Resumo: O objeto deste estudo será analisar o direito urbanístico no Brasil, e em alguns países Europeus, lançando um olhar mais aprofundado no instituto da desapropriação urbanística dentro do contexto brasileiro, já que essa é a mais agressiva das intervenções públicas na propriedade privada, motivo pelo qual as exigências e regras em sua utilização dão margem a maiores discussões.
Palavras-chave: DIREITO URBANÍSTICO. DESAPROPRIAÇÃO URBANÍSTICA. INTERNVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA.
Sumário:1. INTRODUÇÃO. 2. Breve histórico. 2.1. A Cidade e a Metrópole. 2.2. Realidade histórica. 3. Desapropriação Urbanística – Sancionatória.3.1. Fundamentos.3.2. Análise do instituto.3.2.1. Conceito de Desapropriação e sua diferença para a modalidade ora estudada.3.2.3. Natureza Jurídica da Desapropriação Sancionatória na Ordem Jurídica Brasileira.3.2.4. Direito Urbanístico no Direito Comparado Europeu.3.2.4.1. Direito Urbanístico no Direito Alemão.3.2.4.2. Direito Urbanístico no Direito Italiano.3.4.2.3. Direito Urbanístico no Direito Francês. 4. CONCLUSÃO
1 - Introdução.
O estatuto da Cidade[1] é um instrumento de política urbana editado pelo Poder Público a fim de ordenar o crescimento urbano, dentro das diretrizes previstas tanto pela Constituição.[2]
Dentre os instrumentos passíveis de utilização, e conferidos pela Constituição Federal de 1988, temos a edificação compulsória, aumento progressivo do IPTU e desapropriação urbanística sancionatória.
2 - Breve Histórico.
O direito urbanístico é um ramo recente, considerada uma nova disciplina jurídica, e que está em franca evolução. O adjetivo “urbanístico”[3] indica a realidade sobre a qual este ramo incide: o urbanismo – que advém do latim urbis, que significa “cidade”. Seu conceito, portanto, liga-se umbelicalmente ao de cidade – não só as cidades grandes, mas também às médias e às pequenas[4] -, bem como às necessidades conexas com estabelecimento do homem na cidade.
Dessa forma, para que seja compreendido em todas as suas manifestações, inclusive na jurídica, é fundamental, senão conveniente, breve escorço histórico do fenômeno urbano, para que possamos naturalmente chegar à urbanização, que causou o desenvolvimento do urbanismo, e a atividade urbanística realizada pelo Poder Público.
2.1 – A cidade e a metrópole.
Em torno do ano 3500 a.C, tem-se noticias das primeiras cidades, no vale compreendido entre o Tigre e o Eufrates, em que pese não ter nascido aí o fenômeno urbano.
Com efeito, apenas a partir da primeira metade do século XIX podemos afirmar ter sido seu início. Dessa forma, embora existam cidades há mais de 5.500 anos, a urbanização, nos termos aqui estudados, constitui instituto moderno.
Nesse diapasão, Sjoberg[5] afirma que são 3 os estágios intermediários das cidades desde sua origem até sua urbanização, quais sejam: a) Pré-Urbano; b) Sociedade pré-industrial; c) Cidade industrial moderna.[6]-[7]
Há, inclusive, quem afirme que exista um quarto estágio dessa evolução: no fim da cidade como antagonista ao campo[8], em uma organização do território, conseqüência da difusão dos serviços e tecnologia, constituindo uma continuidade urbano-rural, vale dizer, a chamada cidade pós-industrial, em que o fornecimento de serviços tem primazia sobre a produção e transformação de alimentos e utensílios.[9]
2.2 – Realidade brasileira.
No Brasil, o fenômeno urbano liga-se à política de ocupação e povoamento da Colônia, da mesma forma que aos ciclos econômicos. O sistema inicial de exploração dos recursos naturais (pau-brasil) originou às primeiras feitorias e alguns agrupamentos humanos com rudimento de agricultura. Com as expedições colonizadoras, deu-se início à formação de vilas e povoados, de maneira que, à época da instalação do Governo Geral, haviam sido fundados cerca de 16 povoados e vilas no litoral brasileiro, ao passo que Tomé de Souza fundava a cidade de Salvador.[10]
Na Colônia, os núcleos urbanos ou vilarejos foram resultados da ação urbanizadora das autoridades coloniais, não de criação espontânea da massa; a formação de cidades e vilas foi sempre ato de iniciativa oficial. Esta política continuou sendo praticada no Império por intermédios das Colônias militares no interior do país e de núcleos de colonização nos Estados da Federação.
