INTRODUÇÃO
A Lei n.º 12.462, de 04/08/2011, instituiu o chamado Regime Diferenciado de Contratações Públicas, trazendo em seu bojo uma série de inovações em relação à disciplina das licitações e contratos já positivada na Lei n.º 8.666/1993.
Dentre as novidades apresentadas pelo novo diploma legal, verifica-se a previsão de novo regime de execução do objeto, qual seja, o da contratação integrada, que compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes à entrega final do objeto.
Nesse contexto, e considerando a abrangência e amplitude da contratação integrada, o presente trabalho tem por objetivo analisar se é possível, quando adotado esse regime de execução para as obras e serviços contratados, que a Administração delegue ou deixe a cargo da contratada a responsabilidade pela obtenção das licenças ambientais relativas ao empreendimento, eximindo-se da obrigação de adotar todas as providências afetas ao licenciamento ambiental da obra ou serviço a ser executado.
DESENVOLVIMENTO
O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) foi instituído pela Lei n.º 12.462, de 04/08/2011, a qual, em seu art. 1º, assim dispõe:
Art. 1o É instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:
I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e
II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
III - de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.
IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Incluído pela Lei nº 12.688, de 2012)
§ 1o O RDC tem por objetivos:
I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes;
II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público;
III - incentivar a inovação tecnológica; e
IV - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.
§ 2o A opção pelo RDC deverá constar de forma expressa do instrumento convocatório e resultará no afastamento das normas contidas na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos expressamente previstos nesta Lei.
O diploma legal que instituiu o RDC estabeleceu uma série de inovações em relação ao regime jurídico instituído pela Lei n.º 8.666/1993, dentre as quais a previsão de um novo regime de execução contratual: a chamada contratação integrada.
A respeito do tema, define o art. 9º, caput e § 1º, da Lei n.º 12.462/2011, in verbis:
Art. 9o Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 12.980, de 2014)
I - inovação tecnológica ou técnica; (Incluído pela Lei nº 12.980, de 2014)
II - possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou (Incluído pela Lei nº 12.980, de 2014)
III - possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado. (Incluído pela Lei nº 12.980, de 2014)
§ 1o A contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.
O regime de contratação pelo RDC, em sua modalidade integrada, fora reservado pela lei à execução de obras e serviços de engenharia, sendo sua adoção, nesses casos, de caráter preferencial (art. 8º, § 1º, da Lei n.º 12.462/2011), juntamente com os regimes da empreitada integral e por preço global.
Aliás, a contratação integrada em muito se assemelha à empreitada integral. Deveras, em ambos os casos, o objeto da contratação abrange a totalidade das etapas das obras, serviços e instalações, devendo a contratada entregar a obra em condições de operação, de acordo com os requisitos necessários.
Todavia, como bem observa Guilherme Fredherico Dias Reisdorfer[1], em se tratando da empreitada integral, “esses requisitos, no entanto, são prefixados pelo Poder Público, visto que os projetos constituem encargo seu. Salvo quando se contrata também o projeto executivo, apenas a execução da obra ou do serviço é transferida ao particular”. Já no tocante à contratação integrada, porém, compete ao próprio particular a elaboração dos projetos básico e executivo relativos ao objeto contratado. Em outras palavras, o particular, nesse caso, participará da concepção da própria prestação a ser por ele executada.
Segundo o autor acima referido, a ratio essendi da contratação na modalidade integrada pode ser assim justificada:
Ademais, a iniciativa de atribuir a elaboração de um projeto básico encontra justificativa em imperativos de eficiência. Por um lado, reputa-se que em alguns casos o envolvimento do parceiro privado na elaboração do projeto pode possibilitar a obtenção de ganhos de eficiência na execução do contrato, dada a sua potencial expertise. Parte-se da premissa de que ‘a possibilidade de produção de ganhos de eficiência é diretamente proporcional à abrangência das responsabilidades transferidas pelo contrato ao parceiro privado. Ou seja, quanto maior o conjunto de atividades delegadas ao parceiro privado, maior espaço ele terá para aumentar a eficiência na prestação do serviço’.
Por outro lado, promove-se o deslocamento de uma parcela maior dos riscos relativos à execução do contrato ao particular, na proporcional medida das novas responsabilidades assumidas em razão da concepção do projeto a ser implementado[2].
De fato, a própria Lei n.º 12.462/2011 definiu como objetivos do RDC, em seu art. 1º, § 1º, a ampliação da eficiência nas contratações públicas e da competitividade entre os licitantes, a promoção da troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público e o incentivo à inovação tecnológica, aspectos que, certamente, inspiraram a criação do regime de contratação integrada.
A despeito disso, entretanto, a Lei n.º 12.462/2011 também previu que a contratação integrada poderá ser adotada desde que “técnica e economicamente justificada”. Em virtude disso, a Administração Pública deverá demonstrar, para se valer da contratação integrada, a viabilidade e a utilidade técnica e econômica de se atribuir ao particular, além do total da execução das obras e serviços, a elaboração dos projetos básico e executivo. Impende comprovar, assim, que esse regime é a solução mais eficiente, técnica e economicamente, para execução do objeto a ser contratado.
Assim, o panorama criado em torno da contratação pelo RDC, na modalidade integrada, é o da busca por transferir custos e responsabilidades ao particular, reduzindo para a Administração os riscos de atividades que, em cada caso, se considere, justificadamente, serem melhor desempenhadas pelo particular.
Advirta-se, contudo, que “não há uma transferência automática e plena de riscos: a admissão da contratação integrada também passa pela ‘ideia segundo a qual a transferência de riscos não deve ser total, mas ser objeto de um compromisso: cada tipo de risco deve ser transferido à parte em melhor condições de assumi-lo’. Cabe, portanto, ao Poder Público responsabilizar-se por caracterizar e definir aspectos do objeto a ser contratado, relegando determinadas especificações técnicas dos projetos ao particular, desde que se chegue à conclusão de que o contratado poderá elaborar os projetos da futura contratação de forma mais eficiente”.
