidade contratual, que se origina da inexecução dos acordos de vontade. Cuida-se da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, em que o dano perpetrado provém da mera conduta e prescinde de qualquer tipo de prévia relação jurídica bilateral entre ofensor e ofendido.[13]
O dano material consiste na redução da esfera patrimonial de um sujeito, já o dano moral é a lesão imaterial e psicológica. O dano deve ser resultado de uma conduta estatal, seja ativa, seja passiva, que produza efeito danoso a terceiro, havendo relação de causalidade necessária e suficiente entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. [14]
Em resumo, de acordo com o entendimento majoritário, a regra da responsabilidade objetiva exige, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal:[15]
1. que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos;
2. que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada. Assim, com relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, não se aplicará a regra constitucional, mas a responsabilidade disciplinada pelo direito privado, quando não desempenharem serviço público;[16])
3. que haja um dano causado a terceiros em decorrência da prestação de serviço público. Trata-se do nexo de causa e efeito;
4. que o dano seja causado por agente das citadas pessoas jurídicas, o que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço;
5. que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade. Não basta ter a qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a responsabilidade estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício de suas funções.
Com relação à característica do dano ressarcível, Romeu Felipe Bacellar Filho[17] esclarece que não é qualquer dano que merece ressarcimento, mas apenas aquele que se mostra especial, anormal e ofensivo a direito ou interesse legitimamente protegido. Assim, a especialidade do dano o distingue daqueles casos em que uma atuação geral da Administração, utilizando o Poder de Polícia, possa trazer qualquer tipo de diminuição patrimonial ou afrontar interesses dos cidadãos. Como exemplo, referido autor cita:
...as genéricas limitações administrativas ou a proibição do exercício temporário de atividade. Não haverá nestas hipóteses ou em situações similares qualquer direito a ressarcimento. A anormalidade do dano haverá de ser constatada pela superação de razoáveis limites de suportabilidade. Em qualquer caso, o bem ou interesse reclamados haverão de estar juridicamente protegidos, de modo a impedir que o ressarcimento possa abranger bens oriundos de comportamentos reprováveis ou interesses considerados escusos de acordo com o conjunto normativo. [18]
Verifica-se, ainda, a necessidade de distinguir a responsabilidade civil por atos comissivos e omissivos.
Costuma-se afirmar, tradicionalmente, que a responsabilidade civil do Estado por ato comissivo tem cunho objetivo, enquanto a responsabilidade por ato omissivo apresenta natureza subjetiva.
A responsabilidade civil do Estado depende de uma conduta estatal, seja ativa, seja passiva, que produza efeito danoso a terceiro. A mera consumação do dano na órbita individual de um terceiro é insuficiente para o surgimento da responsabilidade civil do Estado. Ainda, deve existir uma relação de causalidade necessária e suficiente entre a ação ou omissão estatal e o resultado danoso. Como já visto, se o resultado danoso deriva de evento imputável exclusivamente ao próprio lesado ou de fato de terceiro ou pertinente ao mundo natural, não há responsabilidade do estado.[19]
Quando o fato administrativo é comissivo, ou seja, os danos são gerados por conduta culposa ou não do agente estatal, a responsabilidade será objetiva, se dando pela presença dos seus pressupostos: fato administrativo, o dano e o nexo causal. Desnecessário comprovar a culpa, ou seja, a responsabilidade é objetiva.