Uma boa argumentação para esse fato é que os aglomerados urbanos só se desenvolviam espontaneamente no litoral, mormente pelo tipo de economia então praticada, voltada ao comércio exterior, até o ciclo do café.
Excepcionalmente temos a formação e núcleos urbanos em zonas mineradoras.
Assim, não é demasiadaa afirmaçãode que as cidades brasileiras desenvolveram-se basicamente ao longo da costa marítima sob a influência da economia voltada para o exterior.
Ciente desse histórico, a Constituição Brasileira de 1988 optou, ao contrário da Constituição Portuguesa de 1976, em ser uma carta analítica, de sorte que ela mesma traçou as bases para que o legislador infraconstitucional observa-se quando da edição do Estatuto da Cidade (10.257/2001), objetivando ordenar, ainda que tardiamente, o crescimento urbano.
3. Desapropriação Urbanística – Sancionatória.
3.1.Fundamentos.
Além do fundamento legal, que já nos referimos acima, vamos aqui fazer uma breve análise dos fundamentos teleológicos buscados pelo Estatuto da Cidade.
Foi-se a época em que o direito – aqui entendido como direito subjetivo – era quase uma prerrogativa de seu detentor, que podia utilizá-lo como bem quisesse, da forma que achasse melhor.
Para matizar situações que poderiam se evidenciar como abuso de direito, quando o exercente, embora atuando dentro dos limites do direito previsto, excedia os motivos pelo qual o direito havia sido concebido, incidindo em ato ilícito, de forma aparentemente paradoxal.
Nesse diapasão, o positivismo reduziu o direito a processo biológicos e mecânicos na linha da causalidade, esquecendo de seu conteúdo, da finalidade que a ele é inerente. O fim do direito é o bem comum, de modo que a ausência de finalidade provoca a perda da base de legitimidade substantiva do ordenamento.
No âmbito do Direito de propriedade – previsto na maioria das Constituições Ocidentais – a forma pela qual se busca que esse direito seja exercido sem que haja abuso de direito, é pela observância da função social[11]-[12] da propriedade, que nada mais é do que uma forma de incentivar condutas coletivamente úteis, mediante a imposição de sanções positivas, estimulando uma atividade, uma obrigação defazer.[13]
Assim, em breve síntese, são proibidos pelo ordenamento brasileiro[14] os atos que não tragam ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade e seja animados apenas pela intenção de prejudicar outrem.
3.2. Análise do instituto.
3.2.1. Conceito de Desapropriação e sua diferença para a modalidade ora estudada.
O conceito de desapropriação, em sentido amplo, vem evoluindo em face das novas finalidades que instituto tem adquirido, embora, em essência, seja concebido como um instrumento pelo qual o Poder Público determina a transferência da propriedade particular (ou pública de entidades públicas menores) para seu patrimônio ou de seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, salvo os casos em que deva ser paga por títulos da dívida pública.
Por outro lado, a desapropriação urbanística distancia-se desse conceito geral, para caracterizar-se com um instrumento de realização de política do solo urbano em função da execução do planejamento urbanístico. Nesse sentido é que se afirma que seconsubstancia em um instrumento de execução da atividade urbanísticas do Poder Público, tendo no planejamento seu principio nuclear.
Ao se estabelecer as bases de ordenação da realidade urbana, importa conformar e configurar a propriedade imóvel e o direito de construir, atuando, no plano prático, o principio constitucional da função social da propriedade.
Assim, ao contrário da desapropriação, como espécie geral de intervenção do estado na propriedade privada, não consiste exatamente em um instrumento de transferência de imóveis de um proprietário privado a outro, público ou não, mas um instrumento destinado a obter determinada utilização positiva desses bens, na forma prefixada pelas normas de direito urbanístico.