A Administração, portanto, tem o dever de avaliar que tipo de definições relativas aos projetos a serem elaborados podem, ou não, ser transferidas ao contratado, que tipo de riscos o particular tem condições de suportar, para que não se inviabilize, futuramente, a execução do objeto contratado.
Não se trata, pois, de simplesmente de atribuir ao particular o encargo de definir, por si só, o objeto a ser contratado, até porque, se a contratação visa a satisfazer o interesse da Administração, não pode ela ser inteiramente concebida e definida por terceiros, estranhos à estrutura administrativa.
Daí porque a não elaboração do projeto básico pela Administração não pode implicar na deflagração de um processo licitatório com objeto vago ou indefinido. E é exatamente nesse sentido que a Lei n.º 12.462/2011 estabeleceu que, em caso de contratação integrada, o edital do RDC conterá o chamado anteprojeto de engenharia, a teor do seu art. 9º, § 2º, in verbis:
§ 2o No caso de contratação integrada:
I - o instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo:
a) a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado;
b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega, observado o disposto no caput e no § 1o do art. 6o desta Lei;
c) a estética do projeto arquitetônico; e
d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade;
II - o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública em serviços e obras similares ou na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedita ou paramétrica. (Redação dada pela Lei nº 12.980, de 2014)
III - (Revogado). (Revogado pela Medida Provisória nº 630, de 2013)
§ 3o Caso seja permitida no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas.
Inevitável se mostra, à evidência, a comparação entre o projeto básico e o anteprojeto de engenharia. A esse respeito, leciona Guilherme Fredherico Dias Reisdorfer[3]:
Logo, não há como estabelecer uma dicotomia que considere os conceitos de “projeto básico” e “anteprojeto de engenharia” antagônicos. O afastamento da exigência de projeto básico no curso do certame não resulta em dispensar que o anteprojeto de engenharia identifique o objeto licitado e acabe por exercer algumas funções do projeto básico.
Tome-se como exemplo a necessidade de o projeto básico “caracterizar a obra ou serviço de engenharia, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares” (art. 2º, IV, a, Lei n.º 12.462). A mesma função é atribuída ao anteprojeto de engenharia (art. 9º, § 2º, I, a, da Lei n.º 12.462), que deverá ser integrado pelos documentos técnicos necessários e suficientes para tanto.
Do mesmo modo, a Administração deverá estimar o impacto ambiental e identificar toda e qualquer especificação cuja observância seja necessária (cogente) para a realização dos projetos e posterior execução da obra ou serviço no caso da contratação integrada. Os estudos preliminares, que darão embasamento ao anteprojeto de engenharia e à estimativa de custos imprescindíveis para a licitação, devem conter elementos mínimos que viabilizem a caracterização do objeto a ser contratado e possibilitem a formulação dos projetos segundo as pautas pretendidas.
Percebe-se, assim, que, muito embora não tenha a abrangência do projeto básico, o anteprojeto de engenharia também se presta à definição mínima do objeto a ser licitado, pressupondo um exame de viabilidade técnica, econômica e ambiental do futuro empreendimento.
Nesse sentido, inclusive, estabelece o art. 74, § 1º, do Decreto n.º 7.581/2011, dentre os documentos técnicos que o anteprojeto de engenharia deverá conter, a “concepção da obra ou serviço de engenharia” (inciso I) e os “projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção adotada” (inciso II).
O anteprojeto de engenharia, portanto, pressupõe, dentre outros aspectos, a análise de viabilidade ambiental do objeto a ser contratado, razão pela qual deverá conter, consequentemente, os estudos preliminares relativos a essa matéria.
A despeito da atribuição da responsabilidade de elaboração dos projetos básico e executivo ao particular, como nota característica da contratação na modalidade integrada no âmbito do RDC, a própria Lei n.º 12.462/2011 e o seu decreto regulamentador não deixaram de atribuir, expressamente, à Administração, nesses casos, o dever de identificar o objeto a ser licitado e estabelecer os parâmetros de adequação aos impactos ambientais, inclusive com a apresentação dos respectivos estudos preliminares.
Ademais, a Lei n.º 12.462/2011 estabelece, em seu art. 4º, § 1º, inciso II, que as contratações realizadas com base no RDC devem respeitar as normas relativas à “mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental”.
O licenciamento ambiental, instituído pelo art. 10 da Lei n.º 6.938/1981, é definido pela Resolução CONAMA n.º 237/1997 como o “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”.
No âmbito do licenciamento ambiental, prevê o Decreto n.º 99.274/1990, em seu art. 19, que o Poder Público expedirá as licenças prévia, de instalação e de operação, assim conceituadas pela Resolução CONAMA n.º 237/1997, em seu art. 8º:
Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
Parágrafo único - As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.
Nesse ponto, impende considerar que a viabilidade ambiental do empreendimento a ser executado, como elemento integrante do anteprojeto de engenharia e, portanto, prévio à própria licitação e à concepção dos projetos básico e executivo da obra, tem de ser analisada, por óbvio, anteriormente à elaboração do anteprojeto pela Administração e à realização daqueles projetos pela futura contratada. Em outras palavras, a viabilidade ambiental da obra deve ser examinada na fase preliminar de planejamento do empreendimento, isto é, no âmbito da concessão da chamada licença prévia (LP).
