RESUMO: Trata-se de estudo acerca da possibilidade de a imunidade tributária, prevista na Constituição Federal, recair sobre o livro eletrônico. Os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema são bastante divergentes, e até o presente momento, o assunto ainda não foi pacificado. Após um breve histórico, serão analisadas, portanto, as manifestações da doutrina e importantes decisões dos Tribunais, e, ao fim, a estratégia mais indicada para que o contribuinte não se veja no meio da controvérsia.
Palavras-chave: Imunidade; Tributário; Livro eletrônico.
INTRODUÇÃO
As inovações tecnológicas ocorridas na sociedade contemporânea são de tal ordem que têm acarretado mudanças na sociedade ainda não totalmente sedimentadas: arquivos armazenados em nuvens, internet sem fio e portabilidade numérica são instrumentos inimagináveis há cerca de uma década. No âmbito jurídico, a legislação ainda não está totalmente adaptada a essa nova realidade. O então ministro da Cultura Gilberto Gil afirmou que a atual lei de direitos autorais é anacrônica, afirmando que a simples reprodução de um arquivo musical para um tocador de MP3 contraria a legislação, que não diferencia cópia privada de cópia com fins de pirataria[1].
Nesse contexto, outra questão que tem causado discussões acaloradas na doutrina e jurisprudência é a possibilidade de livros eletrônicos (e-books) estarem amparados pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d da Constituição Federal. Tal controvérsia se justifica pelo fato de o constituinte originário não explicitar a questão na sessão referente às limitações do poder de tributar. Nos livros, doutrinadores defendem ideias completamente opostas sobre a mesma questão. Nos tribunais, a jurisprudência é vacilante, e em muitos casos, contraditória.
Apresentado o tema, vamos enfrentá-lo a seguir.
BREVE HISTÓRICO ACERCA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CULTURAL
A imunidade tributária em questão, denominada por alguns doutrinadores de imunidade tributária cultural, foi consagrada pela primeira vez na Constituição de 1946, e versava apenas sobre o papel: em seu artigo 31, V, d, a Carta vedava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios lançar imposto sobre o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.
Conforme informa Aliomar Baleeiro, tal questão foi lançada pelo escritor Jorge Amado na Constituinte de 1946, e o interesse cultural era sua argumentação central:
O imposto encarece a matéria-prima do livro, não apenas pela carga fiscal, que se adiciona ao preço, mas também pelos seus efeitos extrafiscais, criando, em certos casos, monopólios em favor do produtor protegido aduaneiramente. Se o papel importado for tributado com intenção protecionista, sempre advogada pelos círculos industriais interessados, o sucedâneo nacional terá seu preço elevado até o nível que lhe permite a eliminação da concorrência pelos meios alfandegários. [2]
Ainda, segundo Baleeiro, a imunidade do papel foi introduzida por duas razões: a primeira porque em 1946 ainda ecoava a ditadura varguista, que havia sido bastante rígida com a imprensa. Secundariamente, “Vargas, por meio do papel, também usava o financiamento pelos bancos estatais, e teve uma imprensa passiva, dócil, acomodada, que só dizia o que ele queria.”[3]
O texto permaneceu inalterado durante esse período até receber maior abrangência na Constituição de 1967. Segundo o texto - art. 20, III, d -, a vedação passou a recair “sobre (...) o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão”.
Em 1988, a atual Carta Magna repetiu literalmente a vedação já consagrada. Contudo, havia anteprojeto que incluía outros veículos de comunicação, inclusive audiovisuais, e atividades relacionadas à produção e a circulação. Nas palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins:
A proposta que levei aos constituintes era mais ampla. Em face da evolução tecnológica dos meios de comunicação e daqueles para edição e transmissão, tinha sugerido, em minha exposição para eles, a incorporação de técnicas audiovisuais. Os constituintes, todavia, preferiram manter a redação anterior, à evidência útil para o Brasil do após-guerra, mas absolutamente insuficiente para o Brasil de hoje.[4]
Considerações acerca da Imunidade na Constituição de 1988
No magistério de Ricardo Alexandre, a imunidade em questão tem como objetivo baratear o acesso à cultura e facilitar a livre manifestação do pensamento, a liberdade de atividade intelectual, artística, científica e da comunicação e o acesso à informação, que são direitos e garantias individuais constitucionalmente protegidos, além de configurar também cláusula pétrea[5].
