I. Considerações iniciais
Este trabalho focaliza a hipótese legal de dispensa de licitação prevista no artigo 24, XXI, da Lei n° 8.666/93, o qual versa sobre a aquisição de produtos destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos oriundos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq ou outras instituições de fomento à pesquisa credenciadas, por este último ente, para esse fim específico.
II. Da previsão legal de dispensa
Acerca da eventual possibilidade de inexigibilidade de licitação, verifiquemos, preliminarmente, que a atividade administrativa deve pautar-se, sempre, pelo respeito de determinados princípios que irão nortear suas relações com terceiros, especificamente aquelas que traduzem um determinado ajuste de interesse do Estado e também do interesse do particular.
As formalidades que restringem a atividade da Administração Pública na sua vontade de contratar inserem-se no conceito de licitação, qual seja, o de um procedimento administrativo rigorosamente formal que visa atingir o cumprimento dos princípios anteriormente elencados.
A exigência desse procedimento formal encontra-se formalizada junto ao artigo 37 da Constituição Federal que estabelece o quanto segue: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Com exceção à regra geral de realização de licitação pelo ente público tem-se os casos de dispensa e de inexigibilidade elencados nos artigos 17, 24 e 25, da Lei Federal n° 8.666, de 21 de junho de 1993.
O artigo 17 engloba os casos de ‘licitação dispensada’, que são aquelas hipóteses relacionadas à alienação de bens móveis ou imóveis pela Administração Pública.
O artigo 24 trata dos casos de dispensa de licitação, sendo esta verificada, em situações em que, embora viável a competição entre os particulares, a licitação afigura-se objetivamente incompatível com os valores norteadores da atividade administrativa.
O artigo 25 trata dos casos de inexigibilidade de licitaçãoocorre quando a licitação não é instaurada por inviabilidade de competição, sendo, em suma, uma imposição da realidade extranormativa, tendo, como decorrência, que as causas de inexigibilidade contidas na lei têm cunho meramente exemplificativo.
Sobre o assunto em questão, a Lei de Licitações assim prescreve, in verbis:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XXI- Para aquisição de bens destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pelo CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento à pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico.”
Neste sentido, de acordo com o dispositivo legal em comento, percebemos que a referida dispensa de licitação exige o cumprimento de três requisitos: 1) que a destinação dos bens adquiridos seja exclusiva para pesquisa científica e tecnológica; 2) que os recursos sejam concedidos pela Capes, Finep ou CNPq; e 3) que na hipótese de concessão dos recursos por outras instituições de fomento à pesquisa, sejam estas instituições credenciadas pelo CNPq para esse fim específico.
É o caso, por exemplo, da descentralização orçamentáriaproveniente de verba doPrograma de Apoio à Pós-Graduação - PROAP da CAPES.O mencionado Programa foi aprovado pela Portaria n° 64, de 24 de março de 2010, e conforme o artigo 1° de seu Regulamento “destina-se a proporcionar melhores condições para a formação de recursos humanos, a produção e o aprofundamento do conhecimento nos cursos de pós-graduação stricto sensu, ministrados pelas Instituições de Ensino Superior Públicas – IES”.
O artigo 2° do Regulamento, por sua vez elenca os requisitos necessários para o ingresso da instituição de ensino no PROAP:
Art. 2°. A IES participante do PROAP deverá:
I- possuir personalidade jurídica de direito público e ensino gratuito;
II- manter programa(s) de pós-graduação stricto sensu, avaliado(s) pela CAPES, que possua(m) quota de bolsa concedida pelo Programa de Demanda Social-DS da CAPES com nota igual ou superior a 3 (três);
III- manter uma infra-estrutura administrativa responsável pela gerência do PROAP na instituição a exemplo do DS; e
IV- responsabilizar-se pelo cumprimento das obrigações estipuladas nos convênios e termos de cooperação firmados com a CAPES.
Ainda de acordo com o Regulamento em questão, observa-se que entre as atribuições da instituição participante está a elaboração do Plano de Trabalho Institucional, que seria o resultado da consolidação dos respectivos planos de trabalho de todos os programas de pós-graduação da Instituição, e que elencaria os itens e projetos de pesquisa a serem financiados pelos recursos.