Com efeito, não é possível realizar a licitação pelo RDC sem apresentação de anteprojeto de engenharia; a elaboração desse anteprojeto requer, por sua vez, a determinação dos parâmetros de adequação aos impactos ambientais; estes, a seu turno são avaliados previamente e como condição para a concessão da LP no processo de licenciamento ambiental. Assim, a deflagração do certame, no caso de RCD pela modalidade integrada, pressupõe o deferimento à Administração da LP.
O Tribunal de Contas da União – TCU, destaque-se, possui entendimento sedimentado - aplicável, mutatis mutandis, à espécie - no sentido de que, na disciplina da Lei n.º 8.666/1993, não se pode deflagrar procedimentos licitatórios com base em projetos básicos elaborados sem a existência de licença ambiental prévia.
Esse posicionamento fora exaustivamente analisado no bojo do Acórdão n.º 516/2003, Plenário, nos seguintes termos:
111. O texto apresentado a seguir visa detalhar esses dois procedimentos, desde a solicitação da licença prévia até o início das obras, bem como delinear a interdependência que há entre a licitação e o licenciamento ambiental, ressaltando os pontos críticos passíveis de ocorrência de falhas.
Licença Prévia - LP
112. Para obter a licença prévia, o empreendedor procura o Ibama e/ou as Oema [órgãos estaduais de meio ambiente] para informar a respeito das características do empreendimento que pretende realizar, inclusive os prováveis impactos ambientais do mesmo. Isso deve ocorrer na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade (Resolução Conama nº 237/97, art. 8º, inciso I, primeira parte).
113. Essas informações ambientais podem constar de termos de referência [Deve-se atentar para a diferença entre esses termos de referência do empreendimento com os termos de referência dos estudos ambientais. Os primeiros são uma descrição do empreendimento (são uma espécie de embrião do projeto básico). Os segundos estão definidos no presente texto e servem para nortear a elaboração dos estudos ambientais, entre eles o EIA/Rima] do empreendimento que se pretende realizar, como por exemplo o Termo de Referência do Projeto de Ampliação da Capacidade e Modernização da Ligação Rodoviária Belo horizonte - Governador Valadares em Minas Gerais apresentado em anexo. O subitem 5.4 desse termo de referência trata da questão ambiental do empreendimento.
114. Com base nessas informações ambientais, o órgão ambiental vai definir quais documentos, projetos e estudos ambientais devem ser elaborados pelo empreendedor, como pré-condição para a obtenção da licença prévia (inciso I do art. 10 da Resolução Conama nº 237/97).
115. À prescrição desses documentos, estudos e projetos dá-se o nome, no âmbito do Ibama, de Termos de Referência. Os termos de referência estabelecem as diretrizes e o conteúdo mínimo para a elaboração dos estudos ambientais (entre eles o EIA/Rima) por parte do empreendedor e não se confundem com os termos de referência do empreendimento, que servem para definir as características do empreendimento, conforme já foi dito.
116. Quanto melhor elaborados os termos de referência para confecção dos documentos e projetos ambientais, e quanto mais fielmente seguidas as suas diretrizes pelo empreendedor, menores serão as chances da elaboração de estudos ambientais insatisfatórios. Assim, evitam-se solicitações de esclarecimento ao empreendedor, com conseqüentes atrasos no cronograma do empreendimento. Estudos bem elaborados favorecem o empreendedor, ao contribuir para agilizar a obtenção da licença prévia.
117. Com os estudos prontos, o empreendedor os apresenta ao órgão ambiental. Os documentos são checados e, se não estiverem completos, a documentação é devolvida para complementação.
118. Entre os estudos ambientais, destaca-se o Estudo de Impacto Ambiental, que além de atender à legislação, em especial aos princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, deve obedecer às seguintes diretrizes (art. 5º da Resolução Conama nº 01/86):
(...)
119. Estando completa a documentação, o Ibama realiza vistoria in loco na área do empreendimento com vistas a subsidiar a tomada de decisão a respeito da necessidade da realização de audiências públicas.
120. Durante a fase de licenciamento prévio, podem ser realizadas uma ou mais audiências, a critério do órgão ambiental licenciador, ou por solicitação do ministério público, ou por solicitação de 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos (Resolução Conama nº 237/97, art. 10, inciso V combinado com Resolução Conama nº 9/87, art. 2º).
121. Na audiência pública a comunidade interessada tem a oportunidade de discutir o conteúdo do Relatório de Impactos sobre o Meio Ambiente - RIMA.
122. Conforme o art. 9º da Resolução Conama nº 01/86, o Rima refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo:
(...)
125. De posse dos estudos ambientais, e realizadas as audiências públicas, se for o caso, os mesmos são analisados e o parecer técnico conclusivo é elaborado pelo Ibama deferindo ou indeferindo a licença prévia (Resolução Conama nº 237/97, art. 10, inciso VII).
126. Ao conceder a licença prévia, o órgão ambiental está aprovando a concepção, a localização e a viabilidade ambiental do empreendimento e estabelecendo os requisitos básicos e as condicionantes ambientais a serem atendidas nas próximas fases do processo de licenciamento (Resolução Conama nº 237/97, inciso I, art. 8º).
127. Aprovados esses atributos do empreendimento, pode o empreendedor elaborar o projeto básico. A anterioridade da licença prévia em relação ao projeto básico se deve ao fato de a localização e a concepção do empreendimento e as suas condicionantes ambientais serem itens de extrema importância na elaboração do projeto básico, como se verá a seguir.
128. O projeto básico é o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para caracterizar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução (art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93). (Grifo nosso).
129. A Lei nº 8.666/93 não define o que significa adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento. Nem deveria, pois tal tarefa cabe ao Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA, que tem entre suas funções deliberar sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida (art. 6º, inciso II, da Lei nº 6.938/81 e art. 1º, inciso II, da Portaria do Ministério do Meio Ambiente nº 326, de 15 de dezembro de 1994).