Em se tratando de conduta omissiva do Estado, somente quando este se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. Nesse caso de conduta omissiva, a responsabilidade civil do Estado só se desenharáquando estiverem presentes os elementos que caracterizam a culpa, que se origina do descumprimento do dever legal.[20]
Quanto à responsabilidade civil por omissão, explica Marçal Justen Filho que,
As hipóteses de dano derivado de omissão podem ser diferenciadas em dois grandes grupos. Existem os casos em que uma norma prevê o dever de atuação e a omissão corresponde à infração direta ao dever jurídico (ilícito omissivo próprio). E há os casos em que a norma proscreve certo resultado danoso, o qual vem a se consumar em virtude da ausência da adoção das cautelas necessárias a tanto (ilícito omissivo impróprio).[21]
Nesse contexto, segundo explica o autor supracitado, os casos de ilícito omissivo próprio são equiparáveis aos atos comissivos, para efeito de responsabilidade civil do Estado. Portanto, se uma norma estabelece que é obrigatório que o agente público pratique certa ação, a omissão configura atuação ilícita e gera a presunção de formação defeituosa da vontade. O problema reside nas hipóteses de ilícito omissivo impróprio, pois o sujeito não está obrigado a agir de modo determinado e específico, sendo que a omissão não gera a presunção de infração ao dever de diligência. O Estado dispõe de uma competência genérica para atuar, sem que o direito determine a conduta específica a adotar. Em tais hipóteses, poderá consumar-se algum dano sem que tal configure uma atuação reprovável do Estado. Todavia, poderá haver casos em que caberá a responsabilização, que se verifica quando a omissão é um meio apto a gerar um resultado antijurídico.[22] Assim,
É imperioso, então, verificar concretamente se houve ou não infração ao dever de diligência especial que recai sobre os exercentes de função estatal. Se existiam elementos fáticos indicativos do risco de consumação de um dano, se a adoção de providências necessárias e suficientes para impedir esse dano era da competência do agente, se o atendimento ao dever de diligência teria conduzido ao impedimento da adoção das condutas aptas a gerar o dano – então, estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil.
Essa concepção conduz à responsabilidade civil do Estado em questão de fiscalização institucional e permanente, sempre que o exercício ordinário das competências de acompanhamento dos fatos permitir inferir a probabilidade de resultado danoso a terceiro.[23]
No caso de omissão imprópria, a responsabilização apenas surgirá se houver omissão juridicamente reprovável, consistente na infração a um dever de diligência. No caso de omissão própria, há um dever de diligência preciso e determinado, já no caso de omissão imprópria, o dever de diligência não tem conteúdo exato.
Luca Rocha Furtado levanta a questão da omissão do Estado e a teoria da reserva do possível. Sempre que houver omissão por parte do Estado no cumprimento de dever imposto pelo ordenamento jurídico, e resultar em prejuízo para particular, é possível arguir-se a responsabilidade civil do Estado? Se limitações de ordem orçamentária impedem o Estado de cumprir adequadamente suas tarefas, poder-se-ia arguir a inexistência do nexo de causalidade (dever do Estado de agir e dano dele decorrente para afastar a responsabilidade civil do Estado?) A questão básica se restringe à alegação da incapacidade financeira do Estado como fundamento para desonerá-lo do dever de dar cumprimento aos deveres constitucionais. [24]
Analisando os argumentos utilizados pelo STF no julgamento do RE 436.996, Furtado[25] explica que,
Em resumo, é possível afirmar que se for demonstrado que a impossibilidade de agir do Estado é real, que se deve à efetiva inexistência de recursos orçamentários, deve ser afastada a responsabilidade do poder público pela não prestação de serviços ou pela não realização de obras públicas. Ou seja, a teoria da reserva do possível não é totalmente afastada do nosso ordenamento e não deve ser, portanto, desconsiderada por completo nas situações em que a impossibilidade de agir do Estado se deva à absoluta incapacidade de atuação por força de limitações orçamentárias ou financeiras.
Se a inexistência dos recursos financeiros voltados à satisfação dos direitos fundamentais da população decorre, todavia, de opções “discricionárias” do poder público, em razão de os parlamentares responsáveis pela aprovação dos orçamentos e de os chefes do Executivo incumbidos da sua execução, que por motivações políticas ou administrativas podem preferir destinar os recursos públicos para outros fins, muitas vezes eleitoreiros, ou que possam ser mais facilmente desviados, não se mostra razoável afastar ou atenuar o dever do Estado de agir.