A doutrina ressalta ainda que tal imunidade é a única puramente objetiva, pouco importando a pessoa a quem pertença o livro ou o periódico. Dessa forma, o objeto livro é imune, não se cobrando ICMS quando ele sai do estabelecimento ou Imposto de Importação quando ele é estrangeiro e ingressa no território nacional. Contudo, o sujeito livraria não é imune, devendo pagar o Imposto de Renda pelos rendimentos com as vendas dos livros e IPTU referente ao imóvel que é proprietária.
Relembram ainda os doutrinadores que a discussão acerca do conteúdo da obra é irrelevante. Alexandre esclarece que não é lícito ao intérprete restringir direitos ou garantias conferidos de forma irrestrita pelo legislador constituinte. Dessa forma, o STF afastou qualquer possibilidade de aferimento do valor cultural das publicações como parâmetro para lhe conferir ou não imunidade[6].
Hugo de Brito Machado entende ainda que apesar de o artigo 150 se referir apenas ao imposto, existem fortes razões para se entender que também é vedada a cobrança de taxas e contribuições de melhoria, uma vez que os princípios que inspiram a imunidade tributária não permitem que a pessoa ou coisa imune fique submetida a qualquer tributo, pois tal submissão poderia ensejar o amesquinhamento da imunidade[7].
Ricardo Lobo Torres, no entanto, encara tal imunidade não como verdadeira imunidade tributária, por lhe faltar o traço característico: ser atributo dos direitos fundamentais e constituir garantia da liberdade de expressão. Para ele, o fundamento da norma está na ideia de justiça ou de utilidade, consubstanciada na necessidade de baratear o custo dos livros e das publicações. O argumento da proteção da liberdade de expressão, segundo Lobo Torres, é um argumento subsidiário, pelo fato de a diminuição do preço das publicações facilita a manifestação do pensamento. Para o doutrinador, a vedação caracteriza-se melhor como privilégio constitucional, podendo, em alguns casos, como no dos jornais, assumir o aspecto de privilégio odioso, tanto mais que em outros países apenas se protege o jornal contra as incidências discriminatórias[8].
A jurisprudência acerca do art. 150, VI, d da Constituição
Os tribunais possuem uma jurisprudência bastante vasta sobre o tema. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que tal imunidade recai sobre álbum de figurinhas, argumentando que
Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. Recurso extraordinário conhecido e provido.[9]
Ainda, tal vedação também recai sobre as apostilas, por serem “um veículo de transmissão de cultura simplificado”[10]. E se houver propaganda no corpo da publicação, sendo as duas inseparáveis, incide a imunidade, pois ajuda a financiar a empresa jornalística, diminuindo o preço da publicação.
Contudo, o STF adotou interpretação mais restritiva no tocante aos encartes com exclusiva finalidade comercial, mesmo que inserido dentro de jornais, não estando eles protegidos pela imunidade. No tocante aos insumos necessários à produção de uma publicação, o STF entende que apenas o “papel destinado à impressão é protegido, assim como os materiais a ele relacionados, como papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto”, não se aplicando a norma à tinta para jornal[11].
Posições doutrinárias acerca da imunidade dos livros eletrônicos
No tocante à discussão acerca da proteção aos e-books, a maioria da doutrina entende que eles também gozariam de imunidade. Hugo de Brito Machado, sobre o tema, esclarece que toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação. A imunidade das publicações visa assegurar a liberdade de expressão e a disseminação da cultura, e os meios magnéticos são fundamentais para se cumprir esse objetivo. O entendimento contrário, segundo ele, leva a norma a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com a doutrina do moderno constitucionalismo.
O doutrinador complementa, afirmando que apesar de o constituinte não ter adotado uma redação mais abrangente para a norma imunizante não significa que o intérprete constitucional não possa dar interpretação mais adequada, em virtude da realidade de hoje, que não era a mesma de 1988. Naquela época, se não havia motivos para se acreditar na rápida substituição do livro por instrumentos magnéticos, atualmente, a substituição é evidente, e tão rápida que o CD já foi substituído pelo DVD[12]. No mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza afirma que "a palavra livros está empregada no Texto Constitucional não no sentido restrito de conjuntos de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, mas, sim, no de veículos de pensamentos, isto é, meios de difusão da cultura"[13].