130. Visando a estabelecer as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e a implementação da avaliação de impactos ambientais, o Conama editou a Resolução nº 01/86, que, em seu art. 2º, afirma que o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente depende da elaboração de estudos de impactos ambientais que deverão ser submetidos à apreciação do órgão ambiental competente.
131. A apreciação do órgão ambiental ocorre na forma estabelecida pelo art. 10 da Resolução Conama nº 237/97, que prevê, entre outras coisas, a análise de documentos, projetos e estudos ambientais, a realização de audiências públicas e a emissão de parecer técnico conclusivo.
132. Portanto, como se vê, o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento previsto no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93 se dá conforme previsto na legislação ambiental, especialmente as Resoluções Conama nºs 01/86 e 237/97.
133. Reforça o argumento de que a licença prévia deve anteceder o projeto básico, a previsão legal (Lei nº 8.666/93, art. 6º, inciso IX, alínea “a”) de que esse projeto deve trazer o desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza (Grifo nosso).
134. Ora, a solução (escolhida para o empreendimento) somente é definida na licença prévia. Não se podendo esquecer que o elemento ambiental, que deve figurar entre os elementos constitutivos do projeto básico, materializado nos planos e programas ambientais a serem implementados pelo empreendedor de forma a tornar o empreendimento sustentável ambientalmente, somente é definido na licença prévia.
135. Essas características do projeto básico impossibilitam que ele seja feito antes da licença prévia, haja vista aquela licença ser, como já mencionado, o primeiro alvará adquirido pelo empreendedor, com a aprovação da localização, da concepção e da viabilidade ambiental do empreendimento (Resolução Conama nº 237/97, inciso I, art. 8º).
136. Do contrário, haveria a possibilidade de o projeto básico ter que ser alterado com a aquisição da licença prévia, caso essa autorização venha a estabelecer localização ou concepção diferente daquelas adotadas no projeto básico elaborado indevidamente. Nesses casos, o gestor provavelmente terá que incorrer em despesas extras com alterações no projeto básico, o que acarretaria prejuízos ao erário.
137. Há também as hipóteses de prejuízos em caso de um projeto básico elaborado antes da licença prévia para a confecção do projeto executivo, ou da realização da licitação [Conforme a Lei 8.666/93, art. 7º, § 2º, inciso I, o projeto básico é suficiente para realizar-se a licitação]. Eventuais alterações nas características do empreendimento decorrentes da aprovação da licença prévia certamente vão acarretar novas despesas com a repactuação de contratos, gerando prejuízos ao erário.
138. Dessa argumentação, depreende-se que o projeto básico deve ser feito depois da obtenção da licença prévia pelo empreendedor. Assim, evitam-se desperdícios de recursos públicos com eventuais alterações nos projetos básico e executivo e em conseqüentes repactuações de contratos de obras públicas.
139. Não se vislumbra óbice a que o projeto básico seja feito concomitantemente às gestões para a obtenção da licença prévia, desde que a sua finalização ocorra depois de a licença prévia haver sido concedida.
140. Assim, enquanto o empreendedor realiza as gestões prescritas na legislação para a aquisição da licença prévia, elabora-se o projeto básico, na parte que não dependa de definições emanadas da licença. Já os itens do projeto que dependam de atributos do empreendimento a serem definidos na licença prévia, como a localização, a concepção tecnológica e os requisitos ambientais (medidas mitigadoras e compensatórias), são feitos depois do licenciamento prévio. Dessa forma preserva-se o erário da realização de despesas desnecessárias com alterações no projeto básico.
141. A título de exemplo, cite-se o caso levantado junto ao DNIT da obra de duplicação da BR-101 no trecho Florianópolis - Osório. O processo para a obtenção da licença prévia daquela obra estendeu-se por vários anos, devido à falta de entendimento a respeito da solução a ser adotada para o traçado na parte que atravessava uma reserva indígena. Somente quando a licença foi concedida é que definiu-se o traçado final, tendo-se que alterar o projeto básico, adequando-o ao novo traçado.
142. Somente depois dessa alteração é que se pôde elaborar o projeto executivo e iniciar o procedimento licitatório. De outra forma, se o projeto executivo ou a licitação houvessem sido feitos, as alterações resultantes da definição final do traçado iriam acarretar mudanças no projeto executivo ou no contrato da obra, acarretando desperdício de dinheiro público.
(...)
149. A aprovação dos estudos de impacto ambiental pelo órgão ambiental competente mencionada na decisão do TCU ocorre quando da emissão de parecer técnico conclusivo deferindo a licença prévia (Resolução nº 237/97, art. 10, inciso VII).
150. Com fundamento nos problemas elencados aqui, entende-se oportuno propor a inclusão no Fiscobras, como indício de irregularidade grave, a existência de obras contratadas com base em projeto básico elaborado sem a devida licença prévia. Também propõe-se a conseqüente paralisação das execuções orçamentária, física e financeira de contratos, convênios, parcelas ou subtrechos em que forem identificados indícios de irregularidades graves, ficando a liberação da obra condicionada à adoção de medidas saneadoras pelo órgão ou entidade responsável, sujeita à deliberação da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (caput do art. 86 da Lei nº 10.524/2002 - que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2003).
151. Os indícios de irregularidade graves são aqueles materialmente relevantes e que têm a potencialidade de, entre outros efeitos, ocasionar danos significativos ao erário ou a terceiros ou ensejar a nulidade do procedimento licitatório (incisos I e II do § 2º do art. 86 da LDO/2003).
152. Com respeito à possibilidade de ocasionar significativos danos ao erário, convém informar que obras contratadas com base em projetos básicos feitos sem a devida consideração do impactos ambientais (pela licença prévia) têm a potencialidade desse tipo de dano. Vide o caso do projeto Barreiras Norte (parágrafo 143 do presente relatório).
