Resumo: Princípio da dignidade da pessoa como vetor de interpetraçao do ordenamento jurídico. Necessidadede uma análise principiológica da Constituição para que a pessoa, em si mesma, seja tutelada e haja um equilíbrio dos interesses em uma ordem globalizada. Dignidade da pessoa humana como o princípio mais elementar do ordenamento jurídico, ou seja, condiciona toda a ordem constitucional e infraconstitucional. Trata-se de um princípio anterior a tudo. Nesse contexto, é possível dizer que o Estado Democrático de Direito alicerça-se sobre esse princípio.Trata-se de princípio que se presta para traçar os contornos de outros direitos, orientando-os, contribuindo para lhes atribuir uma justificação, pondo, dessa forma, o ser humano como centro de todo o ordenamento jurídico.Esse princípio é um ‘filtro interpretativo’, norma-valor de interpretação. Os demais direitos devem ser interpretados à luz desse princípio. É o centro dos demais direitos fundamentais essenciais que asseguram uma vida digna ao indivíduo e a coletividade.A interpretação e integração de qualquer preceito constitucional deve basear-se no princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de termos uma interpretação equivocada, contrária a vontade do legislador constituinte. Ainda, deve nortear as decisões judiciais, a prática dos atos administrativos e a produção legislativa.Isso reforça a idéia de que o primado da Pessoa Humana é noção que impregna todo o ordenamento jurídico. Por fim, a tutela da dignidade humana dever ser o parâmetro para a resolução de conflitos, sendo que os institutos de Direito Privado devem ser lidos de acordo com os princípios constitucionais.
Palavras-chaves: Dignidade da Pessoa Humana.
Introdução
Passamos por um período em que os Direitos Humanos se sobrepõem aos valores patrimonialistas típicos do século XIX, os quais influenciaram as codificações, em especial o Código Civil de 1916 e foram ‘recompilados’ no ‘novo-velho’ Código Civil de 2002. A investigação teórica que se propõe passa, sem dúvida, pelo paradigma da repersonalização do Direito.
A Constituição Federal de 1988 restaurou a democracia visando assegurar as garantias individuais do cidadão. Nesse contexto, torna-se necessárioconsiderar o princípio da dignidade da pessoa humana como o vetor de interpretação do ordenamento jurídico.
A idolatria do consumo e do lucro, bem como dos interesses meramente patrimoniais, via de regra, remete para segundo plano os interesses existenciais da pessoa humana, sendo o homem a própria causa das relações econômicas.[1] Assim, necessitamos de uma análise principiológica da Constituição para que a pessoa, em si mesma, seja tutelada e haja um equilíbrio dos interesses em uma ordem globalizada.
De acordo com Eroulths Cortiano Junior, “Como não é possível mais ‘equacionar problemas com formulação de soluções abstratamente[grifo no original] consideradas a partir das generalidades’, impõe-se a busca da concretude, busca que só pode findar no encontro da pessoa humana ocupando aquele lugar que até agora foi destinado ao abstrato.”[2]
Princípio da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é o princípio mais elementar do ordenamento jurídico, ou seja, condiciona toda a ordem constitucional e infraconstitucional. Trata-se de um princípio anterior a tudo, ou seja, é possível dizer que o Estado Democrático de Direito alicerça-se sobre esse princípio.
O constituinte quis dotar de excepcional importância o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para tanto, o elevou ao mesmo nível de princípios como o da soberania, da cidadania, do pluralismo, do reconhecimento axiológico do direito ao trabalho e à livre iniciativa. Assim agindo, erigiu mencionado princípio como o centro de todos os demais princípios e valores, uma vez que todos são, no fundo, dedutíveis da dignidade da pessoa humana.
Dignidade é o mínimo para se viver bem, é a característica que torna o ser humano essencial, que o distingue de todos os demais seres vivos. A expressão significa o respeito que merece qualquer pessoa, que deve ser concedido tanto pelas instituições como pelos particulares. Repousa na base de todos os direitos fundamentais, civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Trata-se de princípio que se presta para traçar os contornos de outros direitos, orientando-os, contribuindo para lhes atribuir uma justificação, pondo, dessa forma, o ser humano como centro de todo o ordenamento jurídico.
Esse princípio é um ‘filtro interpretativo’, norma-valor de interpretação. Os demais direitos devem ser interpretados à luz desse princípio. É o centro dos demais direitos fundamentais essenciais que asseguram uma vida digna ao indivíduo e a coletividade.
O direito à vida requer a garantia de um patamar mínimo de existência. Assim, não basta que o princípio da dignidade da pessoa humana assegure o direito à vida, mas é necessário que também assegure os meios fundamentais de existência. Em outras palavras, o estado tem que se preocupar não apenas em assegurar o direito à vida, mas a uma vida digna, com os meios de subsistência suficientes para a pessoa e sua família.[3] Para tanto, mostra-se necessário uma prestação positiva do Estado, ou seja, a interpretação constitucional e infraconstitucional deve se ajustar ao enfoque garantista; as leis que retiram do indivíduo os meios mínimos de existência, de vida, devem ser declaradas inconstitucionais e retiradas do ordenamento.
