Transitou livremente em julgado, no dia 23 de abril de 2014, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Recurso Extraordinário com Agravo 648.629/RJ, cuja relatoria coube ao Ministro Luiz Fux.
A decisão em questão fora ementada da seguinte forma:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS OCUPANTES DE CARGO DE PROCURADOR FEDERAL (ART. 17 DA LEI Nº 10.910/2004). INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS. CONTRADITÓRIO (ART. 5º, LV, DA CRFB). ACESSO À JUSTIÇA (ART. 5º, XXXV, DA CRFB). SIMPLICIDADE DO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO (ART. 98, I, DA CRFB). ART. 9º DA LEI Nº 10.259/01. AGRAVO CONHECIDO E RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. A isonomia é um elemento ínsito ao princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CRFB), do qual se extrai a necessidade de assegurar que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais, atuando sempre com paridade de armas, a fim de garantir que o resultado final jurisdicional espelhe a justiça do processo em que prolatado. Doutrina (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 4. ed. – São Paulo: RT, 2005. p. 66; DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: RT, 1986. p. 92; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. O princípio da igualdade processual. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 19; MOREIRA, José Carlos Barbosa. A garantia do contraditório na atividade de instrução. RePro 35/231). 2. As exceções ao princípio da paridade de armas apenas têm lugar quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio entre as partes, e devem ser interpretadas de modo restritivo, conforme a parêmia exceptiones sunt strictissimae interpretationis. 3. O rito dos Juizados Especiais é talhado para ampliar o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB) mediante redução das formalidades e aceleração da marcha processual, não sendo outra a exegese do art. 98, I, da Carta Magna, que determina sejam adotados nos aludidos Juizados “os procedimentos oral e sumariíssimo”, devendo, portanto, ser apreciadas cum grano salis as interpretações que pugnem pela aplicação “subsidiária” de normas alheias ao microssistema dos Juizados Especiais que importem delongas ou incremento de solenidades. 4. O espírito da Lei nº 10.259/01, que rege o procedimento dos Juizados Especiais Federais, é inequivocamente o de afastar a incidência de normas que alberguem prerrogativas processuais para a Fazenda Pública, máxime em razão do que dispõe o seu art. 9º, verbis: “Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”. 5. Não se aplica aos Juizados Especiais Federais a prerrogativa de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art. 17 da Lei n.º 10.910/2004, na medida em que neste rito especial, ante a simplicidade das causas nele julgadas, particular e Fazenda Pública apresentam semelhante, se não idêntica, dificuldade para o adequado exercício do direito de informação dos atos do processo, de modo que não se revela razoável a incidência de norma que restringe a paridade de armas, além de comprometer a informalidade e a celeridade do procedimento. 6. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário.
(ARE 648629, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-069 DIVULG 07-04-2014 PUBLIC 08-04-2014) [1]
Em que pese o processo em epígrafe ter sido julgado sem grande alarde, sobretudo por parte da imprensa, a decisão emanada pelo Pretório Excelso representa significativas alterações na sistemática de como eram feitas as intimações aos Procuradores Federais, gerando, sem sombra de dúvida, um efeito extremamente temerário à defesa judicial da Administração Pública Federal Indireta.
Antes de adentramos propriamente no mérito da questão, e no intuito de familiarizar o leitor à problemática proposta, se faz necessária algumas considerações acerca dos principais destinatários da decisão do STF, quais sejam, os Procuradores Federais.
Os Procuradores Federais, ocupantes dos cargos da carreira de Procurador Federal, criada pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 06 de Setembro de 2001[2], integram o quadro próprio da Procuradoria-Geral Federal, criada pela Lei Federal nº 10.480, de 02 de julho de 2002[3], a qual é vinculada à Advocacia-Geral da União.
Nos exatos termos do artigo 10 da já mencionada Lei nº 10.480/2001, compete à Pocuradoria-Geral Federal a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial.
É justamente nesse contexto de representante judicial das autarquias e fundações públicas federais que a Procuradoria-Geral Federal, por meio de seus Procuradores Federais, assume papel de grande destaque na atuação no âmbito dos Juizados Especiais Federais, sobretudo no tocante à defesa do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sem dúvida um das maiores demandados nesse microssistema jurídico.
Realizadas tais breves considerações, passaremos agora a analisar a decisão proferida pelo STF e seus efeitos na defesa jurídica das Autarquias e Fundações Federais.
Em apertada síntese, o Supremo Tribunal Federal analisou recurso interposto pelo INSS, no qual a autarquia previdenciária questionava a decisão proferida pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado do Rio de Janeiro.
Na decisão combatida, a Turma do Rio de Janeiro havia considerando intempestivo o recurso inominado interposto pelo INSS, o que foi contestado pela Autarquia, sob o argumento de que não teria havido a correta intimação pessoal do Procurador Federal para apresentar o recurso, conforme expressamente dispõe o artigo 17 da Lei 10.910/2004, in verbis:
Art. 17. Nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente.
O recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro indicava violação ao artigo 5º, LIV e LV da Constituição Federal, asseverando que a decisão da Turma Recursal representava cerceamento de defesa e atentado ao devido processo legal.
Após longo debate, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em matéria constitucional e passou a sopesar o mérito da questão.