153. Quanto a ensejar a nulidade do procedimento licitatório, o § 6º do art. 7º da Lei nº 8.666/93, estabelece a nulidade dos atos ou contratos realizados em desacordo com a seguinte seqüência: projeto básico; projeto executivo; e execução das obras e serviços. Portanto, o descumprimento dessa ordem enseja a nulidade da licitação (caput do art. 7º da Lei nº 8.666/97).
154. Há somente uma possibilidade de se quebrar essa seqüência: é a realização da licitação apenas com o projeto básico, sendo que nesse caso, o projeto executivo pode ser desenvolvido concomitantemente à execução das obras (inciso I do § 2º do art. 7º da Lei nº 8.666/93). Entretanto, nunca se pode licitar sem o projeto básico.
155. Ora, dado que não se pode realizar a licitação sem o projeto básico, pois tal procedimento ensejaria a nulidade da licitação, e considerando que o projeto básico somente está em conformidade com a Lei nº 8.666/93, se assegurar o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que o adequado tratamento dos impactos ambientais se dá no processo de licenciamento prévio, é compreensível que a licitação realizada com base em projeto básico elaborado antes da licença prévia pode vir a ensejar a nulidade da licitação. Tal fato, caracterizaria, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2003, o indício de irregularidade grave.
O entendimento acima sufragado, observe-se, fora recentemente reiterado pelo TCU, consoante se extrai de excerto constante do Informativo de Jurisprudência de Licitações e Contratos n.º 111 da Corte de Contas, abaixo transcrito:
Licitação de obra pública 1. A realização de certame licitatório com base em projeto básico elaborado sem a existência de licença ambiental prévia configura, em avaliação preliminar, afronta aos comandos contidos no art. 10 da Lei 6.938/1981, no art. 6º, inciso IX, c/c o art. 12, inciso VII, da Lei 8.666/1993 e no art. 8º, inciso I, da Resolução/Conama 237/1997
Representação formulada por Secretaria de Fiscalização de Obras apontou possíveis irregularidades no Edital da Concorrência 1/2012 – TRE/RJ, lançado pelo Tribunal Regional Eleitoral no Estado do Rio de Janeiro para contratação da execução das obras de construção do edifício-sede desse órgão. Entre as ocorrências relacionadas, destaque-se, inicialmente, a ausência de licença ambiental prévia (LP) para o empreendimento. Verificou-se que o pedido de licença havia sido dirigido à Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro na mesma data da publicação do edital (17/5/2012). A unidade técnica ressaltou, porém, que o projeto básico somente poderia ter sido elaborado após a obtenção da respectiva licença prévia. Ponderou, a esse respeito, que “o projeto básico deve obrigatoriamente conter as licenças ambientais requeridas, devendo ainda compreender o estudo de impacto ambiental antecipadamente determinado...”. Garante-se, com isso, que “o empreendimento seja concebido e orçado levando-se em conta as medidas mitigadoras, compensatórias e/ou corretivas do meio ambiente, em cumprimento ao disposto na legislação aplicável, qual seja: art. 10 da Lei 6.938/1981; art. 6º, inciso IX, c/c o art. 12, inciso VII, da Lei 8.666/1993 e o art. 8º, inciso I, da Resolução/Conama 237/1997”. A relatora do feito, ao endossar a análise da unidade técnica, ressaltou que a jurisprudência do TCU é pacífica no sentido que “a Licença Prévia (LP) deve existir antes da instauração da licitação, pois o atendimento das exigências ambientais é determinante na própria concepção do objeto”. Ao avaliar a pertinência de adoção da medida cautelar sugerida na representação, considerou que tal omissão configura, juntamente com outros indícios de irregularidades identificados, o requisito da fumaça do bom direito. O perigo na demora, por sua vez, resulta da previsão de entrega dos documentos pelas licitantes para 18/6/2012 e da iminente assinatura de contrato provavelmente viciado. A relatora, então, também por esse motivo, decidiu determinar a suspensão cautelar da Concorrência 1/2012 – TRE/RJ e promover a oitiva do órgão. O Tribunal, em seguida, endossou essa providência. Precedentes mencionados: Acórdãos nºs. 2.886/2008, 1.580/2009, 1.620/2009, 1.726/2009, 2.013/2009, 2.367/2009, 870/2010 e 958/2010, todos do Plenário e 5.157/2009 da 2ª Câmara. Comunicação de Cautelar, TC 017.008/2012-3, rel. Min. Ana Arraes, 20.6.2012.
Considerando, portanto, que o elemento ambiental - que deve figurar entre os dados constitutivos do anteprojeto de engenharia e consiste nos planos e programas ambientais a serem implementados pelo contratado, de forma a tornar o empreendimento sustentável ambientalmente - somente é definido na licença prévia, impende admitir que a elaboração do anteprojeto pressupõe a obtenção da licença prévia pela própria Administração.
A lei, repita-se, confere à Administração o encargo de avaliar a adequação dos impactos ambientais no âmbito do anteprojeto de engenharia, providência que será adotada, como visto, mediante a concessão da LP. Em se tratando de análise prévia à própria deflagração da licitação, não pode ela ser delegada ao contratado.
Quanto à licença de instalação, como visto, dispõe a Resolução CONAMA n.º 237/1997 que ela se presta a autorizar a instalação do empreendimento de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante.
Segundo a Cartilha de Licenciamento Ambiental do TCU[4], “Quando da solicitação da licença de instalação, o empreendedor deve: comprovar o cumprimento das condicionantes estabelecidas na licença prévia; apresentar os planos, programas e projetos ambientais detalhados e respectivos cronogramas de implementação; apresentar o detalhamento das partes dos projetos de engenharia que tenham relação com questões ambientais”.
