Resumo: A presente investigação tem por finalidade estudar a responsabilidade civil das concessionárias e permissionárias de serviço público em face de terceiros, com fulcro no art. 37, § 6º da Constituição. O trabalho foca na análise da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado no direito pátrio e na jurisprudência nacional. Apresenta, também, divergência doutrinária e jurisprudencial em relação à natureza da responsabilidade por atos omissivos. Examina, ainda, os fundamentos que levaram a Suprema Corte a distinguir as modalidades de responsabilidade civil das empresas prestadoras de serviço público em razão do dano ter sido ocasionado em face de usuário ou terceiro estranho à relação contratual, bem como os motivos que sustentaram a revisão dessa posição.
Palavras-chave: responsabilidade, civil, serviço, público, terceiro.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. A evolução das teorias da responsabilidade civil do Estado. 2.2. A responsabilidade civil do Estado e das empresas prestadoras de serviço público na Constituição. 2.3.A responsabilidade civil do Estado e das empresas prestadoras de serviço público segundo a jurisprudência. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho visa analisar a responsabilidade civil das concessionárias e permissionárias de serviço público em face de terceiros.
Primeiramente, será feita uma rápida digressão sobre as teorias da responsabilidade do Estado. Após, fixada a teoria prevalecente no direito brasileiro, será possível delinear a responsabilidade do Estado por atos comissivos e omissivos, tendo em vista a disciplina constitucional e legal que trata da matéria, bem como a posição dominante na jurisprudência pátria.
Por fim, investigar-se-á a responsabilidade das empresas delegatárias de serviço público e se o fato de a vítima ser usuária ou não do serviço prestado afeta a modalidade de responsabilidade a que se submeterá.
2. Desenvolvimento
2.1. A evolução das teorias da responsabilidade civil do Estado
Primeiramente, passa-se a analisar a evolução das teorias da responsabilidade civil do Estado.
A teoria da irresponsabilidade civil do Estado encontra suas raízes na criação dos Estados Nacionais, sob o fundamento de que o soberano não erra (“The king can do no wrong.” e “Le roi ne peut mal faire.”). O Estado é considerado a personificação do monarca, que é infalível. Portanto, impossível que o Estado cause danos aos administrados.
No regime absolutista, o Estado não responde civilmente por suas ações ou omissões. No entanto, admite-se a responsabilidade direta e pessoal do agente público incumbido de cumprir o dever estatal causador do dano. Justifica-se essa posição, com a afirmação de que os atos contrários à lei praticados pelos agentes públicos jamais podem ser considerados atos do Estado, que representa o direito organizado, sendo inadmissível que a Administração apareça como violadora da lei (SCABORA, p. 2).
Com o advento da teoria civilista, fruto do surgimento do Estado de Direito, que é pressuposto da aceitação da responsabilização estatal, passa-se a reconhecer a responsabilidade do Estado em alguns casos. Aqui se faz a distinção, tão conhecida na doutrina, entre atos de gestão e atos de império praticados pela Administração Pública.
Os atos de império são, sucintamente, os que se impõem coercitivamente aos administrados, pois decorrem de seu poder soberano. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 522). Os atos de gestão, por sua vez, são os que se assemelham aos realizados pelos particulares, já que são atos praticados com o escopo de satisfazer necessidades sociais, mas sem o caráter de essencialidade (SCABORA, p. 4).
Assim, segundo essa teoria, a responsabilidade civil do Estado somente pode advir da prática de atos de gestão, e nunca de império, pois estes últimos decorrem da relação de subordinação existente entre o administrador e seus administrados. Ademais, a responsabilização depende da comprovação da culpa do agente público – responsabilidade subjetiva, portanto – e de que a falta está atrelada à função pública.
A responsabilidade subjetiva do Estado foi encampada pelo Código Civil de 1916, que assim previa em seu art. 15:
Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (destacamos)
Verifica-se claramente que a responsabilidade subjetiva prevista na lei, até aquele momento, é aplicável aos casos de conduta ilícita praticada pela Administração. Os atos lícitos praticados pelo Estado não são, até então, aptos a gerar responsabilização.