Em sentido contrário, Ricardo Lobo Torres entende ser incabível, por não se extrapolar a disciplina jurídica típica da media impressa ao mundo eletrônico e ao espaço cibernético[14]. Corroborando com a questão, Ricardo Alexandre atenta para o fato de que a Assembléia Constituinte teve oportunidade de apreciar projeto acima mencionado e o rejeitou, manifestando apenas o desejo de imunizar somente o papel[15].
Jurisprudência acerca da imunidade do livro eletrônico
A jurisprudência acerca do caso é bastante interessante, uma vez que a maioria dos Tribunais aplicava a proteção constitucional aos e-books. Um dos primeiros casos, em meados da década de noventa, envolveu o Dicionário Aurélio Eletrônico, da editora Nova Fronteira. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que a limitação do poder de tributar encontrava respaldo no princípio “no tax on knowledges”[16]. O voto vencedor, do Des. Wilson Marques, inspirado por Aliomar Baleeiro, explica que
os livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitam idéias, informações comentários, narração reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticas ou por imagens e, ainda, por signos Braïlle destinados a cegos. (...) Dentro do conceito do notável tributarista baiano, o Dicionário Aurélio Eletrônico é um livro, porque é um veículo de transmissão de idéias, informações e comentários gravados por processo tecnológico.[17]
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região concluiu que nenhum imposto deve incidir sobre o livro eletrônico, atentando para o fato de que até as publicações veiculadas pela Internet também devem ser agasalhadas pela imunidade tributária[18].
O entendimento também foi seguido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que afirmou que “a Constituição Federal assegura a veiculação de cultura e informações; portanto, livros editados em papel ou em compact disc têm o mesmo objetivo, conteúdo e finalidade, ou seja, levar a informação e conhecimento ao seu usuário”[19]. Em outro acórdão, acerca da publicação eletrônica LIS – Legislação Informatizada Saraiva, da editora Saraiva, em CD-ROM, concluiu-se que:
Assim, o LIS – Legislação Informatizada Saraiva é um periódico, atualizado bimestralmente, contendo textos legais, isto é, como as revistas editadas em papel que contêm as mesmas informações. Consequentemente, não deve estar sujeito a incidência de impostos como é assegurado as referidas revistas, na forma do mencionado artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal.[20]
Contudo, o tema ainda está longe de ser pacífico. Ricardo Alexandre narra um importante caso sobre um contribuinte paulistano que, visando o reconhecimento da imunidade sobre livros eletrônicos, ingressou com a ação, tendo sido a sua pretensão acolhida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ao chegar ao STF, o Ministro Eros Grau deu tratamento idêntico aos casos de software, caracterizando-o como mercadoria, derrubando, assim, a imunidade, conforme abaixo:
4. A respeito do tema, é de se verificar o julgamento do RE 176.626, do qual foi relator o Min. Sepúlveda Pertence, DJU 11.12.1998, ementado nos seguintes termos: ‘EMENTA: I. (...) II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (software): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador’ matéria exclusiva da lide, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.[21]
Nesse sentido, é importante ressaltar que a jurisprudência majoritária do STF ainda não reconhece a imunidade dos livros eletrônicos, em que pese o posicionamento de Tribunais inferiores em sentido contrário. Carlos Eduardo Felício, procurador da Fazenda Nacional entende que:
Em um momento que grande parte dos livros, jornais e revistas já se encontram disponíveis em versões eletrônicas e as editoras já promoveram uma corrida tecnológica para se readequarem a esta nova mídia, o STF (que, aliás, também caminha nesta trilha, aprimorando seus serviços eletrônicos, notadamente através da internet) ainda não reconhece a imunidade dos livros eletrônicos em real incongruência com a realidade atual e com o desiderato da norma constitucional.
Parece-nos que o STF tem confundido a questão da abrangência do conceito de livro em sua substancialidade para fins de imunidade tributária com problema de insumo que ensejaria a aplicação da famigerada súmula 657. Tal posicionamento de nossa corte mostra-se contraditório com os precedentes da casa que demonstram os valores que são albergados pela imunidade em estudo, conforme comprovam as decisões adrede apresentadas.
Além disso, restringir a imunidade ao papel cuja produção ocasiona sério danos ambientais e crivar com tributo aquela produção em formato eletrônico que desonera a natureza e pluraliza a cultura é algo totalmente ilógico, incongruente, caminhando de encontro às necessidades do planeta e da humanidade.