Essa função é conseqüência lógica do atual sistema da disciplina jurídica dos bens, que não se constitui apenas por limitações, mas também por normas dirigidas à sua utilização vinculada, pois não seria possível obrigar o proprietário a realizar, nos seus imóveis, um uso positivo que não seja de sua escolha[15], da mesma forma que não se pode impor ao empresário o desenvolvimento de uma atividade oposta à sua vontade.
É aí que surge um conflito de ente o interesse dos proprietários, consistentes em que seja aproveitável toda a superfície de seus lotes, para neles construir em sua capacidademáxima.
Esse conflito de interesses urbanísticos, composto por normas de direito urbanístico será solucionado com a desapropriação daquelas propriedades envolvidas.
Com efeito, não é demasiado repisar que a desapropriação tradicional é de caráter casuístico e individualizado, no sentido de que atinge bens isolados para transferi-los, em cada caso, definitivamente para o poder expropriante.
A desapropriação urbanística, ao contrário, é compreensiva e generalizável, atingindo áreas e setores completos, retirando os imóveis aí abrangidos, do domínio privado, para afetá-los ao patrimônio publico, para, então, serem devolvidos ao setor privado, uma vez urbanificados ou reurbanizados, em cumprimento ao chamado dever de reprivatização.[16]-[17]
3.2.3. Natureza Jurídica da Desapropriação Sancionatória na Ordem Jurídica Brasileira.
O núcleo conceitual da desapropriação urbanística sancionatória é o mesmo das demais espécies de desapropriação: transferência de propriedade do particular para o Poder Público por motivo de utilidade pública ou interesse social.
Ela pode ser considerada sancionatória tendo em vista sua natureza jurídica: a de sanção. Sim, pois, conforme consta na Constituição Federal de 1988, ela servirá para atender aqueles casos em que o proprietário de determinado imóvel, instado por diversas formas a promover o seu adequado uso, mantém-se inerte ou o faz de forma insuficiente, cabendo ao Poder Público, então, promover seu uso adequado.
Na ordem jurídica brasileira, quem tem competência privativa para tanto é o Município, pois resta a ele a tarefa preponderante de implementar as ações e estratégias necessárias à preservação e aperfeiçoamento da ordem urbanística.
Os fins buscados por esta modalidade de desapropriação[18] não podem ser outros que não a política urbana, não sendo demasiado considerá-la como um instrumento de política urbana, de caráter punitivo, executado por intermédio de transferência coercitiva do imóvel para o patrimônio do município.
Seu pressuposto consiste no descumprimento, pelo proprietário, da obrigação urbanística de aproveitamento do imóvel em conformidade com o que tiver sido estimulado no plano diretor.
A determinação urbanística consiste na adequação do solo urbano às diretrizes fixadas no plano diretor. Não sendo ela observada, o Município adotará as providencias punitivas em caráter punitivo: só pode ser aplicada a sanção subseqüente se a anterior não tiver sido eficaz.
3.2.4. Direito Urbanístico no Direito Comparado Europeu.
Naturalmente, não teríamos como analisar todas as legislações urbanísticas da Comunidade Europeia, motivo pelo qual falaremos de alguns países, e nos deteremos mais à realidade Portuguesa.
Aliás, como a Comunidade Europeia é composta por diversos países, cada um soberano em relação ao outro, não devemos ignorar essas limitações e diferenças, pois as tendências legislativas européias tentam formar um esboço para que haja uma convergência futura do urbanismo em seu sentido amplo.[19]
Essa tendência é concretizada ao analisarmos a Carta Europeia de Ordenamento do Território, de 20 de maio de 1983, bem como na Carta Urbana Europeia, aprovada pelo Conselho da Europa, em 1992, cujo título era Estratégias e Projetos Urbanos.[20]-[21]
Ao analisarmos detidamente a Carta Urbana Europeia, aprovada pelo Conselho da Europa, em 1992, acima referida, observamos que ela delimita, de forma exaustiva, os princípios informadores da Política Urbanística, no que tange à habitação, saúde, ambiente e equipamentos, traçando uma real codificação dos princípios e instrumentos orientadores em todo território europeu.[22]
Não como ignorarmos, ainda, o Tratado da Comunidade Europeia que prevêem diversos princípios e objetivos fundamentais[23], solidificando um direito urbanístico sustentável.[24]
Não como esquecermos uma que pode ser considerada a terceira fonte jurídica de uma possível aproximação legislativa consiste na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como previsto na convenção.[25]
De modo geral, a desapropriação urbanística no Direito Comparado é utilizada em vários casos nos quais a desapropriação para urbanização (ou urbanificação) constitui apenas uma das manifestações. É possível generalizar-se as significações básicas da desapropriação urbanística, expostas por Enriquez de Salamanca[26] em relação ao sistema espanhol, quais sejam: 1) Desapropriação como sistema de atuação de planos urbanísticos; 2) Desapropriação urbanística subsidiária, para aqueles casos em que os particulares não atuem de acordo com as previsões do plano ou quando assim o requeiram trabalhos de urbanificação em terrenos destinados a futuros núcleos urbanos; 3) Desapropriação-sanção, prevista para punir o não-cumprimento de obrigação ou ônus urbanístico imposto ao proprietário de terrenos urbanos.