Portanto, para a configuração da responsabilidade subjetiva, a vítima deve comprovar a existência:
- da conduta
- do dano
- do nexo de causalidade entre a conduta e o dano
- da culpa ou do dolo do agente
A dificuldade da vítima em identificar o causador do dano, leia-se, o agente público que praticou o ato ilícito, contribuiu para a evolução da teoria da responsabilidade subjetiva pela culpa do agente para a responsabilização pela culpa do serviço (“fauteduservice”).
Proveniente do direito francês, essa nova concepção aduz que a vítima não precisa identificar o agente causador do dano, mas, tão somente, comprovar que o serviço não foi prestado ou o foi de forma ineficiente.
Também chamada pela doutrina de responsabilidade subjetiva por culpa anônima, nela, em que pese não ser mais necessária a individualização do agente causador do dano, a aferição da existência do dolo ou da culpa é essencial para a responsabilização do Estado.
A partir dessa evolução na responsabilidade subjetiva da Administração, passa-se a responsabilizar o Estado não só pelas condutas praticadas, mas também pelas omissões específicas, quando há o descumprimento do dever legal de agir, o que será examinado mais adiante.
De todo modo, a responsabilidade, até então configurada, somente abrange a prática de condutas ilícitas, comissivas ou omissivas.
Com o advento da Constituição de 1946, o Brasil passa a adotar a teoria da responsabilidade civil objetiva da Administração. O art. 194 possuía a seguinte redação:
Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.
Constata-se, portanto, que a Constituição de 1946 não recepcionou o art. 15 do Código Civil de 1916. Assim, suprimindo a expressão “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei” da redação do dispositivo, fica clara a opção pela responsabilidade civil objetiva da Administração, que, agora, também pode ocorrer nos casos de atos lícitos.
Cavalieri Filho, brilhantemente, expõe:
(...) a partir da Constituição de 1946, a responsabilidade civil do Estado brasileiro passou a ser objetiva, com base na teoria do risco administrativo, onde não se cogita de culpa, mas, tão-somente, da relação de causalidade. Provado que o dano sofrido pelo particular é consequência da atividade administrativa, desnecessário será perquirir a ocorrência de culpa do funcionário ou, mesmo, de falta anônima do serviço. O dever de indenizar da Administração opor-se-á por força do dispositivo constitucional que consagrou o princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. (2003 apud FONSECA E SILVA, 2004, p. 6).
O fundamento constitucional para a responsabilização do Estado pela prática de ato ilícito é o princípio da legalidade, o qual a Administração está obrigada a observar, nos termos do art. 37, caput, da Carta Magna.
A responsabilidade do Estado por ato lícito também é possível e possui como embasamento os princípios da isonomia e solidariedade, que justificam a necessidade de repartição dos danos e redistribuição dos prejuízos.
De fato, o agir impositivo do Estado, que decorre de seu poder soberano, exige maior rigor na responsabilidade civil, em relação àquela prevista nas relações privadas, pois o ato administrativo é dotado de presunção de legitimidade, imperatividade, coercibilidade e autoexecutoriedade, não havendo qualquer escolha do particular em sua aceitação. Razoável, portanto, que a responsabilização seja mais severa quando há desvio de conduta ou ausência dela, nos casos de omissão específica, em afronta à Constituição ou à lei.
Ademais, Fonseca e Silva (2004, p. 6) assevera que “como toda atividade estatal é exercida, direta e indiretamente, em benefício de todos, prega essa teoria que, também no caso de dano, o Estado, que representa todos, deve suportar o ônus de sua atividade sem que se cogite da culpa de seus agentes”.
A responsabilidade objetiva é caracterizada pela presença dos seguintes elementos:
- conduta
- dano
- nexo causal entre a conduta e o dano
Quanto às possíveis excludentes da responsabilização, há que se analisar as teorias do risco administrativo e do risco integral.
