1. Introdução
As agências reguladoras são já há bastante tempo uma realidade no Brasil. No entanto, muitas pessoas desconhecem a razão de seu surgimento. Assim, o presente artigo pretende trazer um breve histórico sobre essas entidades em nosso país.
2. Da Reforma do Estado
O surgimento das agências reguladoras no Brasil está estritamente relacionado com a alteração do modelo de Estado vigente. De fato, conforme ensina Marçal Justen Filho,[1] durante os séculos XVIII e XIX vigorava a concepção liberal de Estado, na qual se vislumbrou primordialmente uma postura estatal omissiva, na medida em que sua função se restringia basicamente em impedir a violação do direito de liberdade e de propriedade dos indivíduos. Ao longo do século XX, no entanto, esse modelo de Estado foi substituído pelo Estado de Bem-Estar, que se caracteriza pelo exercício de uma série de condutas estatais positivas. Nessa época, então, o Estado se agigantou, transformando-se em prestador de serviços e em empresário, dando ensejo ao Estado Providência, ao Estado Empresário, caracterizado pela intervenção direta na economia em sentido lato, necessitando de recursos para investir e atender aos direitos prestacionais. Em face dessa alteração do perfil do Estado, aumentaram os gastos da sua manutenção. Contudo, tal aumento não foi acompanhado pelo respectivo aumento das fontes de financiamento, que viabilizariam sua manutenção. Nesse contexto, o Estado de Bem-Estar entrou em crise, demandando um novo modelo de Estado. Esse novo modelo adotado foi o do Estado Regulador, que se caracteriza pelo exercício de poderes normativos para disciplinar o desenvolvimento de atividades de interesse público por particulares.
Nessa linha, Cardoso verifica que “a regulação expande-se no final do século XX, conjunturalmente relacionada com o movimento denominado neoliberal, identificado, quanto a países emergentes, especialmente da América Latina, com o denominado ‘Consenso de Washington’, e carregado de disputas ideológicas”. [2]
No Brasil, a implementação do perfil regulador do Estado coincide com esse movimento que visa à redução do tamanho do Estado e se deu mediante uma série de alterações constitucionais.
Nesse sentido, Barroso destaca que “as recentes reformas econômicas brasileiras envolveram três transformações estruturais[...]”.[3]
Consoante o autor, a primeira linha de transformações se deu com as Emendas Constitucionais 6 e 7, ambas de 15-8-95, que extinguiram determinadas restrições ao capital estrangeiro. Por sua vez, o segundo âmbito de reformas foi concretizado pelas Emendas Constitucionais 5, 8 e 9, as duas primeiras também de 15-8-95 e a última de 9-11-95, através das quais foram flexibilizados os monopólios estatais. Finalmente, a terceira transformação de relevo se operou com a edição da Lei 8.031/90, depois substituída pela Lei 9.491/97, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização.
Essas alterações no ordenamento jurídico brasileiro ensejaram a transferência para a iniciativa privada de um conjunto de encargos, na medida em que um dos objetivos principais do referido programa de desestatização é justamente a reordenação da posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades exploradas pelo setor público (art. 1°, inciso I).
Em face disso, reduziu-se drasticamente a intervenção estatal direta em uma vasta gama de setores, nos quais anteriormente o Estado atuava como agente imediato. Em contrapartida, ampliou-se a atuação regulatória, desenvolvendo-se, nas palavras de Justen Filho, um “instrumental jurídico” adequado para o desenvolvimento dessa função, ganhando destaque nesse contexto as agências reguladoras.
Isso porque, segundo o citado autor,
[...] a pura e simples redução da participação estatal direta não pode corresponder ao retorno às concepções liberais. É imperioso que os valores fundamentais sejam realizados, mesmo sem a atuação direta. A única solução reside em o Estado disciplinar juridicamente os limites da autonomia privada, funcionalizando o desempenho das atividades econômicas relevantes e relacionadas com a satisfação de necessidades coletivas.Todas as atividades, inclusive aquelas até então desenvolvidas pelo Estado, são assumidas pelos particulares, mas assujeitadas a controle intenso e contínuo, com a finalidade de conduzir os particulares a atingir resultados necessários ao bem comum. [4]
Nessa linha, pode-se dizer que, em contraposição à impossibilidade de o Estado continuar prestando diretamente uma série de serviços (o que ensejou a transferência desses serviços para o setor privado), surgiu o Estado Regulador, na medida em que é necessária a organização estatal de atividades que despertam interesse público.