Temos, portanto, regra e exceção. A regra é a de que limitações orçamentárias não podem legitimar a não atuação do Estado no cumprimento das tarefas relacionadas ao cumprimento dos deveres fundamentais. A exceção, em que se aplica a teoria da reserva do possível, é admitida em situações em que seja demonstrada a impossibilidade real de atuação do estado em razão das limitações orçamentárias. Assim, se existem recursos públicos, mas se optou pela sua utilização em outros fins, não voltados à realização dos direitos fundamentais, não é legítima a arguição da teoria da reserva do possível.
Por fim, compete mencionar o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho, o qual cita a existência de decisões judiciais que atribuem responsabilidade civil do Estado por omissão, sem que esta tenha nexo direto de causalidade com o resultado, ou seja, omissões genéricas decorrentes das carências existentes em todas as sociedades.
Não há dúvida de que o Estado é omissivo no cumprimento de vários de seus deveres genéricos: há carências nos setores da educação, saúde, segurança, habitação, emprego, meio ambiente, proteção à maternidade e à infância, previdência social, enfim em todos os direitos sociais (previstos, aliás, no art. 6º, da CF). Mas o atendimento dessas demandas reclama a implementação de políticas públicas para as quais o Estado nem sempre conta com recursos financeiros suficientes (ou conta, mas investe mal). Tais omissões, por genéricas que são, não rendem ensejo à responsabilidade civil do Estado, mas sim à eventual responsabilização política de seus dirigentes. É que tantas artimanhas comete o Poder Público na administração do interesse público, que a sociedade começa a indignar-se e a impacientar-se com as referidas lacunas. É compreensível, portanto, a indignação, mas o fato não conduz a que o Estado tenha que indenizar toda a sociedade pelas carências a que ela se sujeita. Deve, pois, separar-se o sentimento emocional das soluções jurídicas: são estas que o Direito contempla.
São essas, portanto, as genéricas considerações acerca das distinções da responsabilidade civil por atos omissivos e comissivos.
Com a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, a culpa deixou de ser o fundamento principal da responsabilidade civil para impor o dever de indenizar. O risco passa a ser o pressuposto definidor do dever de indenizar. Portanto, o dever de ressarcir prejuízos é atribuído àquele que explore determinada atividade ou pratique determinados atos suscetíveis de causar danos a terceiros.[26]
De acordo com o §6º do art. 37 da Constituição Federal, o dever de ressarcir os prejuízos sofridos pelos particulares é atribuído às “pessoas de direito público ou de Direito Privado prestadoras de serviços públicos”.
A previsão constitucional leva em conta o risco da atividade desempenhada. A teoria objetiva se fundamenta no risco, o qual possui duas modalidades básicas no âmbito do Direito Administrativo: o risco administrativo e o risco integral. A diferença principal é o fato que a teoria do risco administrativo admite a existência de excludentes da responsabilidade civil do Estado, as quais não são admitidas na teoria do risco integral. [27]
Conforme explica Marçal Justen Filho[28], as excludentes de responsabilidade civil do Estado são: culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro, exercício regular de direito, caso fortuito ou força maior.