Segundo a teoria do risco administrativo, a responsabilidade civil do Estado decorre da demonstração da ocorrência da conduta, do dano, do nexo causal entre a conduta e o dano, bem como da inexistência de uma das causas excludentes desse nexo, quais sejam, fato da vítima, de terceiro, caso fortuito ou força maior.
Como acima consignado, o Estado tem mais poderes e prerrogativas do que os administrados e, nesse sentido, não seria justo que, diante de prejuízos advindos da atividade estatal, tivessem os particulares que arcar com o risco dela originado. Outrossim, pelo princípio da repartição dos encargos, a sociedade, que é, em última análise, a beneficiária da atividade estatal, deve também indenizar, indiretamente, através dos cofres públicos, os eventuais prejudicados por condutas ou omissões da Administração, ainda que ausente a culpa.
Ao contrário, a teoria do risco integral inadmite excludentes de responsabilidade. A responsabilização ocorre até mesmo no caso de culpa exclusiva da vítima.
Cavalieri Filho defende a nova teoria do risco social, na qual o foco da responsabilidade civil passa a ser a vítima, e não o autor do dano, “de modo que a reparação estaria a cargo de toda a coletividade, dando ensejo ao que se denomina de socialização dos riscos – sempre com o intuito de que o lesado não deixe de merecer a justa reparação pelo dano sofrido” (CAVALIERI FILHO, 2004 apud CARVALHO FILHO, 2009, p. 524).
Essa última teoria constitui, em última análise, um mero aspecto da teoria do risco integral e, para os autores que a defendem, a tendência é que a responsabilidade civil do Estado caminhe para a responsabilização da Administração mesmo se os danos não lhe forem imputáveis.
Certo é que considerar o Estado como um segurador universal de todos os danos causados aos administrados tem seus riscos. A responsabilização genérica do Estado pode gerar insegurança jurídica e grave dano ao erário, prejudicando os próprios contribuintes.
O Brasil adota, como regra, a responsabilidade civil objetiva do Estado com base na teoria do risco administrativo. Todavia, em situações especiais, em razão da natureza da atividade e da extensão dos possíveis danos que venham a ocorrer, adota-se a responsabilidade pelo risco integral, como nos casos de danos nucleares e ambientais.
A evolução da responsabilidade civil subjetiva para a objetiva tem como fundamento a promoção da justiça social, na medida em que atenua as dificuldades e impedimentos que os particulares teriam que suportar quando prejudicados por condutas de agentes públicos (CARVALHO FILHO, 2009, p. 525).
2.2. A responsabilidade civil do Estado e das empresas prestadoras de serviço público na Constituição
Como acima dito, a Constituição de 1946, em seu art. 194, assentou a responsabilidade civil objetiva do Estado.
Os arts. 105, da Constituição de 1967, e 107, trazido pela Emenda nº 1/69, praticamente repetiram o dispositivo acima estudado e continuaram a prever a teoria da responsabilidade objetiva.
O art. 37, § 6º da Constituição de 1988 também assim o faz, ao dispor que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (negritamos)
Em primeiro lugar, faz-se mister destacar que a responsabilidade do Estado em exame é a extracontratual, uma vez que a contratual pressupõe a realização de contratos administrativos, que são regidos por princípios próprios.
Nos dizeres de Di Pietro (2009, p. 638), “a responsabilidade patrimonial pode decorrer de atos jurídicos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissão do Poder Público. O essencial é que haja um dano causado a terceiro por comportamento omissivo ou comissivo do Estado”.
A despeito do mandamento constitucional não alterar a doutrina consagrada anteriormente, há um elemento na nova redação que merece destaque. É o que diz respeito às pessoas sujeitas à responsabilidade civil objetiva.