Neste sentido, a subsunção da hipótese legal aos casos concretos dependem da existência do referidoplano de trabalho, bem como dos respectivos instrumentos (termo de convênio, termo de cooperação ou auxílio pesquisador), utilizados para o repasse dos recursos, uma vez que, de acordo com o artigo 6° do Regulamento, “os recursos serão repassados em conformidade com os termos de Convênio e de Cooperação firmados com a IES, com o AUXPE, quando se aplicar, com a disponibilidade financeira da CAPES e com base nos valores descritos nos planos de atendimento”.
Em outras palavras, para que se valha a Administração do permissivo legal de dispensa, há necessidade de demonstração da vinculação das aquisições com projetos de pesquisa.
Merece referência o ensinamento do renomado jurista Egon Bockmann Moreira[1] quando aborta o assunto tratado:
O texto do art. 24 da LGL estabelece quatro possibilidades de dispensa em vista das específicas atividades de ensino e pesquisa: (i) o inciso XIII trata da contratação de instituição brasileira dirigida a pesquisa, ensino, desenvolvimento institucional ou dedicada à recuperação social do preços; (ii) o inciso XXI, de aquisição de bens destinados com exclusividade à pesquisa científica por meio de recursos oriundos de instituições de fomento (CAPES, FINEP, CNPq, etc.); (iii) o inciso XXV reporta-se a contratações realizadas por Instituição Científica e Tecnológica ou o licenciamento (direito de uso ou exploração de criação protegida); (iv) o inciso XXXI refere-se ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei 10.973/2004 (incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo).
Em todos estes quatro dispositivos, importante é destacar que o objeto da contratação dispensada há de ser atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológicos ou fomento científico. Este é o motivo pelo qual a contratação direta é autorizada; se a Administração se afastar desses limites, atuará em desvio de poder – isto é, estará se valendo da competência cuja finalidade é a promoção de atividades de ensino e pesquisa para realizar contratações de obras, compras e serviços ordinários da vida administrativa. Exige-se, portanto, o nexo de causalidade entre o objeto contratado e o objeto social (estatuto) da contratada – ambos referindo-se a algumas das atividades estampadas nestes incisos do art. 24.
O próprio Tribunal de Contas da União – TCU ao se pronunciar sobre a questão reforçou o entendimento da necessidade de vinculação estrita da alocação de recursos e os respectivos projetos de pesquisa, veja-se[2]:
Considero que o simples fato de os recursos serem repassados pela Finep, não estariam a autorizar a Fundação a contratar indiscriminadamente, por dispensa de licitação, bens ou serviços de qualquer natureza. Assim, concordo com a proposta de determinação da Unidade Técnica, no sentido da necessidade de realização do competente certame licitatório para a aquisição de bens e serviços que não se enquadram no referido dispositivo legal, consoante o item I do Relatório acima."
"Decisão TCU nº 227/2002 - Segunda Câmara
8.3 - determinar:
(...)
II - ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais a adoção das seguintes medidas:
a) não efetuar dispensa de licitação para contração direta de serviços de qualquer natureza, única e simplesmente por se tratarem de recursos concedidos pela CAPES, FINEP e CNPq ou outras instituições oficiais de fomento, pois a origem desses recursos somente justifica a contratação direta para a aquisição de bens destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica, conforme estabelece o art. 24, inciso XXI, da Lei n.º 8.666/93;"
Assim, para que a dispensa de licitação para aquisição do simulador aquaviário pudesse ser enquadrada no inciso XXI do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 seria necessário que (i) os recursos fossem concedidos por instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico e (ii) o equipamento fosse destinado exclusivamente a pesquisa científica e tecnológica.(grifamos)
Na prática administrativa é comum que o atestede disponibilidade orçamentária – requisito fundamental para a efetivação da contratação pública –, em razão da classificação do elemento de despesa na contabilidade estatal, também seja prova quanto à natureza dos recursos a serem utilizados.
