Resumo: O presente artigo realiza breves apontamentos sobre a intervenção do Estado na ordem econômica, com destaque para a atuação reguladora nos combate do truste e do dumping.
Palavras chave: Estado, regulador, truste, dumping.
Sumário: 1. Introdução. 2. Formas de atuação do Estado. 3. O dumping e truste. 4. Semelhanças e diferenças na atuação antitruste e antidumping do Estado. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A Constituição da República de 1988 é cristalina ao consignar no artigo 170, caput, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, o que faz com que a livre iniciativa seja elevada pelo Texto Constitucional como um dos princípios reitores da ordem econômica e financeira, que também é pautada no princípio da livre concorrência.
Todavia, a livre iniciativa deve ser interpretada à luz de todos os demais princípios insculpidos na Constituição Cidadã de 1988, não podendo ser baseado somente no liberalismo econômico difundido por Adam Smith.
Ora, o laissez faire, laissez passer de Adam Smith foi criado com o escopo de atender aos anseios da recente classe burguesa, que foi bastante fortalecida com o crescimento vertiginoso do sistema capitalista. Para a teoria do liberalismo econômico, o Estado não deve fazer qualquer intervenção na economia, pois o mercado é livre, racional e tem plenas condições para se autorregular.
Contudo, na prática, referida teoria produziu efeitos devastadores àqueles não detentores de capital. Nesse sentido, é o magistério de José dos Santos Carvalho Filho[1]:
A pretensa liberdade na ordem econômica conferida pelo Estado aos indivíduos surtiu efeito contrário, revelando-se forma de alargar os abismos entre as classes sociais e tornando o pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais abastado. A liberdade para as classes desfavorecidas transformou-se em escravidão. Definitivamente, o Estado não poderia ficar indiferente aos crescimentos das desigualdades sociais.
Destarte, mostrou-se a necessidade do Estado intervir na ordem econômica, papel que hoje é comumente desenvolvido por meio das políticas antitruste e antidumping previstas no ordenamento jurídico brasileiro.
2. Formas de atuação do Estado
Pela intervenção na ordem econômica, o controle estatal pode ser exercido por meio de duas formas básicas, quais sejam: Estado Regulador e Estado Executor.
Sob a roupagem de Estado Regulador, cabe ao ente estatal utilizar de sua autonomia normativa para editar normas regulamentares da atividade econômica desenvolvida pelos particulares, tal qual dispõe o art. 174 da Carta Política de 1988, in verbis:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
Assim, com vistas a combater os possíveis abusos econômicos, dentre os quais se inserem a dominação dos mercados (dumping) e a eliminação da concorrência (truste), o Estado possui o poder-dever para intervir e regulamentar a ordem econômica.
Noutra vertente, como Estado Executor, compete-lhe desenvolver atividades econômicas que, a princípio, seriam de atribuição dos particulares. Todavia, o exercício da atividade econômica deve ser fundada no interesse da coletividade e desempenhada com o objetivo de resguardar os princípios consagrados no art. 170, da Carta Magna de 1988.
3. O dumping e truste
Em razão da livre iniciativa e da livre concorrência, a regra é que o Estado não intervenha na seara econômica, salvo se ficar caracterizado comportamento abusivo do poder econômico, oportunidade na qual o Estado Regulador deverá agir para garantir a regularidade das relações.
O dumping é caracterizado como um abuso de caráter internacional praticado por determinada empresa, que, em razão do recebimento de incentivos fiscais de seu país, pode exportar produtos a preços excessivamente inferiores aos praticados no comércio internacional, causando prejuízos à indústria doméstica.
Nesse passo, o artigo 7º, do Decreto 8.058/13, que regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping, prescreve que “para os efeitos deste Decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um produto no mercado doméstico brasileiro, inclusive sob as modalidades de drawback, a um preço de exportação inferior ao seu valor normal”.
Por sua vez, consoante José dos Santos Carvalho Filho[2], o truste é “a forma de abuso do poder econômico pela qual uma grande empresa domina o mercado e afasta seus concorrentes, ou os obriga seguir estratégia econômica que adota. É uma forma impositiva do grande sobre o pequeno empresário”.
Como forma de repressão à dominação de mercado, o artigo 36, da Lei 12.529/11, que estrutura o sistema brasileiro de defesa da concorrência, especifica as seguintes infrações:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
Portanto, o truste é um tipo de estrutura em que uma empresa, já detendo a maior parte de um mercado, atua para assegurar esse controle sobre os pequenos empresários, malferindo o princípio da livre concorrência.
4. Semelhanças e diferenças na atuação antitruste e antidumping do Estado
A interação entre as medidas antidumping e antitruste, as quais se destinam à defesa da concorrência, é tão evidente quanto polêmica. Do ponto de vista legal, as regras antidumping ensejam práticas proibidas pela lei antitruste, tais como: acordos de preços, restrições quantitativas de comércio e punição a certos tipos de diferenciações de preços que são justificáveis sob as regras antitruste.