Quanto à responsabilização das pessoas jurídicas de direito público, não há qualquer inovação. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e as fundações públicas de natureza autárquica são objetivamente responsáveis pelos atos praticados por seus agentes.
Já a previsão no dispositivo das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é novidade. O objetivo do Constituinte foi igualar às pessoas jurídicas de direito público as de direito privado que executem funções que, a princípio, caibam ao Estado. Decerto, não parece lógico nem razoável que a transferência da execução do serviço público pelo Estado ocasione o afastamento da responsabilidade objetiva, sua e do particular prestador do serviço, dificultando a reparação dos danos causados aos administrados.
Assim, passam a responder objetivamente, pelos danos decorrentes de sua atuação, as pessoas jurídicas de direito privado da Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado), quando atuam na prestação de serviços públicos, bem como os concessionários e permissionários de serviços públicos, na forma do art. 175 da Constituição.
Ressalte-se, também, que o termo “agente” deve ser empregado em sentido amplo, não se restringindo ao servidor. A expressão deve alcançar todas as pessoas cuja atuação seja imputada ao Estado. Ainda, a expressão “nessa qualidade” denota que a responsabilidade da pessoa jurídica somente ocorrerá caso seu preposto esteja agindo no exercício de suas funções ou, ao menos, esteja se conduzindo a pretexto de exercê-la (CARVALHO FILHO, 2009, p. 530).
A par da responsabilidade objetiva acima delineada, na parte final do parágrafo mencionado, está fixada a responsabilidade subjetiva do agente responsável pelo dano, em face do direito de regresso que contra ele possui a pessoa jurídica responsabilizada.
Ademais, é importante frisar a possibilidade de que o Estado responda objetivamente pelos danos causados pelos agentes de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público quando esta não tenha efetivas condições de arcar com a indenização em que condenada. A responsabilidade da pessoa jurídica privada é chamada de primária, pois esta responde diretamente pelos danos praticados pelos seus prepostos. Diz-se subsidiária a responsabilidade do Estado quando chamado a responder pelo agente de outra pessoa jurídica que presta serviço público, em razão da transferência de sua execução pela Administração Direta, através de outorga ou delegação.
No entanto, é possível que a responsabilização do Estado se dê de forma solidária, caso fique demonstrado que a Administração concorreu com a pessoa responsável para a ocorrência do dano, por negligência ou omissão administrativa.
Por fim, o art. 43 do Código Civil de 2002, alterando a redação do art. 15 do Código Civil de 1916, passou a disciplinar a matéria em consonância com o que preceitua o art. 37, § 6º da Constituição de 1988, que proclama a responsabilidade civil objetiva da Administração.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Questão relevante é a interpretação do sentido do verbo “causar” empregado no § 6º do art. 37 da Constituição.
Deve-se perquirir se a responsabilidade ali prevista abarca não só as condutas comissivas, mas também as omissivas.
Muitos doutrinadores defendem que a responsabilidade civil da Administração pelas condutas omissivas se dá subjetivamente, devendo, desse modo, ficar demonstrada a ocorrência de, ao menos, negligência, imprudência ou imperícia, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de um determinado agente público, mas atribuída ao serviço estatal genericamente.
Celso Antônio Bandeira de Mello, Cretella Júnior e Di Pietro são alguns dos doutrinadores que defendem ser subjetiva a responsabilidade da Administração Pública em casos de omissão.
Di Pietro e Bandeira de Mello vão além, ao afirmar que existe uma presunção de culpa do Poder Público nesse caso. Expõe Di Pietro:
O lesado não precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou dolo. Ao Estado é que cabe demonstrar que agiu com diligência, que utilizou os meios adequados e disponíveis e que, se não agiu, é porque a sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir; se fizer essa demonstração, não incidirá a responsabilidade. (DI PIETRO, 2009, p. 652).
Telles (2003 apud CARVALHO FILHO, 2009, p. 539) observa que o art. 927, § único do Código Civil, ao estabelecer que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei”, está designando que a responsabilidade objetiva carece de disposição legal expressa.
