Resumo: O presente artigo aborda a utilização das chamadas válvulas de escape como instrumento atuante no sentido de manter o equilíbrio e propiciar o desenvolvimento da estrutura econômica em sede de concentração empresarial
Palavras chave – concentração empresarial, eficiências, válvulas de escape, concorrência-meio.
Sumário – I. Introdução; II Concentração empresarial e as eficiências; III. Conclusões; IV. Referências bibliográficas.
I – Introdução
A defesa da ordem concorrencial deve ser levada a efeito no sentido de que a estrutura econômica do mercado produtivo realize uma maior e melhor produção, circulação e consumo de bens e serviços com o menor esforço e custo possível, a fim de serem conciliados interesses que vão desde os consumidores, passando pelo Estado até se chegar nas empresas – agentes da atividade produtiva. Nesse contexto, ingressa a ideia de eficiências.
II – Concentração empresarial e as eficiências
Segundo a concepção explicitada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica:
“Entende-se por eficiências aquelas reduções de custos de qualquer natureza, estimáveis quantitativamente e intrínsecas ao tipo de operação de que se trata, que não poderiam ser obtidas apenas por meio de esforço interno.” [1]
A eficiência em sede de concentração empresarial - erigida à categoria de princípio fundamental da estrutura concorrencial diante da sua dimensão e importância – está prevista no art. 36, § 1º da Lei nº 12.529/11 ao estabelecer que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação aos seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do respectivo artigo.
Nesse aspecto, o poder econômico privado, ainda que existente no mercado concorrencial, não é capaz de despontar como elemento contrário à lei na medida em que ingressa na estrutura do negócio jurídico concentracional como condição apta a conferir validade e eficácia. Assim, segundo Calixto Salomão Filho:
“A eficiência aparece aí como excludente absoluta da ilicitude. O poder no mercado, mesmo existente, é incapaz de caracterizar a figura ilícita da dominação do mercado quanto obtido em função de maior eficiência.” [2]
Outra menção à eficiência está no artigo 88, § 6º, “c” da Lei nº 12.529/11 ao autorizar o CADE a manifestar-se favoravelmente à aprovação dos atos que tenham por objetivo propiciar cumulada ou alternativamente, o aumento da produtividade, a melhora da qualidade de bens e serviços ou propiciar eficiência e desenvolvimento tecnológico ou econômico.
Apesar de não ingressar como excludente da ilicitude, esses fatores, à semelhança do anterior, representam condição apta a conferir validade e eficácia ao negócio jurídico concentracional, de modo que será legítimo o ato de concentração empresarial quando parte relevante dos benefícios dele decorrente sejam repassados aos consumidores.
Por conseguinte, não se apresentam passíveis de aprovação os negócios jurídicos concentracional que implique na eliminação da concorrência ou de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços uma vez que a tutela antitruste não pode convalidar atos que impliquem na formação de monopólios ou acarretem a concentração do poder econômico nas mãos de poucos agentes encarregados da atividade produtiva (artigo 88, § 5º da Lei nº 12.529/11).
Aponte-se, no entanto, que poderão ser autorizados os negócios jurídicos quando observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados (artigo 88, § 6º, da Lei nº 12529/11). Nesse sentido, esclarece a doutrina:
“... não resta dúvida de que a concorrência, coerentemente interpretada com a livre iniciativa, ou seja, um mercado concorrencial, é o valor supremo tutelado pela legislação antitruste. Todavia, a eficiência econômica há de ser levada em conta até pelo objetivo que a ordem econômica constitucional se propõe atingir, qual seja, a justiça social, prevista no caput do art. 170 da Constituição Federal. As noções de eficiência e de concorrência não podem por isso, ser conflitantes. Ao contrário, em regra, é a própria concorrência que induz à eficiência. Por isso, integrações que buscam eficiências devem ser consideradas positivas para o mercado, desde que observados os limites dados pela lei. No entanto, nos casos em que houver conflito entre os objetivos do setor eficiência e os do setor competitivo, há que se estar atento para não se sacrificar a concorrência em nome da eficiência.” [3]
A utilização de expedientes do tipo válvulas de escape[4] é prática comum na defesa da concorrência e tem por escopo manter o equilíbrio e propiciar o desenvolvimento da estrutura econômica. Na expressão de Paula Forgioni:
“as legislações antitruste, quer no enunciado de suas normas, quer em seu processo de aplicação, contêm instrumentos destinados a evitar que a tutela da livre concorrência venha a desempenhar uma função oposto à desejada, criando, por exemplo, obstáculos ao crescimento da indústria nacional, ao aumento de seu grau de competitividade ou ainda à distribuição dos bens e serviços.(...) Decorre, daí, a necessidade de flexibilização do texto normativo, destinada a adequá-lo à mutável realidade em que se insere. (...) É necessário, então, que a Lei Antitruste contenha meios técnicos que permitam à realidade permear o processo de interpretação/aplicação das normas nela contidas. A estes meios técnicos denominamos de ‘válvulas de escape’”.
Os sistemas de defesa da concorrência podem ser divididos em dois grandes grupos: de um lado encontra-se a concorrência-fim, outrossim conhecida por concorrência condição e de outro, está a concorrência-meio.
Característica básica do primeiro modelo reside no estabelecimento de proibições genéricas e a priori no que diz respeito a determinados atos e negócios jurídicos concentracionais, no sentido de que a concorrência é um valor em si mesmo a ser preservado de modo absoluto, portanto, não pode ceder diante de outros interesses tutelados.
