Segundo Lucas Rocha Furtado[1], a responsabilidade civil do Estado constitui um dos temas mais relevantes do Direito Administrativo, e o reconhecimento do dever do Estado de ressarcir danos causados aos particulares decorre do princípio da legalidade e constitui um dos pilares do Estado de Direito. No estudo da evolução histórica do tema, o mencionado autor aponta três fases:
1. Irresponsabilidade civil do Estado;
2. Responsabilidade civil do Estado a partir da aplicação das normas do Direito Privado;
3. Responsabilidade civil do Estado a partir da aplicação das normas do Direito Público.
No modelo de Estado Absolutista, prevalecia que o Estado era irresponsável, ideia alicerçada na noção de soberania, que o rei não erra, fato que se transmitia para os seus funcionários. [2] Assim, a primeira fase corresponde à irresponsabilidade civil do Estado, sendo facilmente identificada nas monarquias absolutistas, tendo sobrevivido, todavia, em diversos países até meados do século XIX.[3]
José dos Santos Carvalho Filho[4] explica que
Essa teoria não prevaleceu por muito tempo em vários países. A noção de que o Estado era o ente todo-poderoso, confundida com a velha teoria da intangibilidade do soberano e que o tornava insuscetível de causar danos e ser responsável, foi substituída pela do Estado de Direito, segundo a qual deveriam ser a ele atribuídos os direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas. (negrito do autor)
Posteriormente, abandonou-se a teoria da irresponsabilidade do Estado, passando-se a adotar a doutrina civilista da culpa, distinguindo-se dois tipos de atitude estatal: os atos de império e os atos de gestão. Aqueles seriam coercitivos, decorrentes do poder soberano do Estado, já estes mais se aproximariam com os atos de direito privado. Caberia responsabilidade somente em relação aos atos de gestão, pois se fosse hipótese de ato de império, não haveria responsabilização, pois o fato seria regido pelas normas tradicionais de direito público, protetivas do ente estatal.[5]
Nesse momento, a superação da fase da irresponsabilidade civil do Estado e a adoção das teorias civilistas têm início com a aprovação do Código Civil francês e a previsão de que todo aquele que por ação ou omissão, por negligência, imperícia, imprudência ou dolo, cause prejuízo a terceiro é obrigado a ressarcir o dano causado.[6]
A evolução da responsabilidade ocorreu com o reconhecimento da culpa administrativa, bastando apenas comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou, o que foi conhecida como culpa anônima ou falta do serviço. Assim,
A falta do serviço podia consumar-se de três maneiras: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Em qualquer dessas formas, a falta do serviço implicava o reconhecimento da existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da Administração. Por esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em consequência, teria o Estado atuado culposamente. Cabia-lhe, ainda, o ônus de provar o elemento culpa.[7](negritodo autor)
A teoria da falta do serviço desencadeou o processo de evolução que culminou com as teorias objetivas do risco, constituindo o ponto de partida para a superação das teorias civilistas e para a adoção das teorias publicistas que, a partir de então, passaram a cuidar do dever do Estado de ressarcir os danos causados aos particulares.
De acordo com a teoria da responsabilidade civil subjetiva, o fundamento básico para definir o dever de indenizar é a culpa. No Direito Privado, aquele que requer indenização deve demonstrar a conduta (omissiva ou comissiva) culposa, dano ou prejuízo, nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano sofrido. É ônus do que requer indenização demonstrar a presença desses três requisitos a fim de obter o ressarcimento do prejuízo causado pelo terceiro. [8]
A adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva importa em superar a necessidade de comprovação da culpa como requisito à imputação da responsabilidade civil. Nesse sentido, a adoção da teoria objetiva da responsabilidade civil prescinde da demonstração da culpa por parte daquele contra quem se requer a indenização.[9]
Conforme leciona Lucas Rocha Furtado[10],
A teoria objetiva da responsabilidade civil deixa de se fundamentar na culpa e o fundamento principal para impor o dever de indenizar passa a ser o risco. Este passa a ser o pressuposto definidor do dever de indenizar. Ou seja, de acordo com a teoria objetiva, o dever de ressarcir prejuízos é atribuído àquele que explore determinada atividade ou pratique determinados atos suscetíveis de causar danos a terceiros.
A teoria objetiva se fundamenta no risco. Esta, por sua vez, admite duas modalidades básicas no âmbito do Direito Administrativo: o risco administrativo e o risco integral.
A teoria do risco integral acolhe a ideia de que a mera comprovação da relação de causa e efeito (nexo causal) entre o evento danoso e a participação do agente público enseja a obrigação de reparação pelo Estado. Concebe a responsabilização objetiva de modo integral, sem abrandamentos e sem acolher qualquer espécie de excludente. Como exemplo, citamos a exploração, pela União, da energia nuclear (CF, art. 21, XXIII, “d”[11]), situação na qual muitos autores dizem adotada a teoria do risco integral. Já a teoria do risco administrativo aceita excludentes (culpa exclusiva da vítima, força maior, caso fortuito), ou seja, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites. [12]
No caso de culpa exclusiva da vítima, o particular não precisa demonstrar a culpa, mas o poder público deve prová-la em relação ao particular, havendo inversão do ônus da prova. Se ficar demonstrada a culpa concorrente, ocorrerá somente a atenuação da responsabilidade civil do Estado, devendo os prejuízos serem divididos entre este último e o particular.[13]
Referências Bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Responsabilidade civil das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006.
CUÉLLAR, Leila. Concessionárias de serviços públicos e a responsabilidade civil da Administração Pública. In: CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, EgonBokmann. Estudos de direito econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, v.2.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FURTADO, Lucas Rocha Furtado. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2004.
[1] FURTADO, Lucas Rocha Furtado. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1002.
[2]CUÉLLAR, Leila. Concessionárias de serviços públicos e a responsabilidade civil da Administração Pública. In: CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, EgonBokmann. Estudos de direito econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, v.2, p. 28.
[3] FURTADO, 2007, p. 1002.
[4]Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 522.
[5]Carvalho Filho, p. 522.
[6] FURTADO,p. 1003.
[7]Carvalho Filho, p. 523.
[8] FURTADO, 2007, p. 1005.
[9]Carvalho Filho, p. 522.
[10]Ibid., p. 1006.
[11] XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
(...)
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
[12]Cuéllar, 2010, p. 30.
[13] FURTADO, 2007, p. 1008-1009.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Evolução histórica do conceito de responsabilização da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41921/evolucao-historica-do-conceito-de-responsabilizacao-da-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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