Desse modo, conclui o autor que os arts. 37, § 6º da Constituição e 43 do Código Civil devem ser interpretados restritivamente, já que não especificam que o dispositivo abrange, também, as omissões da Administração Pública.
Não obstante, há os que sustentam que a diferenciação entre conduta comissiva e omissiva restaura a situação de desigualdade da vítima do serviço público danoso, além de constituir retrocesso na evolução da responsabilidade civil estatal. Afirmam, também, que se faz distinção onde a Constituição não faz, o que não pode ser admitido (FONSECA E SILVA, 2004, p. 10).
Há, ainda, os que aludem, na esteira do posicionamento de Cavalieri Filho e Couto de Castro (CAVALIERI FILHO, 2003 apud FONSECA E SILVA, 2004, p. 8), ser objetiva a responsabilidade caso a omissão seja específica, pois há dever individualizado de agir, e subjetiva, na hipótese de dano proveniente de omissão genérica.
Em que pesem ditas discordâncias, a responsabilidade da Administração por omissão exige o descumprimento de um dever legal de agir.
Na aferição, nos casos concretos, da omissão que dá ensejo à responsabilidade, deve-se atentar se o serviço público foi prestado dentro do padrão normal, ou seja, em observância ao princípio da reserva do possível, tal qual consignado na ADPF 45.
No julgamento da Medida Cautelar na ADPF 45, o Min. Relator Celso de Mello aduz:
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) arazoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos.
Isso quer dizer que somente as omissões específicas da Administração podem dar ensejo à sua responsabilização, e não as omissões genéricas, decorrentes de carências existentes em todas as sociedades, sem que estas tenham nexo direto de causalidade com o resultado danoso (CARVALHO FILHO, 2009, p. 540).
Ademais, para configurar a responsabilidade do Estado por omissão, não basta o descumprimento do dever legal de agir, que o serviço seja prestado fora de seus padrões normais e que haja nexo direto de causalidade entre o fato e o dano sofrido, é necessário, ainda, que o dano seja evitável pelo Estado, que, no entanto, não tomou os cuidados necessários.
Portanto, a culpa exigida para a configuração da responsabilidade por omissão deriva do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano (BANDEIRA DE MELLO, 2008 apud CARVALHO FILHO, 2009, p. 538).
Deve-se ponderar, também, que, tanto na responsabilidade subjetiva quanto na objetiva, é indispensável a comprovação da ocorrência de dano certo (determinado ou, ao menos, determinável) e jurídico (que decorre da lesão a um direito e não de simples prejuízo econômico experimentado). Na responsabilidade objetiva por condutas lícitas, é necessário, ainda, demonstrar que o dano sofrido é anormal, ou seja, que extrapola o aceitável.
Alheio às interpretações dissonantes do art. 37, § 6º da Constituição, no que tange à responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva, o art. 14 da Lei nº 8.078/90, que institui o Código de Defesa do Consumidor, proclama a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviço, que é plenamente aplicável ao Estado, quando existente relação jurídica de natureza consumerista.
Dispõe o citado dispositivo:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (grifamos)
Ademais, os arts. 2º e 3º conceituam consumidor e fornecedor, nesses termos:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (negritamos)
Vê-se, portanto, que o Estado pode ser considerado fornecedor e, como tal, deve fornecer serviços públicos adequados, eficientes, seguros e contínuos, no que toca aos essenciais, sob pena de responder objetivamente pelos danos causados, na forma do Código de Defesa do Consumidor (FONSECA E SILVA, 2004, p. 7).
Insta salientar, contudo, que o Estado somente se sujeita às regras consumeristas quando produtor de bens ou prestador de serviços remunerados por tarifas ou preços públicos. E, nessa hipótese, responde objetivamente tanto pelos atos comissivos quanto pelos omissivos.
