O Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10 de julho de 2001), em seu art. 8º, regulamentou o instituto da desapropriação, disposto no inciso III, § 4º, do art. 182 da Constituição Federal[1], da seguinte maneira:
Art. 8º. Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
Essa espécie de desapropriação, decorrente do descumprimento da função social da propriedade urbana, é chamada pela doutrina de “desapropriação-sanção” ou “desapropriação urbana sancionatória”.
Nesse caso, a desapropriação é prevista como um instrumento de política urbana. Essa espécie de instituto traz dois aspectos importantes: primeiramente, diz respeito à restrição ao direito fundamental da propriedade por institutos antecedentes e, segundo, quanto à forma de pagamento.
No tocante ao direito de propriedade, é indispensável mencionar que este não se revela absoluto, podendo, como é o caso, ser limitado se o bem não se prestar ao cumprimento de sua função social. Quando se tratar da propriedade urbana, acarretará as medidas previstas no Estatuto, quais sejam, parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo e, por fim, a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida publica.
Dentre os institutos supra, a desapropriação é certamente o mais drástico, visto traduzir-se a mesma na transferência compulsória de um bem do patrimônio particular para o patrimônio público municipal ou para outro particular, mediante reposição financeira em médio prazo e sem qualquer expectativa de ganho ou lucro.
A conceituação do instituto em muito se assemelha à desapropriação tradicional. No entanto, o traço distintivo gira em torno dos fins a que se destina e da forma de pagamento.
Com efeito, em matéria de direito urbanístico, a desapropriação tem por escopo a conformação da propriedade privada ao planejamento da cidade, ora porque determinado bem imóvel encontra-se em área integrante de projeto de urbanização, ora porque seu proprietário está remisso no cumprimento da função social que lhe é atribuída legalmente.
De fato, já é assente na disciplina da propriedade em geral, que esta não mais detém o caráter absoluto de outrora. Ao contrário, se lhe atribui hoje uma finalidade de produzir riquezas para o crescimento e o desenvolvimento da coletividade. Não é diferente com a propriedade urbana. Esta não pode ser utilizada ao bel-prazer do seu titular ou ser mantida inerte com objetivos egoísticos de mera especulação imobiliária. O imóvel urbano deve fazer parte de um projeto maior, adequar-se ao bem-estar, ao interesse da coletividade.
Assim é que a desapropriação para fins de reforma urbana torna-se instrumento imprescindível do administrador municipal para penalizar o proprietário negligente, atribuindo ao bem o seu aproveitamento adequado.
A finca social da propriedade urbana está vinculada ao conteúdo dessas políticas de planejamento e ordenação urbana, que são delimitadas e especificadas no denominado Plano Diretor Municipal.
A desapropriação, por ser medida extremamente invasiva, só poderá ser utilizada em casos previamente definidos pelo legislador municipal.
No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello:
À luz do Direito Positivo brasileiro, desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos das dívidas públicas, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real ( MELLO, 2001, p. 711-712).
Após a desapropriação, o Município terá cinco anos para promover a adequação do bem desapropriado à sua verdadeira função social, podendo ser feita por etapas. Caso não seja cumprida tal exigência, o administrador incorrerá em improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429/92, podendo, ainda, haver retrocessão com o antigo dono no intuito de reaver sua propriedade.
No que diz respeito às críticas a essa modalidade de desapropriação, argumenta-se que é razoável facultar ao poder público meios e instrumentos adequados para atingir ao interesse coletivo.
Por si só, a desapropriação para fins urbanísticos é uma sanção àquele proprietário que tem seu imóvel gravado pelo IPTU progressivo. Contudo, o proprietário só será atingido pela ”desapropriação-sanção” depois de sofrer a cobrança por cinco anos seguidos do IPTU progressivo no tempo, sem que o proprietário utilize o imóvel, edifique ou parcele de forma adequada.
O procedimento da desapropriação se iniciará com a expedição do decreto expropriatório, declarando o interesse social da área, demonstrando o cumprimento dos precedentes examinados.
Isto porque, o decreto é ato imediato do chefe do Poder Executivo Municipal, diferentemente do IPTU, que é ato continuado, extensivo no tempo. Assim, uma vez deflagrada a desapropriação, não há que se falar em suspensão da mesma.
Para caracterizar as hipóteses que atrairão as sanções, a lei deverá fixar índices que indiquem o mínimo de aproveitamento descumprido, fixando condições e prazos para sua adequação. Deverá, ainda, o Poder Público demonstrar que notificou pessoalmente o proprietário, averbando a notificação no registro imobiliário. Continuadamente, deverá o Município impor o IPTU progressivo, majorando alíquota no prazo de cinco anos. Somente depois é que se procederá a “desapropriação-sanção”.
No que tange à indenização nesta espécie de desapropriação, pode-se dizer que esta desapropriação possuirá como pressuposto o ressarcimento do expropriado mediante o pagamento de indenização.
O ápice do instituto da desapropriação se consuma com a indenização, entendida esta como exigência que se impõe como forma de buscar o equilíbrio entre o interesse público e o privado; o particular perde a propriedade e, como compensação, recebe o valor correspondente ao dinheiro.
Consoante mandamento constitucional, deve a indenização ser justa, para que se evite enriquecimento ilícito de uma das partes. A desapropriação, segundo ensinamentos doutrinários:
(...) que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como, também, os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio. Se o bem produzia renda, essa renda há de ser computada no preço, porque não será justa a indenização que deixe qualquer desfalque na economia do expropriado. Tudo que compunha seu patrimônio e integrava sua receita há de ser reposto em pecúnia no momento da indenização; se o não for, admite pedido posterior, por ação direta, para complementar-se a justa indenização. Á qual inclui, portanto, o valor do bem, suas rendas, danos emergentes e lucros cessantes, além dos juros compensatórios (12% ao ano) e moratórios (6% ao ano), despesas judiciais, honorários advocatícios e correção monetária ( MEIRELLES, 2002, p. 585).
Entretanto, quando ocorre “desapropriação-sanção”, a indenização estará sujeita a peculiaridades exatamente pelo caráter sancionatório ora mencionado.
Os instrumentos constitucionais de natureza coercitiva, em especial a desapropriação para fins urbanísticos, idealizados com vistas à efetivação da função social da propriedade urbana, representam papel essencial, singular, de suma importância, na difícil tarefa de adequar o perfil das cidades às necessidades básicas daqueles que nela vivem.
Tais instrumentos determinam e exigem do proprietário a utilização social de sua propriedade, a ponto de retirar-lhe o exercício de tal direito, pela desapropriação, caso este se comporte de forma recalcitrante.
Referências
BRASIL. Estatuto da Cidade (2001). Estatuto da cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
LEME, Paulo Affonso. Direito Ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo:Malheiros.2003.
MEDAUAR, Odete; Almeida, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da Cidade, Lei 10.287/2001: comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1996
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MENDES, Vicente de. A indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
MORAES, José Diniz de, A Função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. 1ª ed. São Paul: Malheiros, 1999 .
[1] Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
(…)
§4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:
(…)
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, asseguradas o valor real da indenização e os juros legais.
PROCURADOR FEDERAL lotado na Procuradoria Federal em Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Bruno Di Fini. A Desapropriação-sanção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41727/a-desapropriacao-sancao. Acesso em: 23 dez 2024.
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