Deve-se ressaltar a importância do nexo de causalidade na determinação das excludentes ou atenuantes da responsabilidade do Poder Público, em face de que esse é o pressuposto que fornece os sustentáculos para que o dano seja reparado, dado o seu papel de elo de ligação com a atividade administrativa.[29]
A responsabilidade civil do Estado ocorre quando se verifica o nexo causal entre ação ou omissão do poder público e o evento danoso. Se outra atuação, outro acontecimento, provocados pela Administração, levaram ao dano, sem o vínculo ou sem o vínculo total com a atividade administrativa, poderá haver isenção total ou parcial do ressarcimento.[30]
A culpa exclusiva da vítima/particular ou de terceiro leva à conclusão de que a culpa não é totalmente irrelevante na teoria objetiva do risco administrativo, ou seja, ela não precisa ser demonstrada por aquele que pede indenização, mas se aquele contra quem se demanda demonstra que houve culpa (em sentido amplo) por parte do particular que pleiteia indenização ou por parte de terceiro, ele se exime de responsabilidade. Há inversão do ônus da prova. [31]
Quando não se identifica o culpado, o poder público é obrigado a ressarcir os danos sofridos pelo particular e não poderá agir regressivamente contra o agente público, posto que a responsabilidade civil deste último é subjetiva. Quando há culpa concorrente, apenas haverá atenuação da responsabilidade do Estado, devendo os danos serem divididos entre as partes em razão da culpabilidade de cada um deles. [32]
Com relação à culpa de terceiro, para Marçal Justen Filho[33],
Se o dano foi acarretado por conduta antijurídica alheia, não cabe a responsabilidade civil do Estado pela inexistência da infração ao dever de diligência – exceto quando a ele incumbia um dever de diligência especial, destinado a impedir a concretização de danos. Ou seja, pode-se cogitar de responsabilização civil do Estado por omissão, a depender das circunstâncias.
O exercício regular de direito pelo agente estatal também é trazido como uma causa excludente de responsabilidade civil do Estado, se tiverem sido observados todos os limites e deveres pertinentes ao dever de diligência. O autor supracitado explica que
No cumprimento de seus deveres funcionais, o agente estatal adotou todas as precauções. Se vier a se consumar um dano em relação a terceiro, não haverá dever de indenizar. Nesse caso, presume-se que o caso derivou ou da culpa exclusiva de terceiro ou de caso fortuito ou força maior. [34]
Caso fortuito e força maior são situações que afastam ou diminuem a responsabilidade estatal. Os dois institutos, quanto aos respectivos conceitos, são objeto de divergência doutrinária. Segundo Bacellar Filho[35],
...para alguns é o evento imprevisível decorrente da atividade humana, no caso, falha da máquina administrativa, e por tal característica enseja responsabilidade do Estado (ex.: explosão dos fios da rede elétrica), enquanto força maior é o evento imprevisível decorrente da ação da natureza, inevitável pelo Estado, não podendo deste modo ser propiciador da referida responsabilidade (ex.: tufão, terremoto, dilúvio, etc.).
(...)
A distinção, a bem de ver, não oferece nenhuma dificuldade. Em se tratando de caso fortuito, o traço marcante é a imprevisibilidade. Se o evento pudesse ser previsto, certamente poderia ser evitado. Já em se tratando de força maior, o que transcende é a irresistibilidade. O evento, em muitos casos, embora previsível, afigura-se inevitável por sua força maior.
Assim, detectados fatos imprevisíveis e inevitáveis, a princípio o Estado não responde. São causas excludentes da responsabilidade. Admita-se, porém, a hipótese de que, na prevenção do evento danoso, haja ação ou omissão do Estado, ou, ainda, concausas na produção do dano, o Estado haverá de responder, ainda que proporcionalmente.
Cabe mencionar a importância do nexo de causalidade na determinação das excludentes ou atenuantes da responsabilidade do Poder Público, em face de que esse é o pressuposto que fornece o sustentáculo para que o dano seja efetivamente reparado, dado o seu papel de elo de ligação com a atividade administrativa.
Para Lucas Rocha Furtado,[36] não há qualquer interesse prático em distinguir o caso fortuito da força maior, haja vista que tanto um quanto o outro importam em excludente de responsabilidade civil. Todavia, no tocante ao estudo da responsabilidade civil do Estado, resulta relevante examinar essa distinção, uma vez que somente um deles é admitido como excludente diante da omissão do Estado. Identifica-se a força maior como evento humano e o caso fortuito como evento da natureza, imprevisíveis ou, ainda que previsíveis, insuperáveis.