Esclarecedora a manifestação de Denari, que expõe:
(...) parece razoável concluir que, a partir do evento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do Estado pelo funcionamento dos serviços públicos não decorre da falta, mas do fato do serviço público, ficando evidente que o legislador acolheu, ineludivelmente, a teoria do risco administrativo (...). (2000 apud FONSECA E SILVA, 2004, p. 7)
Sendo apresentadas as principais teorias da responsabilidade civil do Estado e o dissenso doutrinário referente à responsabilidade civil do Estado por omissão, parte-se para a análise, no próximo tópico, do entendimento da jurisprudência pátria em relação à matéria, notadamente acerca da importância da caracterização da vítima como usuária do serviço público prestado, para a configuração da responsabilidade objetiva da empresa privada delegatária.
2.3.A responsabilidade civil do Estado e das empresas prestadoras de serviço público segundo a jurisprudência
Na jurisprudência, dúvidas não há quanto à aplicação da responsabilidade objetiva nos casos de atos comissivos praticados pela Administração, na esteira do que dispõe o art. 37, § 6º da Constituição.
Já, em relação à responsabilidade do Estado por omissão, até hoje, há decisões dissonantes sobre o tema.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu, outrora, pela responsabilização objetiva do Estado em casos de omissão específica, conforme tese defendida por Cavalieri Filho, nos termos da ementa abaixo transcrita.
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6.º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS EM IMÓVEL RURAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE DE PARTE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. Esta Corte já firmou entendimento de que é incabível, na via extraordinária, alegação de ofensa indireta à Constituição Federal, por má interpretação de normas processuais, contidas na legislação infraconstitucional. Caracteriza-se a responsabilidade civil objetiva do Poder Público em decorrência de danos causados, por invasores, em propriedade particular, quando o Estado se omite no cumprimento de ordem judicial para envio de força policial ao imóvel invadido. Recursos extraordinários não conhecidos. (RE 283989/PR, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, julgado em 28/05/2002, DJ 13/09/2002). (sublinhamos)
Também já se posicionou pela responsabilidade subjetiva, nesses termos:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DANO EM VEÍCULO AUTOMOTOR EM DECORRÊNCIA DE PASSAGEM SOBRE BURACO EM VIA PÚBLICA. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. MATÉRIA DE FATO. SÚMULA 279 DO STF. I - Decisão monocrática que negou seguimento ao recurso extraordinário por entender que concluir de forma diversa do acórdão recorrido necessitaria de reexame de matéria de prova (Súmula 279 do STF). II - Inexistência de novos argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada, que deve ser mantida. III - Agravo regimental improvido. (RE 585007 AgR/DF, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 05/05/2009, DJe 04/06/2009). (destacamos)
Mais recentemente, encampou a tese de que não é importante qualificar a responsabilidade como subjetiva ou objetiva, mas sim que a omissão verificada seja condição decisiva para a produção do resultado danoso. Veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS POR INTEGRANTES DO MST. CARACTERIZADA OMISSÃO CULPOSA DAS AUTORIDADES POLICIAIS, QUE NÃO CUMPRIRAM MANDADO JUDICIAL DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, TAMPOUCO JUSTIFICARAM SUA INÉRCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO 279 DA SÚMULA/STF. A qualificação do tipo de responsabilidade imputável ao Estado, se objetiva ou subjetiva, constitui circunstância de menor relevo quando as instâncias ordinárias demonstram, com base no acervo probatório, que a inoperância estatal injustificada foi condição decisiva para a produção do resultado danoso. Precedentes: RE 237561, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 05.04.2002; RE 283989, rel. min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 13.09.2002. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 600652 Agr/PR, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 04/10/2011, DJe 21/10/2011). (grifamos)
Em 2012, a Suprema Corte posicionou-se pela responsabilização objetiva em casos de omissão do Estado, de acordo com a ementa abaixo colacionada:
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – MORTE DE INOCENTE CAUSADA POR DISPARO EFETUADO COM ARMA DE FOGO PERTENCENTE À POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL E MANEJADA POR INTEGRANTE DESSA CORPORAÇÃO – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventusdamni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A ação ou a omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido.(RE 603626 AgR-segundo/MS, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 15/05/2012, DJe 11/06/2012). (negritamos)
Todavia, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça fixou como pacífico o entendimento da jurisprudência daquele Tribunal e da Suprema Corte, bem como da doutrina, acerca da responsabilidade civil subjetiva do Estado por condutas omissivas.