A leitura do dispositivo constitucional indica-nos que os livros, jornais e periódicos são imunes aos impostos. A conjunção aditiva “e” acrescenta um insumo como imune, qual seja o papel. No entanto, este insumo não limita o termo livro, de forma que somente os livros em papel sejam imunes. Ao contrário, o termo papel traduz o único insumo imune. Dentro desta ideia é que se desenvolveram os precedentes do STF que originaram a Súmula 657, estendendo a desoneração a outros insumos que se equiparariam ao papel. Conforme visto, é com fundamento neste raciocínio que o STF tem negado a desoneração aos livros eletrônicos. Portanto, salta aos olhos que a questão do conceito de livro para fins de imunidade não fora apreciada pelo Supremo[22].
Entendemos que é dado o momento para revisão do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, devendo analisar a questão do livro eletrônico não como um insumo, ensejando a aplicação da Súmula 657; mas sim sob o prisma do alcance do conceito de livro para fins da imunidade inscrita na alínea d, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal.
Júlio M. de Oliveira e Gustavo Perez Tavares, em artigo acerca da imunidade tributária do livro eletrônico e a recente Emenda Constitucional nº 75/2013, assim se manifestaram:
Assim, adotando-se uma interpretação teleológica e evolutiva do disposto no referido art. 150, VI, “d”, da Constituição, resta inequívoco que a imunidade conferida aos livros tem por finalidade assegurar a liberdade do pensamento, de expressão, do acesso à informação e a própria difusão da educação, do que se concluiu que este é o verdadeiro espírito da norma idealizada pelo Constituinte Originário.
As mesmas considerações são aplicáveis, a partir de agora, aos arquivos musicais em formato digital, pois que também representam veículos de consagração da livre manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística e de comunicação. Bem por isso, e sensível aos obstáculos enfrentados pelos contribuintes com relação aos livros, revistas e periódicos, o Constituinte Derivado consignou expressamente o formato digital na novel alínea “e”. Confira-se a sua redação:
“e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.”
Importante destacar que o objetivo da EC 75/13 foi justamente equiparar os veículos de divulgação musical com os livros, revistas e periódicos, conforme se pode observar pelos pronunciamentos dos congressistas no momento da aprovação da Emenda.[23]
A matéria já teve repercussão geral reconhecida. No Recurso Extraordinário (RE 330817), de relatoria do ministro Dias Toffoli, o Estado do Rio de Janeiro contesta decisão da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que, julgando mandado de segurança impetrado por uma editora, reconheceu a imunidade relativa ao ICMS na comercialização de enciclopédia jurídica eletrônica. Entendeu o TJ-RJ que “livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos”. Contudo, no recurso em questão, o Estado do Rio sustenta que o livro eletrônico é um meio de difusão de obras culturais distinto do livro impresso e que, por isso, não deve ter o benefício da imunidade, a exemplo de outros meios de comunicação que não são alcançados pelo dispositivo constitucional[24].
Em decisão monocrática, o Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal havia entendido que a imunidade tributária dos livros em papel não é extensiva aos livros em formato eletrônico. No entanto, foram opostos embargos de declaração e o relator reconheceu a repercussão geral, afirmando que “sempre que se discute a aplicação de um benefício imunitório para determinados bens, sobressai a existência da repercussão geral da matéria, sob todo e qualquer enfoque” porque “a transcendência dos interesses que cercam o debate são visíveis tanto do ponto de vista jurídico quanto do econômico”[25].
O ministro esclareceu que a controvérsia é objeto de “acalorado debate”, ressaltando que a corrente restritiva possui um forte viés literal e concebe que a imunidade alcança somente aquilo que puder ser compreendido dentro da expressão ‘papel destinado a sua impressão’, ao passo que a concepção extensiva destaca que o foco da desoneração não é o suporte, mas sim a difusão de obras literárias, periódicos e similares e, segundo uma interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, a imunidade serviria para se conferir efetividade aos princípios da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, o que, em última análise, revelaria a intenção do legislador constituinte em difundir o livre acesso à cultura e à informação[26]. O recurso ainda não foi julgado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, apesar de a maioria da doutrina entender aplicável a referida imunidade a livros eletrônicos, a jurisprudência ainda não está pacificada, de forma que alguns Tribunais acolhem a tese da imunidade recaindo sobre o produto final, ao passo que outros entendem ser uma imunidade objetiva, recaindo apenas sobre a literalidade do artigo. No STF, o tema ainda não foi pacificado. Filiamo-nos à concepção mais extensiva, que aplica a imunidade tributária aos e-books. Tal como esclarecido pelas posições doutrinárias acima expostas, em uma interpretação teleológica, a imunidade conferida aos livros diz respeito à proteção à liberdade de pensamento e ao acesso à informação, de forma que não deve o intérprete aplicar uma visão mais restritiva em relação à atividade intelectual. Espera-se, portanto, que a Corte Suprema encampe tal posicionamento.