Em contraposição a esse sistema, o segundo modelo encarta na concorrência não um bem em si mesmo como valor absoluto sobre todos os demais, mas um meio, podendo ser sacrificada em detrimento de outros interesses. Não obstante, esse sistema permite que sejam coibidos os atos e negócios jurídicos portadores de certas peculiaridades que se apresentem contraproducentes aos consumidores, ao Estado de aos demais agentes encarregados da atividade produtiva[5].
A concorrência-meio encontra nos efeitos produzidos pelo negócio jurídico concentracional seara propícia para atuação no sentido de que, analisado o ato em concreto, será possível conferir legitimidade ou não ao negócio jurídico concentracional à vista de interesses maiores – as eficiências - mas em momento algum sobrepostos aos consumidores, bem maior da tutela concorrencial.
Esses efeitos são analisados em relação à conveniência ou tolerância do ato concentracional dentre de um contexto econômico-social, desconsiderando-se a intenção dos agentes econômicos, sendo identificáveis ou quantificáveis a posteriori[6] mas que podem em confronto com interesses maiores serem referendadas, consoante alhures exposto. Essa técnica legislativa é utilizada na defesa da concorrência que adotam o sistema da concorrência-meio, em que as eficiências comparecem como requisito de validade e fator de eficácia do negócio jurídico concentracional.[7]
III - Conclusões
Diante do exposto, verifica-se que o negócio jurídico concentracional apresenta contornos peculiares na medida em que predispõe de requisitos de validade e fatores de eficácia que vão além dos negócios jurídicos ordinários, isto é, a estrutura do negócio jurídico concentracional é moldada pelo Direito da Concorrência.
Nesse sentido, as eficiências descritas na Lei nº 12.529/11 aparecem como excludentes da ilicitude. Isto é, ingressam na estrutura do negócio jurídico concentracional como condição apta a conferir validade e eficácia.
Expedientes dessa espécie são comuns em modelos de concorrência-meio, que enxergam na concorrência não um bem em si mesmo com valor absoluto, mas um meio que pode ser mitigado em detrimento de outros interesses. As chamadas válvulas de escape servem em última análise como instrumento para manter o equilíbrio e propiciar o desenvolvimento da estrutura econômica.
IV - Referências bibliográficas
BRASIL, CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução nº 15, de 19 de agosto de 1998, publicada no DOU de 28.08.98. Disponível em: http://www.cade.gov.br/upload/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%2015,%20de%2019%20de%20agosto%20de%201998.pdf. Acesso em 12.11.2014.
FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. São Paulo. 1998.
FRANCESQUINI, José Ignácio Gonzaga. Lei da concorrência conforme interpretada pelo Cade. São Paulo: Singular. 1998
PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração empresarial e o direito da concorrência. São Paulo. Saraiva. 2001.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. 2. ed. São Paulo. Malheiros. 2002.
[1] BRASIL, CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Resolução nº 15, de 19 de agosto de 1998, publicada no DOU de 28.08.98. Disponível em: http://www.cade.gov.br/upload/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%2015,%20de%2019%20de%20agosto%20de%201998.pdf. Acesso em 12.11.2014.
[2] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. 2. ed. São Paulo. Malheiros. 2002, p. 176.
[3]PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração empresarial e o direito da concorrência. São Paulo. Saraiva. 2001, p. 104.
[4] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. São Paulo. 1998. p. 178-180.
[5] “No Brasil, pela análise das decisões proferidas pelo CADE, bem como seu relatório de 1996, chega-se à conclusão de que utilizamos o sistema da concorrência-meio. No mesmo sentido a conclusão a que se pode chegar pela análise do art. 170 da Constituição Federal de 1988, orientador do art. 173 do mesmo diploma. De fato, não obstante a previsão no sentido de que ‘a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros’ (§ 4º do art. 173), como princípio da ordem econômica, ou seja, regra orientadora da ordem econômica e financeira, prevê o art. 170 da Constituição Federal que ‘a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social’ observados os princípios da ‘função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte’ dentre outros”. PROENÇA. José Marcelo Martins. Ob. cit. p. 40.
[6] Ibid. p. 360-362.
[7] Nesse sentido, já decidiu o CADE: “Em tema de atos de concentração, as noções de eficiência e de concorrência não podem ser conflitantes, considerando que é a própria concorrência que induz à eficiência. Por isso, as integrações que buscam eficiência devem ser entendidas como benéficas para o mercado, desde que levem à redução de preço dos produtos ofertados no mercado. Na apreciação de atos de concentração, configura aspecto negativo a conduta da empresa que, dispondo de excesso de capacidade instalada e de oferta, compensa ganhos decorrentes de reduzida margem de lucro nas exportações com a elevação de preços no mercado interno.” Votos no Ato de Concentração nº 16/94 (Pedido de Reapreciação), de 9 de outubro de 1995, Requerente: Siderúrgica Laisa S.A. (Grupo Gerdau). In DOU de 22 de outubro de 1995, Seção I, pág. 16319. Em relação à eficiência, destaque-se ainda: “Uma operação de concentração horizontal oferece duas faces para análise: de um lado, as eficiências em potencial e, de outro, a redução do número de competidores. A análise clássica concentra-se nos efeitos compensatórios da realização de eficiência sobre o aumento do poder de mercado, expresso no aumento de preços resultantes de uma concentração” Voto no Ato de Concentração nº 27/96, de 18 de setembro de 1996, Requerente: K&S Aquisições Ltda. (antiga Kolynos do Brasil Ltda.). In DOU de 22 de setembro de 1996, Seção I, pág. 19250. FRANCESQUINI, José Ignácio Gonzaga. Lei da concorrência conforme interpretada pelo Cade. São Paulo: Singular. 1998, p. 422- 424.
Procurador Federal, Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais, Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Concentração empresarial e as eficiências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41907/concentracao-empresarial-e-as-eficiencias. Acesso em: 23 dez 2024.
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