Durante a vigência da licença de instalação, continua a Cartilha de Licenciamento Ambiental do TCU[5], o empreendedor deverá “implementar as condicionantes, com vistas a prevenir ou remediar impactos sociais e ambientais que possam ocorrer durante a fase de construção da obra, por meio de medidas que devem ser tomadas antes do início de operação. O cumprimento das condicionantes é indispensável para a solicitação e obtenção da licença de operação”.
A esse respeito, dispõe o Acórdão TCU 516/2003 – Plenário, in verbis:
156. Para solicitar a licença de instalação, o empreendedor apresenta ao Ibama os programas e projetos de controle ambiental [os programas e projetos ambientais integram o EIA/Rima do empreendimento e estão previstos no inciso IV do art. 6º da Resolução Conama nº 01/86] detalhados e o projeto básico do empreendimento . A LI é concedida antes do início das obras.
157. A partir do momento em que é concedida, o empreendedor poderá iniciar as obras. Ela corresponde ao comprometimento do empreendedor em manter o empreendimento nas condições em que foi aprovado, bem como no seu compromisso de implementar os programas ambientais aprovados por ocasião da concessão da LP.
158. Para conceder a licença de instalação, o órgão ambiental tem que concordar com o detalhamento desses programas e projetos ambientais, ou seja, com a forma como esses programas serão implementados.
159. Após a concessão da licença de instalação, o órgão ambiental realiza vistoria in loco no empreendimento, com o intuito de verificar se os planos e programas ambientais, e respectivas medidas mitigadoras, estão sendo implementados.
160. Constatada a implementação desses planos e programas ambientais, é emitido parecer a favor da concessão da licença de operação. Do contrário o parecer será contra o licenciamento da operação do empreendimento. Nesse caso, o empreendedor deverá proceder a adequações técnicas com vistas a atender às exigências da fase de instalação do empreendimento.
161. A LO é concedida antes do início do funcionamento do empreendimento. No caso de uma estrada, por exemplo, antes da liberação da estrada para o tráfego. Em uma hidrelétrica, antes da geração de energia.
162. Importante informar que, quando do requerimento de licença prévia, bem como quando houver indeferimento ou deferimento de qualquer uma das três licenças, o empreendedor é obrigado a dar publicidade ao ato em jornal da região.
163. Como visto anteriormente, ao licenciar previamente um empreendimento, o órgão ambiental está concordando com a forma como o empreendedor se compromete a tratar os impactos ambientais dele decorrentes (quais programas serão implementados para tornar sustentável o empreendimento). A concessão da licença de instalação significa que o órgão ambiental concorda com a maneira pela qual os programas ambientais serão implementados. Da mesma forma que ao outorgar a licença de operação, o órgão gestor do meio ambiente está aprovando a implementação dos programas ambientais.
164. As licenças ambientais prévia, de instalação e de operação somente são exigíveis de empreendimentos considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como aqueles capazes de, sob qualquer forma, causar degradação ambiental (art. 10 da Lei nº 6.938/81).
165. Isso conduz ao entendimento de que a não existência de qualquer uma dessas licenças, sendo elas exigíveis no caso concreto, trazem a possibilidade da ocorrência de poluição e degradação ambiental. E tanto na poluição como na degradação ambiental, há o prejuízo contra terceiros, haja vista ser o meio ambiente bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida da população (art. 225 da Constituição Federal, caput). Além disso há a possibilidade de, agindo à margem da lei, o empreendedor público incorrer em infração punível com multa na forma prevista na Lei nº 9.605/2000.
166. Por isso, entende-se que se deva propor que a execução das obras sem a devida licença de instalação, bem como o funcionamento de um empreendimento sem a licença de operação, nos casos em que a lei estabelece como necessários esses instrumentos, também pode configurar indício de irregularidade grave, por ter a potencialidade de ocasionar prejuízos ao erário e/ou a terceiros (inciso I do § 2º do art. 86 da LDO/2003).
167. O próprio TCU já exarou determinação no sentido da paralisação de obras por falta de licença ambiental, quando determinou ao extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem que (item 8.1 da Decisão nº 489/2000TCU-Plenário) "... não dê continuidade às obras, não celebre convênios e não contrate empresas executoras sem que sejam em todos os casos previstos na Resolução Conama nº 001/86, precedidas do competente estudo de impacto ambiental e respectivos relatório (RIMA) e licenças ambientais, bem como que atenda as exigências do art. 225, caput e §1º, inciso IV da CF; à Lei 6.938, de 31.8.91 e à Resolução do Conama nº 237, de 19.12.97".
A concessão da licença de instalação implica na concordância do órgão licenciador com o detalhamento dos projetos e programas ambientais aprovados no âmbito da LP, ou seja, com a forma como será tratada a questão ambiental ao longo da execução propriamente dita da obra ou serviço de engenharia. Daí porque as obras só podem ter início após a concessão da licença de instalação.
Muito embora a elaboração do projeto executivo e a execução das obras, no caso da contratação pelo RDC na modalidade integrada, estejam a cargo da contratada, não pode a Administração delegar ao particular a obtenção da licença de instalação, a pretexto de se eximir da responsabilidade pelo atendimento das condicionantes nela estabelecidas e dos estudos necessários.
Nesses casos, muito embora não execute diretamente as obras e serviços de engenharia, a Administração continua sendo a sua empreendedora para os fins legais, uma vez que, não se olvide, se trata de obra ou serviço de natureza pública, e não privada.
Portanto, em se tratando de obras e serviços executados direta ou indiretamente pela Administração, é atribuição do órgão ou entidade licitante providenciar a obtenção do licenciamento ambiental das obras e atividades relativas à sua esfera de competência, adotando as medidas necessárias para tanto e promovendo o acompanhamento desses procedimentos junto ao órgão ambiental competente, além de coordenar e acompanhar a realização de medidas de compensação ambiental desses mesmos empreendimentos.