Ao decidir sobre o tema, o STF teve como ponto central de sua análise a constitucionalidadeda prerrogativa processual da Fazenda Pública Federal de receber intimações pessoais, no âmbito dos Juizados Especiais Federais.
Lançando mão da lição de Cândido Rangel Dinamarco sobre a ideia de que a isonomia é um elemento ínsito ao princípio constitucional do contraditório, aliando tal conceito ao fato de os Juizados serem pautadospor procedimentos que visam sempre a aceleração da marcha processual e redução das formalidades,o Ministro Relator concluiu, no que foi seguido pela maioria da Corte, pela inaplicabilidade da prerrogativa da intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art. 17 da Lei 10.910/2004, ao rito dos Juizados Especiais Federais.
Ainda sustentando seu raciocínio, o Relator apontou o disposto no artigo 9º da Lei 10.259/2001, que rege o procedimento dos Juizados Especiais Federais, in verbis:
“Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processualpelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”.
Na visão do Pretório Excelso, a Lei 10.259/2001 apresenta caráter especial em relação à Lei 10.259/2004, sobretudo em razão de se destinar exclusivamente ao microssistema dos Juizados Especiais Federais, devendo, portanto, ser prestigiada.
Nesses termos, o Supremo Tribunal Federal encerrou a necessidade de intimação pessoal dos Procuradores Federais no âmbito do JEF e deu início a uma nova fase na qual a Procuradoria-Geral Federal deverá urgentemente se adequar, sob pena de graves prejuízos aos interesses das Autarquias e Fundações Federais.
Não se trata aqui de um questionamento acerca do mérito do julgamento, uma vez que obviamente o Supremo Tribunal Federal atuou pautado em sua competência constitucional para analisar a questão e a decisão obtida deverá sempre partir da consciência do julgador, não tolerando concessões a esse respeito.
Em que pese os argumentos expendidos pelo STF, não há como negarmos que, sob a justificativa de garantir o acesso a justiça e de uma maior celeridade no julgamento das causas, acabou-se por gerar, sem qualquer prévio ajuste ou período para adaptações, enormes dificuldades à atuação dos Procuradores Federais que militam junto aos Juizados Especiais Federais.
Utilizando dados extraídos do próprio julgado, não há como desprezar o fato de que apenaso INSSconta com um acervo de aproximadamente um milhão e duzentas e vinte mil ações, o que dificulta sobremaneira uma atuação digna nestes processos judiciais.
Não há como perder de vista o fato de que as intimações pessoais, normalmente com o envio dos autos, sempre foram utilizadas, no âmbito da Procuradoria-Geral Federal, como uma forma de controle do fluxo de ações, sendo que na esmagadora maioria das vezes existem acordos com o judiciário local para que os processos sejam enviados, em conjunto, em uma data pré-determinada.
Frise-se ainda que o projeto de virtualização dos Juizados Federais, o que teoricamente acabaria com a discussão acerca da necessidade de intimação pessoal, eis que as citações e intimações são encaminhadas eletronicamente, é algo recente e incipiente, sendo que, por exemplo, na jurisdição da Seção Judiciária de Minas Gerais, apenas os processos de Belo Horizonte já são integralmente virtuais.
Aliado a todo este tenebroso cenário, some-se ainda o fato de a Procuradoria-Geral Federal apresentar um histórico de defasagem em seus quadros, dificultando ainda mais sua presença na forma como esperada pela sociedade.
Em vista do exposto, entendemos que o Supremo Tribunal Federal, ao não modular os efeitos de sua decisão e ao nãoproceder a uma ampla e detalhada análise do atual cenário fático, limitando-se a considerações superficiais e a discussão sobre princípios e ideais buscados pela Constituição, andou mal e aquém do que se espera de tão elevada Corte, sobretudo em um período em que o Ativismo Judicial é tão festejado pela doutrina e jurisprudência.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
BRASIL. Lei nº 10.259, de 12 de Julho de 2001. DOU de 25.7.1991, publicada em 13.07.2001.
BRASIL. Lei nº 10.910 de 15 de Julho de 2004. DOU de 25.7.1991, publicada em 16.07.2004.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro; João Batista Lazzari – 14.ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário – 15.ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2010
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário, Tomo II, 2ª Ed. São Paulo: Ltr, 2003.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, disponível em www.stj.jus.br, acesso em 05/11/2014.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 05/11/2014.
[1]http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24%2ESCLA%2E+E+648629%2ENUME%2E%29+OU+%28ARE%2EACMS%2E+ADJ2+648629%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bz9yphq - Acesso em 29/10/2014.
[2]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2229-43.htm - Acesso em 29/10/2014.
[3]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10480.htm - Acesos em 29/10/2014.
Procurador Federal, lotado na Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais. Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal no Estado de Rondônia. Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Federal de Rondônia - IFRO.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Gustavo Rosa da. O julgamento do ARE 648629 pelo STF e os efeitos da ausência de intimação pessoal dos procuradores federais no âmbito dos Juizados Especiais Federais - JEFs Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42019/o-julgamento-do-are-648629-pelo-stf-e-os-efeitos-da-ausencia-de-intimacao-pessoal-dos-procuradores-federais-no-ambito-dos-juizados-especiais-federais-jefs. Acesso em: 23 dez 2024.
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