O número um acima é o que a legitima, fundamentalmente, porque consubstancia seu próprio conceito com instrumento de execução de planos urbanísticos, que podem ser gerais, particularizados, parciais, especiais ou setoriais, requerendo-se tão-somente que sejam aprovados e dotados de eficácia executiva.
No número dois, em que a doutrina chama de desapropriação urbanística de caráter subsidiário, tem por função fazer atuar atividade urbanificadora por alguém em substituição ao proprietário do imóvel que deixou de cumprir determinações positivas do plano ou projeto urbanístico, encontrando-se nessas hipóteses as determinações de reparcelamento de áreas urbanizadas, edificadas ou não; as de urbanificação prioritária; as de renovação urbana; as de reserva do solo em previsão da expansão as aglomerações urbanas, para ordenação dos espaços naturais em torno dos núcleos populacionais e para a criação de novas cidades ou novos bairros ou estâncias turísticas.[27]
Na última delas, a chamada desapropriação sanção é modalidade de desapropriação urbanística prevista em algumas legislações (Itália e Espanha) para “o restabelecimento da legalidade urbanística, quando esta tiver sido vulnerada, ou para evitar o descumprimento das normas que contem obrigações para os proprietários”.[28]
Está, contudo, muito ligada a alguns dos pressupostos da desapropriação urbanística subsidiária, tanto que seu nome deriva do fato de que a privação forçada da propriedade em função do descumprimento de deveres e ônus urbanísticos comporta a redução da justa indenização – como era o caso da lei espanhola, alterada, neste ponto, pois hoje se atribui o caráter não apenas punitivo, mas operativo do instituto.[29]
Nesse diapasão, podemos notar que do exame das leis urbanísticas estrangeiras[30], figura sempre um capitulo disciplinando a expropriação para fins urbanísticos, geralmente fundamentado na utilidade pública, e não no interesse social.
3.2.4.1. Direito Urbanístico no Direito Alemão.
Conforme lição do Dr. Colaço Antunes[31], ao analisarmos o sistema jurídico alemão, neste ponto, podemos extrair a distinção entre várias tipologias de planos, em que a rigidez do denominado principio da conformidade (hierarquia dos planos), tem causado uma constante flexibilidade, fundamentando o que seria uma articulação planificatória urbanística flexível, pluralista e situacional.[32]
Conforme esse principio – do desenvolvimento urbanístico em conformidade com o plano – a “reserva da hierarquia tem dado lugar, lenta mas progressivamente, à reserva de flexibilidade”. Uma mera execução do plano de urbanificação (Bebauungsplan) não implica desenvolvimento do plano de utilização de áreas (Flächennutzungsplan), pois o primeiro possui um caráter vinculante (§§8/2 e 10 do BauGB) e o segundo é um plano urbanístico preparatório.[33]
Para que se tenha idéia da força do principio do desenvolvimento urbanístico, basta haver sua violação, para que essa transgressão seja equiparada a infração à lei, ocasionando a invalidade do plano que não o observou, muito embora, de acordo com o §214 do BauGB, essa invalidade só será declarada se for prejudicado, de alguma forma, o desenvolvimento urbanístico, estabelecendo-se, assim, a amp2liação dos casos de dispensa da hierarquia dos planos em matéria de licenciamento de obras.[34]
Nesse contexto, tem havido uma tendência de se conferir uma maior flexibilização e cooperativização, sem, no entanto, prejuízo da permanência do principio da hierarquia.