E nem se poderia admitir conclusão diversa. Os danos ambientais, uma vez ocorridos, são em muitos casos irreversíveis. Assim, é indispensável que, a cada etapa de uma determinada obra ou empreendimento, se preceda à licença ambiental respectiva (prévia, de instalação ou de operação), com vistas à proteção do meio ambiente e adequado tratamento da questão ambiental no planejamento e execução das obras. Não é dado à Administração, pois, furtar-se do cumprimento e fiscalização desse mister.
Nada obstante a adoção do regime de contratação integrada pelo RDC tenha como um de seus objetivos a redução de riscos e responsabilidades em favor da Administração, não é demais repetir que a Administração não deverá repassar ao contratado todo e qualquer risco dessa atividade.
A licença de instalação envolve, repita-se, o tratamento que será conferido aos aspectos ambientais na execução propriamente dita da obra. É dever da Administração zelar para que o empreendimento seja executado de acordo com os planos e programas aprovados, de sorte a minorar/eliminar ao máximo os impactos deletérios dele decorrentes, atendendo, com isso, às normas ambientais vigentes.
Trata-se de imperativo legal e até mesmo constitucional (art. 225 da CF/1988), razão pela qual não se mostra razoável e pertinente transferir as responsabilidades e riscos decorrentes do requerimento da licença de instalação e do atendimento das condicionantes nela fixadas ao particular, que, nem sempre, poderá exercer tais misteres a contento.
Observe-se, ademais, que, como a licença de instalação é necessária para o início da execução de obras ou serviços, deixar a cargo do particular, selecionado após o decurso de todo um processo licitatório, com suas formalidades e recursos, a solicitação e realização de providências indispensáveis para tanto junto ao órgão ambiental seria, no mínimo, temerário, e poderia levar ao atraso no começo do empreendimento.
Além disso, a avaliação dos impactos ambientais dos empreendimentos implica nos valores fixados para o custo da obra ou serviço. Assim, convém lembrar que compete à Administração avaliar e estimar os custos decorrentes dos empreendimentos sob sua competência, não se mostrando possível nem recomendável repassar essa função ao contratado, o que poderia até mesmo induzir a ocorrência de fraudes ou superfaturamento de preços.
O mesmo raciocínio deve ser estendido, com propriedade, à licença de operação, a ser requerida e obtida pela própria Administração como pressuposto para o funcionamento do empreendimento.
Segundo a Cartilha de Licenciamento Ambiental do TCU[6], “Ao requerer a licença de operação, o empreendedor deve comprovar junto ao mesmo órgão ambiental que concedeu as licenças prévia e de instalação: a implantação de todos os programas ambientais que deveriam ter sido executados durante a vigência da licença de instalação; a execução do cronograma físico-financeiro do projeto de compensação ambiental; o cumprimento de todas as condicionantes estabelecidas quando da concessão da licença de instalação. Caso esteja pendente alguma condicionante da licença prévia, sua implementação também deverá ser comprovada nessa oportunidade”.
Concedida a licença de operação, fica o empreendedor obrigado a adotar as medidas de controle ambiental e as demais condicionantes estabelecidas, sob pena de ter a LO suspensa ou cancelada pelo órgão outorgante. Via de regra, tais condicionantes visam à correta implantação dos programas de monitoramento e acompanhamento ambiental do empreendimento e objetivam prevenir riscos à saúde.
É dever da Administração, como visto, zelar pela proteção ao meio ambiente, mormente em se considerando ser ela a maior interessada na operação do empreendimento já executado, razão pela qual, ipso facto, a ela compete, igualmente, requerer e se responsabilizar pela LO e pelas condicionantes nela fixadas.
Outro não foi, aliás, o posicionamento já exarado pelo TCU a respeito do tema, no bojo do Acórdão 1.005/2003 – Plenário, por meio do qual se recomendou ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) que providenciasse, por si mesmo, as necessárias licenças ambientais aos empreendimentos por ele conduzidos, abstendo-se de transferir esse encargo aos contratados, nos seguintes termos:
2) Descrição: Atribuição de obrigação de providenciar licenciamento ambiental a licitante em Edital, contrariando os mandamentos da Resolução CONAMA nº 237/97, que determina que é dever do empreendedor a obtenção prévia de licença ambiental junto ao órgão ambiental competente.
Área de Ocorrência: Empreendimento Classificação: Outras Irregularidades Tipo: Processo licitatório com irregularidades relevantes
Essa irregularidade foi verificada em relação aos procedimentos licitatórios para seleção de empreiteiras para os lotes I e II (Subtrecho: São Desidério-Correntina, Segmentos: Km 209 - São Desidério - ao Km 267 e Km 267 ao Km 344 - Correntina, respectivamente, lotes I e II), pois os editais de ambos os procedimentos (Edital nº 119/2002-5, do Lote I, e Edital nº 113/2002-5, do Lote II) apresentam no item 14.7 "g" a previsão de encargo de obtenção das licenças ambientais, com ônus total para as empreiteiras, contrariando as Resoluções CONAMA nos 001/86 e 237/97.
A situação fere vários dispositivos das Resoluções CONAMA nos 001/86 e 237/97, que atribuem o dever de providenciar o licenciamento ambiental ao empreendedor da obra ou projeto, às suas expensas e de forma prévia relativamente à execução da obra ou projeto, a exemplo dos artigos 1º, II; 2º, caput; 3º, caput; 10, I e II; 11 e 14, todos da Resolução CONAMA nº 237/97, além dos artigos 7º e 8º da Resolução nº 001/86.