Mencionado autor ensina que o caso fortuito e força maior são relevantes porque diante da omissão do Estado, o evento da natureza imprevisível, ou, ainda que previsível, insuperável, não exime a responsabilidade civil do poder público. Se tiver havido omissão por parte do poder público, não obstante os danos sofridos pelos particulares decorrerem do evento da natureza, os prejuízos terão que ser ressarcidos. Por outro lado, se ocorresse solução de continuidade na prestação do serviço em razão de evento humano imprevisível ou insuperável, a força maior constituiria excludente da responsabilidade civil e a empresa concessionária não teria que ressarcir os danos sofridos pelos particulares.
Portanto, conclui-se que o caso fortuito (evento da natureza) não é aceito como excludente da responsabilidade civil das pessoas de Direito Público ou de Direito Privado prestadoras de serviço público caso tenha ocorrido omissão por parte destas pessoas.[37]
Nas palavras de Franciele Pisetta[38],
Em que pesem as divergências doutrinárias, entende-se que, para excluir a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, não é relevante o encaixe perfeito de um caso concreto em uma das hipóteses impostas de causa excludente. Na verdade e consoante já exposto, pensa-se que o ideal é a análise das peculiaridades de cada caso para verificar se aquela situação determinada provocou o completo rompimento do nexo de causalidade entre o dano e o comportamento. Se houve essa total ruptura, não haverá a responsabilização; se não houver, é indiscutível a ocorrência do dever de indenizar. (grifo nosso)
Portanto, as causas que rompem o nexo causal são causas excludentes da responsabilidade civil do Estado.
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[1] JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 226.
[2] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade civil da Administração Pública – aspectos relevantes. A Constituição Federal de 1988. A questão da omissão. Uma visão a partir da doutrina e da jurisprudência brasileiras. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 297.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Responsabilidade civil das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 137.
[4]PISETTA, Francieli. Responsabilidade civil das prestadoras de serviço público: um enfoque sobre o não usuário. São Paulo: LTR, 2013, p. 33.
[5]JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 228-229.
[6] Ibid., 229.
[7]JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 229.
[8]Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 531.
[9] Ibid., p. 531-532.
[10] Ibid., p. 532-533.
[11]JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 229.
[12]Ibid., 2006, p. 232-233.
[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Responsabilidade civil das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p.137.
[14] JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 229-230.
[15]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.p. 529-530.
[16] Mostra-se oportuno mencionar que esta é a regra geral, porém, tal entendimento tem sido flexibilizado pelo STF em julgamentos como os da Ação Cível Originária n. 765 - RJ. Neste julgamento, o Min. Menezes Direito, em voto vencedor, fez uso da distinção entre as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (C.F., art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, § 6º).
[17] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. In: Interesse Público – IP.Belo Horizonte, n. 6, ano 2 Abril/Junho 2000. Disponível em: www.bidform.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=51629. Acesso em: 18 out. 2013, p. 22-23.
[18]Id.
[19]JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1224.
[20]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 538.
[21] JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1232.
[22] Ibid., p. 1234-1235.
[23]JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1234.
[24] FURTADO, 2007, p. 1033.
[25] Ibid., p. 1033-1034.
[26] FURTADO, 2007, p. 1.006.
[27] Ibid., p. 1007.
[28] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1237.
[29] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. In: Interesse Público – IP.Belo Horizonte, n. 6, ano 2 Abril/Junho 2000. Disponível em: www.bidform.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=51629. Acesso em: 18 out.2013, p. 47.
[30] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 372.
[31] FURTADO, 2007, p. 1008.
[32] Ibid., p. 1008-1009.
[33] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1240.
[34]JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1240.
[35]BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. In: Interesse Público – IP. Belo Horizonte, n. 6, ano 2 Abril/Junho 2000. Disponível em: www.bidform.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=51629. Acesso em: 18 out.2013, p. 46-47.
[36] FURTADO, 2007, p. 1009-1011.
[37] FURTADO, 2007, p. 1011.
[38] PISETTA, 2013, p. 56.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Aspectos gerais sobre a responsabilidade civil do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41724/aspectos-gerais-sobre-a-responsabilidade-civil-do-estado. Acesso em: 23 dez 2024.
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