3.2.4.2. Direito Urbanístico no Direito Italiano.
Na Itália, foi feita uma distinção entre os planos estruturais e os planos operativos, buscando-se, assim, mitigar a adequação da propriedade ao piannoregolatoregenerale[35], não obstante não seja um problema fácil de se solucionar, em vistas de ser o território constituído por diversas propriedades.
Dessa forma, o novo plano territorial de coordenação provincial acentuou os critérios da hierarquia dos interesses dos planos, em detrimento de uma perda da teoria da cascata planificatória.[36]
3.4.2.3. Direito Urbanístico no Direito Francês.
Da mesma forma que ocorreu no direito alemão, a legislação francesa buscou harmonizar a planificação urbanística com os interesses gerais do ordenamento do território, como podemos acompanhar pelas ultimas reformas legislativas.
Ainda assim, na relação entre os planos tradicionais – Schémadirecteur d´aménagement ET d´urbanisme, plan d´occupationdessols e a Zone d´aménagement concerte – tem prevalecido o principio da compatibilidade, sendo que os Tribunais Franceses tem interpretado o vínculo de compatibilidade de modo mais rigoroso relativamente ao Plano de Ocupação do Solo (P.O.S) do que em relação a outros planos, mormente aqueles que dizem respeito à concessão de licenças de construção.[37]
Em 2000, ano em que houve importante reforma no sistema do direito urbanístico Francês, foi editada a lei 13 de dezembro, ocorreu uma rearrumação e requalificação dos instrumentos planificatórios[38], de sorte que os Plans de Locaux d´Urbanisme passaram a ser informados pelo princípio da compatibilidade.
Nesse passo, existe agora uma hierarquia entre os diferentes diplomas normativos, à semelhança da pirâmide Kelseniana, em que os instrumentos planificatórios de nível inferior devem se compatibilizar com os de nível superior, consagrando, desse jeito, o principio da compatibilidade limitada.
4. CONCLUSÃO
Com efeito, a desapropriação urbanística não visa solucionar os chamados “problemas sociais”, ou seja, aqueles que diretamente atinentes às classes mais pobres, aos trabalhadores e à massa do povo, em geral, pela melhoria das condições de vida, pela mais equitativa distribuição da riqueza.
A utilidade pública que fundamenta o instituto ora estudado, acha-se especificamente na ordenação dos espaços habitáveis, na sistematização do solo ou, ainda, nas operações de edificação desejáveis no interesse geral – de que a desapropriação serve de instrumento de atuação.
E a incidência dos instrumentos da política urbana, dentre as quais a desapropriação urbanística é uma das modalidades, ao lado de outras, como a servidão administrativa, sobre o Direito de Propriedade, originou alguns julgados de elevada importância, a exemplo doa casos Fredin x Suécia, Zumtobel x Áustria, Sporrong e Lönnrothx Suécia e Erkner/Hoffauer x Àustria.[39]
[1] No regime brasileiro, a competência para edição das normas pertence à União, cabendo aos municípios editar leis próprias regulando as suas necessidades concretas de acordo com as diretrizes previstas na lei federal. Sobre a natureza jurídica deste estatuto, pensamos, à semelhança do Dr. Colaço Antunes, em “Direito Urbanístico – Um outro paradigma: A planificação Modesto-Situacional”, Ed. Almedina, p.116, que trata-se de verdadeiro ato-norma, cujo conteúdo, minimamente, é de ser considerado como ato administrativo geral de conteúdo preceptivo.
[2]Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
[3] “O Petit Larousse (1996) define urbanismo como ‘scienceettechnique de laconstrution et de l´amenágementdesagglomérations, Villes e villages’. Neste sentido, o direito urbanístico seria, numa primeira aproximação, o ramo do direito que reúne o conjunto de regras jurídicas que ordenam o desenvolvimento urbano.”Op.cit.p.59, apud H.Charles, Droit de L´urbanisme, Paris, 1997, p.3.