REFERÊNCIAS
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[1] GIL, Gilberto. A Importância dos direitos autorais. Ministério da Cultura, Brasília, 16 set. 2007. Disponível em <www.cultura.gov.br>. Acesso em 5 set. 2008.
[2] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 189 apud VESPERO, Regina Celi Pedrotti. A Imunidade Tributária do artigo 150, VI, "d" da Constituição Federal e o denominado livro eletrônico (Cd-Rom, Dvd, Disquete, Etc.). Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em < www.pge.sp.gov.br>. Acesso em 2 set. 2008.
[3] BALEEIRO, Aliomar apud VESPERO, Regina Celi Pedrotti.Op. cit.
[4] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 6, t. 1, p. 186.
[5] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 2.ed.atual. ampl. São Paulo: Método, 2008. p.173
[6] Loc. Cit.
[7] MACHADO, Hugo de Bitro. Curso de Direito Tributário. 27. São Paulo: Ed. Malheiros. p. 303.
[8] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário.13. Ed.Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.77
[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Constitucional. Tributário. Imunidade. Art. 150, VI, "d" da CF/88. "Álbum de figurinhas". Admissibilidade. Recurso extraordinário nº 221239. Recorrente: Editora Globo S/A. Recorrido: Estado de São Paulo. Relator: Min. Ellen Gracie. Brasília, 25 abr.2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 8 set.2008.
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Imunidade - Impostos - livros, jornais, periódicos e papel destinado à impressão - apostilas. Recurso extraordinário nº 183403. Recorrente: Estado de São Paulo. Recorrido: Bosch Telecom Ltda. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 7 dez.2000. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 8 set.2008.
[11] ALEXANDRE, Ricardo. Op. Cit. p. 175.
[12] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit. p. 303.
[13] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 1998. p.418.
[14] TORRES, Ricardo Lobo. Op. Cit. p. 78.
[15] ALEXANDRE, Ricardo. Op. Cit. p. 175.
[16]BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (4ª Câmara Cível). Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Apelação cível nº. 1996.001.01801. Apelante: Estado do Rio de Janeiro. Apelada: Editora Nova Fronteira S/A. Relator: Des. Wilson Marques. Rio de Janeiro, 20 mai. 1996. Disponível em <http://www.tj.rj.gov.br/>. Acesso em: 8 set.2008.
[17] Loc. cit.
[18] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apud MOTTA FILHO, Marcello Martins. Tribunais Reconhecem a Imunidade Tributária ao Livro Eletrônico. Associação Brasileira de Direito Tributário - ABDT, Editora Del Rey, Belo Horizonte, set./dez., 2000, vol. 07, p. 383 a 387.
[19] Loc. cit.
[20] Loc.cit.
[21]BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. ICMS. Produtos de informática. Programas [software]. Cd-rom. Comercialização. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade em recurso extraordinário. Agravo Regimental no Recurso extraordinário nº 285870. Agravante: Município de São Paulo. Agravado: Saraiva Data Ltda e Outro. Relator: Min. Eros Grau. Brasília, 17 jun.2008. Disponível em <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 8 set.2008.
[22] FELÍCIO, Carlos Eduardo. Tratamento da imunidade do livro eletrônico pelo Supremo Tribunal Federal: por uma mudança necessária. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23488>. Acesso em: 23 nov. 2014.
[23] DE OLIVEIRA, Julio M.; TAVARES, Gustavo Perez. Emenda Constitucional 75 pode afetar imunidade de livros. Consultor Jurídico, São Paulo, 1 dez. 2013. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-dez-01/emenda-constitucional-75-afetar-decisao-imunidade-livros>. Acesso em: 23 nov. 2013.
[24] IMUNIDADE tributária de livro eletrônico é tema de repercussão geral. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 13 nov. 2013. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=223771> Acesso em: 23 nov. 2013.
[25] Loc. cit.
[26] Loc. cit.
Procurador Federal (Advocacia Geral da União).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Antonio Carlos Mota Machado. A imunidade tributária do livro eletrônico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42029/a-imunidade-tributaria-do-livro-eletronico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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