Com efeito, como observado por Wald e Moraes, “no contexto da regulação, a dualidade – intervenção estatal versus livre concorrência – implica, essencialmente, a definição de regras estáveis e capazes de assegurar o aprimoramento no desempenho dos serviços públicos, tornando-os mais eficientes, regulares e com preços módicos”. [5]
Isso porque, conforme observa Zimmer Júnior
a preponderância do interesse público sobre o interesse privado impõe a necessidade de intensa produção normativa, que paulatinamente publiciza o espaço privado e o condiciona. A ordem econômica não se desenvolve naturalmente, nem é exemplo de ambiente neutro: ela precisa ser construída, o que implica escolhas e alterações [...] Não é possível acreditar que os mercados sejam capazes de encontrar as soluções de maior eficiência produtiva sem proporcionar algum tipo de desequilíbrio – a busca pela máxima vantagem impõe inúmeras desvantagens. Desta forma, encontra-se aqui a importância do monitoramento do Estado [...].[6]
Diante desse panorama, constata-se, efetivamente, que a realização de atividades de interesse público não pode ser entregue sem qualquer controle aos particulares, sob pena de causarem-se sérios prejuízos ao bem comum. Assim, à medida que se amplia o âmbito de atuação da iniciativa privada em atividades de interesse público, deve-se reduzir a margem de autonomia dos particulares que as exercem, impondo-lhes os limites necessários para que o interesse público prepondere.
Sob esse aspecto, Barroso ensina que
a constatação de que o Estado não tem recursos para os investimentos necessários e que, além disso, é geralmente um mau administrador conduziu ao processo de transferência para o setor privado da execução dos serviços públicos. Mas o fato de determinados serviços públicos serem prestados por empresas privadas concessionárias não modifica sua natureza pública: o Estado conserva responsabilidades e deveres em relação a sua prestação adequada. Daí a privatização haver trazido drástica transformação no papel do Estado: em lugar de protagonista na execução dos serviços, suas funções passam a ser as de planejamento, regulamentação e fiscalização das empresas concessionárias. É nesse contexto histórico que surgem, como personagens fundamentais, as agências reguladoras. [7]
Foi a evolução das concepções de Estado, portanto, que propiciou o surgimento das agências reguladoras no Brasil, pois ao mesmo tempo em que era alterado o modelo de Estado, a atividade regulatória passou a ter previsão constitucional.
Nesse diapasão, Barroso observa:
No Brasil, o art. 174 da Constituição de 1988 já previa a função reguladora a ser desempenhada pelo Estado. [...] Recentemente, por força de modificações introduzidas por Emendas à Constituição de 1988, passou-se a ter a previsão expressa, em sede constitucional, de órgão reguladores para os setores de telecomunicações (nova redação dada ao art. 21,XI, da Constituição Federal, pela EC n° 8/95) e de petróleo (o inciso III do parágrafo 2° do art. 177 da Constituição ganhou nova redação com a EC n° 9/95). Tais reformas possibilitaram não só a introdução de órgãos reguladores, aos quais a legislação infraconstitucional sabiamente dotou de autonomia, mas também a expansão da atividade regulatória para outras áreas[8]
3. Considerações Finais
Com o estudo feito, constatou-se que, no Brasil, as agências reguladoras são frutos do movimento de desestatização/privatização de atividades que antes eram prestadas diretamente pelo Estado e surgem ante a necessidade de o Estado gerenciar os novos prestadores de serviços que são de interesse da sociedade, a fim de evitar abusos econômicos, desvios de finalidade e prejuízos ao bem comum.
Disso decorre, naturalmente, a importância da seriedade e higidez de tais entidades.
[1]JUSTEN FILHO, Marçal. O direito regulatório. Fórum Administrativo: Direito Público – FA. Belo Horizonte, p. 6941-6943, ano 6, n 61, mar. 2006.
[2] CARDOSO, Henrique Ribeiro. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 85.
[3] BARROSO, Luis Roberto. Apontamentos sobre as agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre. (Org) et alli. Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 111-112.
[4] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 6944.
[5] WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel de. Agências reguladoras. Revista de Informação Legislativa, Brasília, p. 143, ano 36, n. 141, jan./mar. 1999.
[6] ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.
p. 41-42.
[7] BARROSO, op. cit., p. 116.
[8] BARROSO, op. cit., p. 117-118.
Procuradora Federal desde novembro 2007. Chefe de Divisão de Gerenciamento da Dívida Ativa da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal de 2009 a 2010. Ex-Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em Direto Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIZZI, Ângela Onzi. Surgimento das Agências Reguladoras no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42001/surgimento-das-agencias-reguladoras-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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