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. BACEN. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. MERCADO DE CAPITAIS. QUEBRA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EVENTUAL PREJUÍZO DE INVESTIDORES. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA.
1. A pacífica jurisprudência do STJ e do STF, bem como a doutrina, compreende que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, ou seja, a omissão do Estado, apesar do dever legalmente imposto de agir, além, obviamente, do dano e do nexo causal entre ambos.
2. O STJ firmou o entendimento de não haver nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido por investidores em decorrência de quebra de instituição financeira e a suposta ausência ou falha na fiscalização realizada pelo Banco Central no mercado de capitais.
3. Recursos Especiais providos.
(REsp 1023937/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 30/06/2010) (destacamos)
Em que pese esse dissenso jurisprudencial, percebe-se que, atualmente, a jurisprudência vem considerando mais importante do que a caracterização da responsabilidade como subjetiva ou objetiva a configuração da omissão decorrente de um descumprimento de obrigação exigível, na qual já estaria incrustada a ideia de culpa.
Essa responsabilidade somente seria elidível diante de uma das excludentes do nexo causal direto e imediato entre a omissão perpetrada e o resultado danoso, como o caso fortuito, força maior, ato do próprio ofendido ou de terceiro.
Ademais, verifica-se que a jurisprudência prevê uma situação intermediária, entre as tradicionais condutas comissivas e omissivas, que são as atividades de risco prestadas pelo Estado.
Nesse caso, a jurisprudência tem entendido, e aí que se encontra, para muitos, a falsa divergência jurisprudencial acima exposta, que determinadas condutas do Estado geram um grave risco aos administrados que deve ser assumido pela Administração.
Assim, caso se concretize certo risco, ocasionando dano ao particular, o Estado deve responder, ainda que o prejuízo verificado não decorra direta e imediatamente da sua omissão.
Atualmente, o caso que melhor traduz essa tese é a reponsabilidade do Estado pela morte de preso ocorrida em presídio em que há superlotação. Entende-se que o Estado com a conduta de aglomerar vários detentos no mesmo estabelecimento prisional assumiu o risco pela morte de um deles em conflito entre as facções rivais, ainda que não fique comprovada a omissão específica e o dano decorrente dela direta e imediatamente, tendo em vista que a Administração assumiu o risco de sua ocorrência.
Deste modo, uma forma de conciliar as posições destoantes da jurisprudência é conceber a responsabilidade subjetiva do Estado pelas omissões específicas ocorridas, desde que o dano decorra direta e imediatamente delas, e a responsabilidade objetiva da Administração nas condutas omissivas verificadas em atividades de risco desenvolvidas pelo Estado, nas quais o Poder Público assume o risco da produção do resultado, independentemente de culpa.
Outra questão de significativa importância, que já está pacificada na jurisprudência e é ponto crucial para o exame do tema proposto, é a desnecessidade de que a vítima seja, também, usuária do serviço público prestado, a fim de que as empresas privadas, na forma do art. 37, § 6º da Constituição, sejam responsabilizadas objetivamente pelo evento danoso ocorrido.
Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público restringia-se aos danos causados aos seus usuários.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º.I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. II. - R.E. conhecido e provido.(RE 262651/SP, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 16/11/2005, DJ 06/05/2005). (grifamos)
Fixou-se o entendimento segundo qual o usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço ideal e, desse modo, não lhe pode ser exigível a prova da culpa do prestador do serviço. Concluiu-se, também, que estendê-la a terceiros tornaria demasiadamente ampla a responsabilidade do prestador de serviços.