Além do mais, há incompatibilidade lógica, pois se os empreiteiros tiverem tal incumbência, o início da obra ficará condicionado à obtenção de uma licença, que por definição é prévia, aumentando as incertezas quanto ao início e fim da obra, face ao comando contido no art. 14 da Resolução CONAMA nº 237/97, que estabelece prazos máximos para que o órgão ambiental analise e conceda a licença.
Em vista de tudo quanto aqui exposto, é cabível determinação ao DNIT para que:
a) torne nulo e sem efeito a alínea "g" do item 14.7 dos Editais de Concorrência Pública nos 119/2002-5 e 113/2002-5, estendendo esse procedimento para eventuais dispositivos semelhantes porventura presentes em outras licitações do órgão;
b) não volte a incluir tal dispositivo editalício nos futuros certames a serem realizados pelo órgão;
c) providencie, por si mesmo, as necessárias licenças ambientais para as obras dos lotes I e II da BR-135/BA.
VOTO
No tocante à impropriedade consistente na inclusão, nos editais das concorrências nos 119/2002-5 e 113/2002-5, de obrigação para que os próprios licitantes providenciem as licenças ambientais exigidas, entendo não ser adequada a sugestão no sentido de se tornar nula a disposição editalícia.
É que, conquanto a Unidade Técnica não tenha formulado qualquer consideração a respeito, a eventual nulidade da disposição do edital só faria sentido caso se tivesse por pertinente acolher a conseqüência daí resultante: a nulificação do próprio procedimento licitatório, já a essa altura concluído. E, avaliando a gravidade da falha no conjunto das medidas adotadas pela Administração, não se me afigura ela de magnitude tal a justificar a solução extrema da nulificação do certame competitivo.
De conseguinte, entendo que, no que diz respeito a esse ponto, devam ser acolhidas apenas as duas outras sugestões formuladas pela Secex/BA.
Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Relatório de Levantamento de Auditoria, realizado nas obras de construção de trechos rodoviários no Corredor São Francisco - BR-135/BA - Divisa PI/BA - Divisa BA/MG, no âmbito do Programa de Trabalho 26.782.0229.5703.0105, com o objetivo de prestar informações ao Congresso Nacional para subsidiar os trabalhos da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
(...)
9.3 determinar ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes que:
9.3.1 não inclua nos editais de futuros certames licitatórios disposição com o teor do constante na alínea "g" do item 14.7 dos Editais de Concorrência Pública nos 119/2002-5 e 113/2002-5, que obriga os próprios licitantes a providenciar as licenças ambientais exigidas;
9.3.2 providencie, por conta própria, as necessárias licenças ambientais para as obras dos lotes I e II da BR-135/BA;
(...)
O mesmo entendimento fora ratificado no Acórdão TCU 355/2007 – Plenário, segundo o qual:
6.3.12. Por fim, ao contrário do que defendem os responsáveis, a obtenção das licenças não é encargo da contratada. A preocupação com o meio ambiente deve ser de todos, Administração e contratada. No caso em foco, é sobretudo da Administração, pois é dela a iniciativa da obra. A licença prévia, com mais força, deveria ter sido por ela requerida, pois está ligada a uma fase anterior à contratação. As demais licenças também não deixam de ser de sua responsabilidade, sendo possível, entretanto, que ela delegue a incumbência de obtê-las à construtora.
Dessa forma, resta claro que compete à própria Administração Pública, enquanto empreendedora de obras e serviços de engenharia a serem contratados pelo RDC, na modalidade integrada, o requerimento e obtenção, perante o órgão ambiental competente, das licenças ambientais exigidas para o planejamento e execução dos empreendimentos que conduzir, não se apresentando consentâneo à ratio essendi das normas pertinentes ao assunto, acima abordadas, transferir tal atribuição ao particular.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que, nas contratações a serem promovidas pela Administração Pública por meio do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, na modalidade integrada, não deverá o órgão ou entidade contratante transferir ao particular contratado a responsabilidade pela obtenção das licenças ambientais e pelo atendimento das condicionantes nelas fixadas.
É dever da Administração, enquanto empreendedora das obras e serviços públicos, promover e diligenciar a proteção do meio ambiente, avaliar os impactos ambientais dos seus empreendimentos e cuidar para que sejam os efeitos deletérios deles decorrentes mitigados ou eliminados, incumbindo-lhe, pois, a adoção das providências pertinentes ao licenciamento ambiental dos empreendimentos executados no âmbito de sua competência, com a obtenção de todas as licenças necessárias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REISDORFER, Guilherme Fredherico Dias. In O Regime Diferenciado de Contratações Públicas: Comentários à Lei n.º 12.462 e ao Decreto n.º 7.581. Coordenadores: Marçal Justen Filho e Cesar A. Guimarães Pereira. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Cartilha de licenciamento ambiental / Tribunal de Contas da União; com colaboração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. -- 2.ed. -- Brasília: TCU, 4ª Secretaria de Controle Externo, 2007.
[1] In O Regime Diferenciado de Contratações Públicas: Comentários à Lei n.º 12.462 e ao Decreto n.º 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 150-151. Coordenadores: Marçal Justen Filho e Cesar A. Guimarães Pereira.
[2] Ob. cit. p. 152.
[3] Ob. cit. p. 156.
[4] Disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2059156.PDF. Acesso em 18/11/2011. p. 26-27.
[5] Disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2059156.PDF. Acesso em 18/11/2011. p. 27.
[6] Disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2059156.PDF. Acesso em 18/11/2011. p. 27.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Caroline Marinho Boaventura. Da responsabilidade da Administração Pública pela obtenção das licenças ambientais para obras e serviços executados sob o regime da contratação integrada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41950/da-responsabilidade-da-administracao-publica-pela-obtencao-das-licencas-ambientais-para-obras-e-servicos-executados-sob-o-regime-da-contratacao-integrada. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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