Sob a ótica econômica, os dois instrumentos perseguem objetivos diferentes que podem levar a situações conflitantes, posto que o antidumping é instrumento de defesa comercial dirigido a indústrias prejudicadas pelas importações, ao passo que o antitruste desempenha importante papel na regulação interna dos mercados, para promover o bem estar do consumidor e a eficiência produtiva.
Longe de alcançar um termo consensual definitivo, a controvérsia já produziu o efeito de encorajar, no seio dos governos nacionais, um movimento no sentido de se usar com mais parcimônia esse instrumento de defesa comercial, consubstanciado no esforço de evitar conflitos internos entre o emprego do antidumping e a advocacia da defesa da concorrência. Nesse contexto, estão presentes no âmbito da legislação antidumping conceitos que possibilitam a consideração de aspectos inerentes ao ambiente competitivo, a par da utilização de análises econômicas que avaliem os possíveis efeitos da aplicação das medidas sob a ótica da concorrência.
No cotejo entre as políticas interventivas do Estado no domínio econômico, pode-se afirmar que elas visam à promoção de um comércio justo, pelo qual tanto os direitos dos consumidores, quanto os direitos das empresas, são respeitados sem abuso. Assim sendo, tanto o antitruste, quanto o antidumping, objetiva a manutenção do equilíbrio econômico que, na primitiva visão dos liberalistas, deveria ser desempenhado pela própria economia e não pelo Estado.
Em que pese os dois institutos destinarem-se ao alcance do comércio justo, as políticas antidumping desenvolvidas tem como foco específico tutelar as empresas nacionais destituídas de incentivo fiscal e econômico, o que lhes acarretam a perda da capacidade competitiva frente às indústrias internacionais.
Por outro lado, as políticas antitruste miram, basicamente, a proteção do consumidor contra os abusos econômicos, isto é, buscam assegurar o respeito ao interesse geral e coletivo da livre concorrência.
Desse modo, o antidumping é um dos instrumentos de defesa comercial das empresas nacionais, enquanto o antitruste é um meio de defesa da concorrência. Por isso, é correto afirmar que o dano causado pelo dumping recai sobre a quantidade de produtos comercializados pelas empresas nacionais, que sofrem queda brusca em relação aos produtos importados.
Noutra vertente, no truste, a análise do dano não se pauta na queda das vendas das empresas nacionais, mas no dano aos consumidores brasileiros que sofrem graves lesões em seus direitos de concorrência.
Assim, deflui-se que a legislação antidumping preocupa com a proteção dos produtores domésticos contra a concorrência desleal das importações, ao passo que as leis antitruste almejam a proteção de concorrência para beneficiar o consumidor.
5. Conclusões
A fragilidade observada no antidumping pode ser, ao menos em parte, atribuída à relevante interação existente entre as políticas de comércio exterior e as de defesa da concorrência.
No esteio de referida interação, medidas antidumping e medidas antitruste apresentam pontos conflitantes do ponto de vista legal e econômico, uma vez que, sob a ótica de cada uma, sobrevêm alternâncias de proibições ou permissões de práticas respectivamente proibidas ou permitidas pela outra, além de visões diferentes no que diz respeito, especificamente, à questão do papel das importações na economia, já que estas são passíveis de serem consideradas, simultaneamente, como ameaça (sob a ótica do antidumping) ou necessidade (sob a ótica da concorrência).
A interação controversa entre os institutos mencionados tem ensejado debates nos meios acadêmicos e especializados, bem como iniciativas nos ambientes governamentais na tentativa de reconciliar seus pontos de divergência.
Hodiernamente, tal situação já produziu uma espécie de consenso em torno do princípio da primazia das leis de concorrência sobre o antidumping, principalmente entre algumas das maiores economias do mundo, como os Estados Unidos da América, Canadá e União Europeia.
6. Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 de novembro de 2014.
______. Decreto 8.058, de 26 de julho de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8058.htm>. Acesso em 17 de novembro de 2014.
______. Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm#art127>. Acesso em 17 de novembro de 2014.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 7ª. ed. Malheiros: São Paulo, 2002.
JOSÉ DOS SANTOS, Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 15. ed. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2006.
MEDAUAR, Odete. Coletânea de Legislação Administrativa. 3ª. Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003.
[1] Manual de Direito Administrativo. 20. ed. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2008, p. 847/848.
[2] Op. Cit. p. 857.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Especializando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Luís Henrique Assis. As políticas antitruste e antidumping como instrumentos de regulação da ordem econômica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41904/as-politicas-antitruste-e-antidumping-como-instrumentos-de-regulacao-da-ordem-economica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Luis Carlos Donizeti Esprita Junior
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Roberto Carlyle Gonçalves Lopes
Precisa estar logado para fazer comentários.