[4] Neste sentido, o Dr. Colaço Antunes, op.cit., às p.52, afirma que “A meu ver, a racionalização (contenção) do crescimento impõe-se não só às grandes metrópoles mas também às cidades medias e mesmo de pequena dimensão (os fenômenos patológicos são conhecidos).”.
[5]GideonSjonberg, “Origem e evolução das cidades”, in Cidades, a Urbanização da Humanidade, 2º edição,p.38.
[6]Refoge aos objetivos do presente trabalho discorrer detalhadamente sobre os estágios mencionados, motivo pelo qual optamos por fazê-lo apenas contextualmente.
[7] Nesse contexto, poderíamos afirmar, junto com o Dr.Colaço Antunes que “a primeira questão – racionalização do crescimento – põe em causa os postulados que estão na base do Grosstadt do capitalismo industrial (imperante em grande parte do território nacional, independentemente da coloração ideológica dos Municípios). Os pressupostos operativos em que se baseia a planificação e a construção da cidade moderna têm-se materializado num processo de desenvolvimento descontínuo, por saltos e brutais substituições, de natureza de cidade e do território pré-existente.”. in Colaço Antunes, op.cit, p.52.
[8] Principalmente em função dos intensos fluxos migratórios da população rural para às cidades.
[9] Mario Liverani, “L´OriginedelleCittá”, p.25.
[10] Nestor Goulart Reis Filho, “Contribuicao ao Estudo da evolução Urbana no Brasil: 1500 -1720”, pp.30; Murilo Marx, “Cidade Brasileira”, 1980, e “Cidade no Brasil: Terra de Quem?”, 1991.
[11] Neste Sentido, “A função social não é algo de conatural à propriedade privada (como nos parece também excessivo integrar “naturalmente” no conteúdo do direito de propriedade o plano urbanístico), mas, ao invés, um limite imposto pela consciência coletiva refletida na lei e máxime na Constituição. Em resumo, não é a função social da propriedade a atribuir ao legislador o poder de conformar o seu conteúdo, mas o legislador a conferir tal função à propriedade privada.”. Dr. Colaço Antunes, op.cit., p.164.
[12] A questão da função social da propriedade levanta, assim, o problema de saber se ela se reporta ao bem ou ao direito. A nossa opinião, como se depreende do texto, vai para a segunda hipótese, pois quando de sustenta a tese oposta está a confundir-se o objeto com o conteúdo do direito de propriedade. O objeto é o bem, mas a função social vai referida ao conteúdo posto pela norma jurídica. Neste sentido, Dr. Colaço Antunes, op.cit., Poder Público.164 apud S.Rodotá, Il terriblediritto. Studdisullaproprietáprivata, Bologna, 1981, p.247.
[13] Norberto Bobbio enfrenta a questão diferenciando o direito repressivo do direito promocional, pois o primeiro sancionaria negativamente todo aquele que praticasse uma conduta contrária aos interesses coletivos, o segundo pretende incentivar as medidas que trouxessem benefícios à coletividade, estimulando atividades positivas. In Dalla Strutura Alla Funzione, p.80.
[14]Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
[15] Joseff Wolff, “El planeamiento urbanistico del territorio y las normas que garantizan su efectividad, conforme a La ley de Ordenación Urbanística”, in La LAey Federal Alemana de Ordenacion Urbanística y los Minicípios, p.15.
[16] Alberto Martín Gamero, ExpropriacionesUrbanisticas, PP.210 e 211.
[17] Um problema que exsurge daí é o ciclo aquisição-urbanificação-alienação não satisfaz aos preceitos do insituto, pois o que busca, verdadeiramente, é ampliar seu uso, dando-lhe novos contornos, a fim de preencher a função social urbana.
[18] Federico Spantigatti, Manual de Derecho Urbanístico, p.376.
[19] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.90.
[20] Cf. Dr. Colaço Antunes, idem ibidem.