Tempos depois, através do julgamento do RE 591874/MS, o Supremo Tribunal Federal, sabiamente, reviu sua posição e passou a considerar objetiva a responsabilidade das empresas privadas prestadoras de serviços públicos, independentemente do dano ter sido ocasionado em face de usuário ou terceiro estranho à relação contratual.
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso extraordinário desprovido. (RE 591874/MS, TRIBUNAL PLENO, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 26/08/2009, DJe 17/12/2009). (destacamos)
Entendeu-se não ser legítima a distinção feita entre os usuários e os não usuários a partir do termo “terceiros”, usado no art. 37, § 6º da Constituição, sob pena de afrontar o princípio da igualdade, já que a própria norma Constituição não fez essa diferenciação.
Assentou-se que todos eles podem sofrer, de igual modo, dano em razão da ação administrativa do Estado, seja realizada diretamente ou através de pessoa jurídica de direito privado.
Salientou-se, também, que o entendimento segundo o qual somente os usuários gozariam de maior proteção constitucional, decorrente da responsabilidade objetiva, por terem o direito subjetivo a um serviço público adequado, contrapõe-se à própria essência do serviço público, que tem caráter geral, estendendo-se a todos os cidadãos, beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal.
3.Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que, desde que comprovada a existência da conduta, do dano e do nexo causal entre eles, deve ser responsabilizada a empresa privada prestadora de serviço público pela lesão ocasionada.
A responsabilidade, nesse caso, é objetiva, adotando-se a teoria do risco administrativo, que pode ser elidida se for demonstrada a existência de alguma causa excludente de responsabilidade, como o fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior.
Atente-se que tem prevalecido o entendimento que nem mesmo o fato exclusivo de terceiro é apto a, por si só, afastar a responsabilidade objetiva, quando considerado fortuito interno, ou seja, inerente ao risco previsível da atividade.
Ainda, deve-se ressaltar que a tese de que a responsabilidade perante terceiros seria subjetiva, em contraponto à responsabilidade objetiva em face dos usuários do serviço público prestado, já teve sua validade infirmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O entendimento de que a responsabilidade deve ser objetiva, tanto para usuários como para terceiros não usuários, funda-se no risco inerente a toda ação estatal e na igualdade de todos os cidadãos perante os encargos públicos. Desse modo, se toda ação administrativa é levada a efeito em prol do interesse coletivo, o risco por ela provocado deve ser repartido entre toda a sociedade, com base no princípio da solidariedade social. Portanto, não seria justo que alguém suportasse sozinho os ônus decorrentes de uma atividade exercida em benefício de toda coletividade, ainda que prestada por um particular.
Insta consignar que a titularidade do serviço público ainda pertence ao ente federativo e se o Poder Público, como tal, responderia perante o terceiro de modo objetivo, não há motivos razoáveis para que assim não seja em face de concessionária ou permissionária de serviços públicos.
A culpa até pode ser aventada, mas somente no direito de regresso que detém a empresa privada prestadora de serviço público em face de seu preposto causador do dano.
Ademais, mesmo que esse não fosse o entendimento predominante, o art. 17 da Lei nº 8.078/90 equipara todas as vítimas de fato do serviço a consumidores.
Assim, o terceiro, ainda que não tenha nenhuma relação contratual consumerista com a concessionária ou permissionária, se equipara a consumidor para todos os fins legais e, por conseguinte, aplica-se, de qualquer forma, a responsabilidade objetiva prevista no art. 14 do mencionado Código de Defesa do Consumidor.
4. Referências bibliográficas
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Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp e em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas-Rio. Pós-graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-Rio.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALTER, Andrea Geraldes Cabral. A responsabilidade civil das empresas prestadoras de serviço público em face de terceiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41975/a-responsabilidade-civil-das-empresas-prestadoras-de-servico-publico-em-face-de-terceiros. Acesso em: 23 dez 2024.
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