“Sem dignidade humana, de que nos serve pensar, ensinar e crer? Sem dignidade humana, por que trabalhar, se educar, se beneficiar de vantagens econômicas e sociais? Em suma, a dignidade humana é colocada sobre um pedestal. É o sustentáculo, é o ponto de referência...”[4]
O respeito devido à pessoa humana e a sua dignidade deve colocá-la ao abrigo de tratamentos desumanos ou degradantes. O estado necessita dispor de meios que assegurem o bem estar de seus cidadãos e os meios de subsistência necessários. O princípio da dignidade da pessoa humana é a base e fundamento do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido,
Na verdade,afirmar a “dignidade da pessoa humana” é reconhecer a autonomia ética do homem, de cada homem singular e concreto, portador de uma vocação e de um destino, únicos e irrepetíveis, de realização livre e responsável, a qual há de cumprir-se numa relação social (e de solidariedade comunitária) assente na igualdade radical entre todos os homens – tal que nenhum deles há de ser reduzido a mero instrumento ou servo do “outro” (seja outro homem,seja o Estado). E sublinhar esse princípio como fundamento da República – isto é, do Estado – é dizer que este se constrói a partir da “pessoa”, e para servi-la. Ou seja – e numa perspectiva mais acentuadamente política – que há de ser um Estado de “cidadãos.[5]
O princípio da dignidade da pessoa humana se traduz como um direito fundamental, conferindo unidade de sentido aos demais direitos.Logo no artigo 1º, III, a Constituição Federal traz, entre outros, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Essanorteia todo o sistema e exprime o reconhecimento de um conjunto de direitos inalienáveis e inderrogáveis de todos os homens e anteriores ao Estado e que este deve respeitar, sendo de onde derivam todos os demais direitos. São absolutos, irrenunciáveis e indisponíveis.[6]
A interpretação e integração de qualquer preceito constitucional deve basear-se no princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de termos uma interpretação equivocada, contrária a vontade do legislador constituinte. Ainda, deve nortear as decisões judiciais, a prática dos atos administrativos e a produção legislativa. Assim,
A dignidade humana remete ao âmago mais profundo da personalidade. Neste sentido, ela merece ser inscrita no frontão dos direitos do homem. Ela serve para definir os direitos mais fundamentais (...). A dignidade é – dizem – o respeito que merece o homem. E, de acordo com esta definição, o mérito foi primordial. A dignidade humana não se reclama, nem tampouco se negocia. Ela se impõe, de maneira absoluta, para que a vida seja digna de ser vivida.[7]
Pode-se concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula geral, pois esta “visa proteger a pessoa em suas múltiplas características, naquilo ‘que lhe é próprio’, aspectos que se recompõem na consubstanciação de sua dignidade, valor reunificador da personalidade a ser tutelada.”[8]
Isso reforça a idéia de que o primado da Pessoa Humana é noção que impregna todo o ordenamento jurídico. Por fim, a tutela da dignidade humana dever ser o parâmetro para a resolução de conflitos, sendo que os institutos de Direito Privado devem ser lidos de acordo com os princípios constitucionais.
“A crença é antes no homem e na força daqueles que buscam conduzir o Direito em verdadeiro respeito aos valores constitucionais e que, em contrapartida, não se deixem levar por interesses meramente egoísticos.”[9]
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[1] CASTRO, Carlos Alberto Farrachade.; NALIN, Paulo. Economia, Mercado e dignidade humana. In:BARBOZA, Heloisa Helena; FACHIN, Luiz Edson; et al.Diálogos sobre Direito Civil: Construindo a Racionalidade Contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 102.
[2] CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O Discurso Jurídico da Propriedade e suas Rupturas: uma análise do Ensino do Direito de Propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 163.
[3] DEPÉRÉE, Francis. O Direito à dignidade humana. In: BARROS, S. R.; ZILVETI, F. A. (coord.). Estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. São Paulo: Dialética, 1999, p. 151-159.
[4] DEPÉRÉE, p. 159.
[5] COSTA, José Manuel M. da. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição e na Jurisprudência Constitucional Portuguesas. In: BARROS, S. R.; ZILVETI, F. A. (coord.). Estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. São Paulo: Dialética, 1999, p. 191-192.
[6]COSTA, p. 192
[7] DEPÉRÉE, p. 162.
[8]MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 128.
[9] CASTRO; NALIN, p. 122.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Princípio da dignidade da pessoa humana como vetor de interpretação do ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41981/principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-como-vetor-de-interpretacao-do-ordenamento-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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