A ideia de serviço público está intimamente conectada à função do Estado, ou seja, ao motivo de sua existência e o seu papel na sociedade. Para a materialização do bem comum, o Estado, ao realizar a atividade administrativa, presta serviço público.[1]
Quando o Estado começou a se afastar dos princípios do Liberalismo Clássico e, sob a justificativa de atender com maior presteza aos reclamos de seus administrados, passou a interferir mais diretamente no exercício de determinadas atividades comerciais e industriais, consideradas até então como exclusivas da órbita privada, a análise do tema ganhou maior relevância. Paralelamente, o Estado percebeu que não dispunha de organização adequada para a execução de todos os serviços que lhe competia realizar e, consequentemente, passou a delegar sua execução a particulares.[2]
Atualmente, impulsionado por contextos sócio-político-econômicos específicos, o Estado pode centralizar a execução de todos os serviços públicos, tanto os considerados essenciais à manutenção do próprio Estado e do corpo social como também aqueles entendidos como necessários, úteis ou oportunos aos interesses dos administrados. Ainda, pode ser levado por imperativos de segurança nacional ou interesses coletivos, ou transferir a execução desses mesmos serviços e atividades a pessoas jurídicas de direito privado ou a entidades por ele criadas ou autorizadas para esse fim.[3]
Deve-se verificar que,
A crise do Estado, o fortalecimento da globalização e a dinâmica das novas conquistas tecnológicas possibilitaram a concorrência em mercados até então monopolizados, o que inclui os serviços públicos. Esta realidade está refletida na onda de privatização, na quebra dos monopólios estatais e em diversos textos legislativos.[4]
A erosão da capacidade de prestação de serviços públicos, em função da inexistência de recursos para atender às demandas sociais com um mínimo de eficiência aceitável, levou a assunção de serviços públicos pela iniciativa privada, o que enseja uma reformulação de antigas noções, a fim de adaptar esses serviços aos novos tempos e ao modelo concorrencial. [5]
A Constituição Federal de 1988, no caput do art. 175, prevê:“Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”
A expressão “serviço público” é empregada em múltiplos sentidos, sendo definido de diversas maneiras pela doutrina. Para Celso Antônio Bandeira de Mello,
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. [6]
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, define serviço público como
...toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.[7](negrito do autor)
José dos Santos Carvalho Filho, após transcrever diversos conceitos doutrinários, esclarece que
....o conceito deve conter os diversos critérios relativos à atividade pública. De forma simples e objetiva, conceituamos serviço público como toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade.[8](negrito do autor)
Verifica-se, pois, que há três pontos de convergência nos conceitos apresentados: atividade estatal, prestada pelo Estado ou por seus delegados, necessidade da coletividade e regime de direito público, total ou parcialmente. [9]
Considerando a existência de inúmeras classificações, foram selecionadas apenas as classificações propostas por dois renomados autores.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[10], em sua obra “Direito Administrativo”, explica que vários critérios têm sido adotados para classificar os serviços públicos. Serviços públicos próprios são aqueles que, atendendo a necessidades coletivas, o Estado assume como seus e os executa diretamente, por meio de seus agentes, ou indiretamente, por meio de concessionários e permissionários.
Por sua vez, serviços públicos impróprios são os que, embora atendendo também a necessidades coletivas, não são assumidos nem executados pelo Estado, seja direta ou indiretamente, mas por ele autorizados, regulamentados e fiscalizados. Correspondem a atividades privadas e recebem impropriamente o nome de serviço público, porque atendem a necessidades de interesse geral. Exemplo: os serviços prestados por instituições financeiras e os de seguro e previdência privada. São atividades privadas, mas que dependem de autorização do poder público.
Quanto ao objeto, segundo a autora podem ser administrativos, comerciais ou industriais e sociais. Os administrativos são aqueles executados para atender às necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, como os da imprensa oficial. Já os comerciais ou industriais são aqueles que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para atender às necessidades coletivas de ordem econômica, aplicando-se o art. 175 da Constituição, que determina a execução direta pelo Estado ou indireta por meio de concessão ou permissão. É o caso dos serviços de transporte, energia elétrica, por exemplo. Não se confundem com aqueles que faz referência o art. 173 da Constituição, ou seja, não se confundem com a atividade econômica que só pode ser prestada pelo Estado em caráter suplementar da iniciativa privada.
O serviço público social é o que atende a necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, mas que convivem com a iniciativa privada, tal como ocorre com o serviços de saúde, educação, previdência, cultura, meio ambiente. Estes são tratados na Constituição no capítulo da ordem social e objetivam atender aos direitos sociais do homem, considerados direitos fundamentais pelo art. 6º da Constituição.