[21] Conforme leciona o multicitado Doutor “A filosofia que informa este documento funda-se no profundo convencimento de que os cidadaostem direito urbanos fundamentais: a protecção contra a agressividade de um ambiente urbano perturbador e dificil; direito a exercer um controlo administrativo e contencioso sobre a actuacao da administração local; direito a condições dignas de habitação, saude e oportunidades culturais. Em síntese, o direito a uma qualidade de vida humana e culturalmente aceitável.”. Cf. Dr. Colaço Antunes, op.cit, p.90, apud M.Bassols Coma, “Panorama Del derecho urbanístico español; balance y perspectivas”, in I Congresso Español de derechoUrbanistivo, Santander, 1999, p. 43 e ss.
[22] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.91.
[23] Como bem lembra Colaço Antunes, “acresceque outros objetivos comunitários como a coesão econômica e social e a criação de redes transeuropeias não deixarão de marcar a evolução do Direito Urbanistico no plano europeu”. Op. Cit, p.91.
[24] Cf.Dr. Colaço Antunes, idem ibidem.
[25] Cf.Dr. Colaço Antunes, idem ibidem.
[26]Naturalieza y alcance de laExpropriación por Razón de Urbanismo, p.64.
[27] Cf. Enriquez de Salamanca, Naturaleza y alcance de laExpropriación por razón de urbanismo, Poder Público.40-41.
[28]Cf. José Mario CorellaMoredelo, La infracción Urbanística, p.219.
[29] Como bem ensina o Dr. Colaço Antunes, “Chama-se ainda a atenção para a célebre Lei Valenciana sobre a actividade urbanística que, à luz de critérios empresariais da atividade urbanística, substituiu o proprietário do solo pelo construtor imobiliário, que passa a constituir uma espécie moderna do tradicional concessionário de obras públicas”. Cf. Colaço Antunes, op.cit, p.124 apud F.López Ramón, “La situazionedell´urbanísticaspagnola” in Presente e futuro dellapianificazione urbanística, pó. Cit, p.29 e ss.
[30]Podemos citar leis urbanísticas de alguns países, tais como a 1.150, de 17/08/1942, arts. 18 e SS, modificada pelas leis 865, de 22/10/1971, arts. 9 e SS e 10, de 28/01/1977, art.14, todas da Itália; Na Espanha, temos a “Ley sobre elRégimendelSuelo y Ordenación Urbana”, de 26/06/1992, arts. 171 e ss, sem que seja declarado o requisito especifico; Em França, temos a lei 57-908, de 7/08/1957, lei de 25 de junho de 1999 e lei de 12 de julho de 1999, a lei 04 de fevereiro de 1995 e a lei 13 de dezembro de 2000; ordenança 58-997, de 23/10/1958 e lei de 26/07/1962; Na Bélgica existe a lei de 29/03/1962, nos arts. 25 e ss; E na Alemanha, a lei federal de Ordenação Urbanística, de 23/06/1960, §§85 e ss.
[31] Colaço Antunes, op. cit., p.124.
[32] Colaço Antunes, idem ibidem, apud Schimidt-Assmann, “l´evoluzionedel principio diconformitá ai pianineldiritto urbanístico tedesco”, in Presente e Futuro dellapianificazione urbanística, op.cit.p.3 e ss.
[33] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.125, apudSchimidt-Assmann, “BesonderesVerwaltungsrecht”, 11º ed., Berlin, New York, 1999, pp.73 e ss, e 289 e ss.
[34] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.125.
[35] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.126, apud P.Stella Richter, Ripensarela disciplina urbanística, op.cit., p.93 e ss.
[36] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.125, apud P.Urbani/S Civitarese, Diritto Urbanístico, organizzazione e rapporti, Torino, 2000, p.286 e ss.
[37] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.125, apud Gérard Marcou, “l´esperienzafrancese”, in Presente e Futuro…, op.cit., p.41 e ss “l´esperienzafrancese”, in Presente e Futuro…, op.cit., p.41 e ss.
[38] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.127, apud Y.Jegouzo “La loi Solidaritéetrenouvellementurbains: présentation générale”, in AJDA., nº1, 2001, p.9 e ss.
[39] Cf.Dr. Colaço Antunes, op. Cit., p.92.
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. Aspectos jurídicos sobre a desapropriação urbanística sancionatória e sua perspectiva comparada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42031/aspectos-juridicos-sobre-a-desapropriacao-urbanistica-sancionatoria-e-sua-perspectiva-comparada. Acesso em: 23 dez 2024.
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