Por fim, mas não menos relevante, assim como qualquer processo de dispensa de licitação, devem os gestores atentarem para a necessidade de comprovação da adequação dos preços dos produtos a serem adquiridos em comparação àqueles praticados no mercado.A respeito da pesquisa de preços, assim recomenda a jurisprudência do TCU[3]:
A jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 3.506/2009-1ª Câmara, 1.379/2007-Plenário, 325/2008-1ª Câmara, 568/2008-1ª Câmara, 1.378/2008-1ª Câmara, 2.809/2008-2ª Câmara, 5.262/2008-1ª Câmara, 4.013/2008-1ª Câmara, 1.344/2009-2ª Câmara, 837/2008-Plenário e 3.667/2009-2ª Câmara, é no sentido de que a realização de pesquisa de preços de mercado, previamente à fase externa da licitação, é uma exigência legal para todos os processos licitatórios, inclusive para os casos de dispensa e inexigibilidade, consistindo essa pesquisa de um mínimo de três orçamentos de fornecedores distintos, sendo necessária a apresentação de justificativa adequada sempre que não for possível obter esse número de cotações” (grifamos)
A pesquisa de preços que antecede a elaboração do orçamento de licitação demanda avaliação crítica dos valores obtidos, a fim de que sejam descartados aqueles que apresentem grande variação em relação aos demais e, por isso, comprometam a estimativa do preço de referência.
Representação de unidade técnica do Tribunal apontou irregularidades na elaboração do orçamento que serviu de base para a contratação de serviço de manutenção predial, objeto do Pregão Eletrônico 47/2010, conduzido pela Coordenação-geral de Recursos Logísticos do Ministério da Fazenda – COGRL/MF.
Segundo a autora da representação, a estimativa de preços que integrou o projeto básico da licitação revelou-se inconsistente, visto que os valores pesquisados apresentaram grandes variações de preços, “suficientes para se afirmar que a média desses preços não se presta para representar os preços praticados no mercado”. Anotou, a esse respeito, que o órgão poderia ter-se valido dos preços praticados em outros contratos celebrados pelo órgão com objetos similares. Tal fragilidade teria ficado patente a partir da verificação de que a proposta vencedora (R$ 3.292.668,90) apresentou valor muito menor do que o estimado pela COGRL/MF e que constou do edital (R$ 6.423.490,12). O relator, ao endossar a avaliação da unidade técnica, considerou ser indispensável que a Administração “avalie, de forma crítica, a pesquisa de preço obtida junto ao mercado, em especial quando houver grande variação entre os valores a ela apresentados”. E fez menção à ementa do Acórdão 1.108/2007-Plenário: “Não é admissível que a pesquisa de preços de mercado feita pela entidade seja destituída de juízo crítico acerca da consistência dos valores levantados, máxime quando observados indícios de preços destoantes dos praticados no mercado”. Concluiu, por isso, ter havido violação ao disposto no art. 7º, § 2º, inciso II, da Lei 8.666/1993. Anotou, no entanto, que desse vício não resultou dano ao erário, porque a disputa entre as licitantes conduziu à contratação do serviço por valor adequado. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu apenar os responsáveis com multa do art. 58 da Lei nº 8.443/1992. Precedente mencionado: Acórdão 1.108/2007-Plenário.
III. Considerações finais
Em conclusão, pode-se afirmar a existência de parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais bastante definidos por meios dos quais o administrador público pode – e deve – pautar sua atuação. O elemento central para a legalidade da utilização da hipótese de dispensa de licitação calcada no art. 24, XXI, da Lei de Licitações, podemos afirmar com relativa segurança, é a comprovação de que as aquisições guardam relação de pertinência exclusiva com projetos de pesquisa e inovação tecnológica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a lei geral de licitação – LGL e o regime diferenciado de contratação – RDC. São Paulo: Malheiros, 2012.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública – 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética, 2012.
[1]MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a lei geral de licitação – LGL e o regime diferenciado de contratação –RDC. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 423
[2]Acórdão 259/2011 – Plenário.
[3]Acórdão nº 556/2010 – Plenário e Acórdão 403/2013-Primeira Câmara.
Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRENTANO, Alexandre. Dispensa de licitação para aquisição de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos por instituições de fomento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42041/dispensa-de-licitacao-para-aquisicao-de-bens-destinados-a-pesquisa-cientifica-e-tecnologica-com-recursos-concedidos-por-instituicoes-de-fomento. Acesso em: 23 dez 2024.
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