Quanto à maneira como concorrem para satisfazer ao interesse geral, os serviços pode ser: uti singulie uti universi. Uti singulisão aqueles que têm por finalidade a satisfação individual e direta das necessidades dos cidadãos. Entram nessa categoria determinados serviços comerciais e industriais do Estado, como energia elétrica, luz, gás, transportes, e de serviços sociais, como ensino, educação, saúde e previdência social. Por sua vez, os serviços uti universisão prestados à coletividade, mas usufruídos apenas indiretamente pelos indivíduos. Como exemplo, serviços diplomáticos, serviços administrativos prestados internamente pela Administração, trabalhos de pesquisa científica, iluminação pública, defesa do país.
Outra classificação é a que divide os serviços públicos em originários ou congênitos e derivados ou adquiridos. Os originários ou congênitos são as atividades essenciais do Estado e os derivados ou adquiridos são as atividades facultativas. A autora explica que essa classificação foi trazida por Caio Tácito e corresponde à que Helly Lopes Meirelles faz entre serviços públicos e serviços de utilidade pública.
O último critério de classificação, na visão de Di Pietro, é o que considera os serviços públicos exclusivos, previstos na Constituição Federal, tais como o serviço postal, correio aéreo, telecomunicações, radiodifusão, e os não exclusivos do Estado, os quais podem ser prestados pelo Estado ou particulares, como saúde, educação, previdência social, os quais se sujeitam a controle e autorização do Estado.
José dos Santos Carvalho Filho[11] ressalva a diversidade de classificações existentes na doutrina e esclarece que a importância das classificações está em se agrupar, com precisão, serviços públicos diversos, levando-se em conta e extensão, o âmbito de incidência, a natureza, etc. Referido autor divide em: serviços delegáveis e indelegáveis, administrativos e de utilidade pública, coletivos e singulares, sociais e econômicos.
Os serviços delegáveis são aqueles que comportam ser executados pelo Estado ou por particulares. Já os indelegáveis só podem ser prestados pelo Estado diretamente, ou seja, por seus próprios órgãos ou agentes. São os inerentes ao Poder Público centralizado e a entidades autárquicas e fundacionais e, em virtude de sua natureza específica, não podem ser transferidos a particulares, para segurança do próprio Estado.
Serviços administrativos são aqueles que o Estado executa para compor melhor sua organização, como o que implementa centro de pesquisa ou edita a imprensa oficial para a divulgação dos atos administrativos. Já os serviços de utilidade pública se destinam diretamente aos indivíduos, ou seja, são proporcionados para sua fruição direta, como energia domiciliar, fornecimento de gás, atendimento em postos médicos, etc.
Serviços Coletivos (uti universi), prestados a grupamentos indeterminados de indivíduos, como pavimentação de rua, iluminação pública. São prestados de acordo com as conveniências e possibilidades administrativas, não tendo os indivíduos direito subjetivo próprio para sua obtenção. Serviços singulares (uti singuli) se preordenam a destinatários individualizados, sendo mensurável a utilização por cada um dos indivíduos, como energia domiciliar, linha telefônica. Esses criam direitos subjetivos quando o indivíduo se mostra em condições técnicas de recebe-los, sob pena de ferir o princípio da impessoalidade, previsto no art. 37 da Constituição Federal.
Por fim, Carvalho Filho cita os serviços sociais e econômicos. Sociais são os que o Estado executa para atender aos reclamos sociais básicos e representam ou uma atividade propiciadora de comodidade relevante, ou serviços assistenciais e protetivos. Como exemplo, temos os serviços de assistência à criança e ao adolescente; assistência médica e hospitalar, assistência educacional, apoio a regiões menos favorecidas; assistência a comunidades carentes, etc. Já os serviços econômicos são aqueles que, por sua possibilidade de lucro, representam atividades de caráter mais industrial ou comercial. A própria Constituição o permite quando para atender a relevante interesse coletivo ou a imperativo de segurança nacional (art. 173, CF). Em outras ocasiões, reserva-se ao Estado o monopólio de certo segmento econômico, como é o caso da exploração de minérios e minerais nucleares (art. 177, CF). Há ainda os casos que a Constituição expressa hipóteses em que confere competência para a prestação desse tipo de serviço, como é o caso da energia elétrica (art. 21, XII, “b”, CF).
Várias são as classificações de serviços públicos. Praticamente cada autor possui a sua, sendo que muitas são semelhantes.
Verifica-se, pois, a possibilidade da prestação de serviços públicos por particulares em colaboração com o Estado, o que configura a delegação de tal serviço, conforme o esquema constitucional e legal concernente à prestação de serviços públicos.
Celso Antônio Bandeira de Mello[12] ensina que não se deve confundir a titularidade do serviço com a titularidade da prestação do serviço, sendo realidades jurídicas totalmente diversas.
O Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é o titular do serviço público, mas isso não significa que deve obrigatoriamente prestá-los por si ou por criatura sua quando detenha sua titularidade exclusiva. Na maioria dos casos, estará apenas obrigado a discipliná-lo e a promover-lhes a prestação. Transcrevemos:
Assim, tanto poderá prestá-los por si mesmo como poderá promover-lhes a prestação conferindo a entidades estranhas ao seu aparelho administrativo (particulares e outras pessoas de direito público interno ou da administração indireta delas) titulação para que os desempenhem, isto é, para que os prestem segundo os termos e condições que fixe e, ainda assim, enquanto o interesse público aconselhar tal solução (sem prejuízo do devido respeito aos interesses econômicos destes terceiros que sejam afetados com a retomada do serviço). Ou seja, poderá conferir “autorização”, “permissão” ou “concessão” de serviços públicos (que são as expressões constitucionalmente utilizadas) para que sejam efetuados por tais pessoas.[13]
Mostra-se possível, portanto, que os serviços públicos sejam prestados por pessoas diversas dos entes federados aos quais a Constituição Federal de 1988 atribuiu a titularidade, o que configura a prestação descentralizada do serviço público. Deve-se ressaltar, contudo, que o Estado nunca abdica do dever de controle sobre a prestação do serviço.
José dos Santos Carvalho Filho[14] faz a diferenciação entre serviços centralizados, descentralização territorial, institucional e desconcentração:
Descentralização é o fato administrativo que traduz a transferência da execução de atividade estatal a determinada pessoa, integrante ou não da Administração. Dentre essas atividades inserem-se os serviços públicos. Desse modo podem-se considerar dois tipos de serviços quanto à figura de quem os presta – os serviços centralizados (os prestados em execução direta pelo Estado) e os serviços descentralizados (prestados por outras pessoas).
A descentralização admite duas modalidades. A descentralização territorial encerra a transferência de funções de uma pessoa federativa a outra, ou também do poder central a coletividades locais. Já a descentralização institucional representa a transferência do serviço do poder central a uma pessoa jurídica própria, de caráter administrativo, nunca de cunho político.
É importante, ainda, não confundir a descentralização com o que a doutrina denomina de desconcentração. Aquela implica a transferência do serviço para outra entidade. A desconcentração, que é processo eminentemente interno, significa apenas a substituição de um órgão por dois ou mais como objetivo de melhorar e acelerar a prestação do serviço. Note-se, porém, que na desconcentração o serviço era centralizado e continuou centralizado, pois que a substituição se processou apenas internamente. Em algumas ocasiões tem havido confusão no emprego dessas figuras, e isso se explica pelo fato de que, quando se desconcentra, procede-se, em última análise, a uma descentralização. Cuida-se, porém, de fenômenos diversos, já que na desconcentração ocorre mero desmembramento orgânico. (negrito no original)
Ainda, é possível que ocorra a figura inversa, ou seja, a centralização e a concentração. Aquela ocorre quando o Estado retoma a execução do serviço, passando a prestá-lo diretamente; nesta, dois ou mais órgãos internos são agrupados em apenas um, que passa a ter a natureza de órgão concentrador. A centralização é o fundamento de que a delegação só atinge a execução do serviço, pois a qualquer momento, dependendo das condições administrativas, poderá ser extinta a delegação.[15]
Por meio da delegação, notadamente via concessão ou permissão, é que se viabiliza a execução dos serviços públicos por pessoas jurídicas de direito privado.[16]
Referências Bibliográficas
CARRASQUEIRA. Simone de Almeida. Revisando O Regime Jurídico das Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público. In: Direito Administrativo. Marcos Juruena Villela Souto (Coordenador-Geral). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, 309.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.15. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2004.
PISETTA, Francieli. Responsabilidade civil das prestadoras de serviço público: um enfoque sobre o não usuário. São Paulo: LTR, 2013, p.17.
ROLIM, Luiz Antonio. A Administração Indireta, as Concessionárias e Permissionárias em Juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
[1] PISETTA, Francieli. Responsabilidade civil das prestadoras de serviço público: um enfoque sobre o não usuário. São Paulo: LTR, 2013, p.17.
[2] ROLIM, Luiz Antonio. A Administração Indireta, as Concessionárias e Permissionárias em Juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 29-30.
[3] Ibid., p. 30.
[4] CARRASQUEIRA. Simone de Almeida. Revisando O Regime Jurídico das Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público. In: Direito Administrativo. Marcos Juruena Villela Souto (Coordenador-Geral). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 256.
[5] CARRASQUEIRA, 2006, p. 256.
[6] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2004,
p. 632.
[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 99.
[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, 309.
[9] PISETTA, 2013, p. 19.
[10] DI PIETRO, 2003, p. 103-107.
[11]Carvalho Filho,p. 311-313.
[12] MELLO, 2004, p. 641-642.
[13]Ibid., p. 642.
[14]Carvalho Filho, p. 328-329.
[15]Carvalho Filho,p. 329.
[16] PISETTA, 2013, p. 27.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Serviço público: aspectos gerais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41870/servico-publico-aspectos-gerais. Acesso em: 23 dez 2024.
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