A aprovação, pelo órgão fiscalizador, de um processo de reversão de valores a participantes e assistidos e ao patrocinador, decorrente de um resultado superavitário apurado no âmbito de uma entidade fechada de previdência complementar – EFPC, passa necessariamente pela análise das contribuições vertidas nos exercícios anteriores ao superávit.
Um plano de benefícios saldado, por sua vez, tem como uma de suas características justamente a ausência de contribuições a partir de uma data base. Tal situação, contudo, não impede que, diante de circunstâncias específicas, venha a apresentar um superávit, a despeito de um longo período sem receber aportes.
A necessidade de atribuir de forma equânime o montante devido a cada uma das partes em situações excepcionais como esta demanda certo esforço interpretativo por parte da autoridade pública responsável por autorizar o procedimento.
Afinal, como será visto a seguir, a solução nem sempre estará expressa nos normativos atinentes à matéria.
A possibilidade de distribuição de superávit apurado em entidades fechadas de previdência complementar – EFPC é fundamentada no art. 20, § 3º, da Lei Complementar 109/01, cujo teor é o seguinte:
Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
§ 1º Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.
§ 2º A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade.
§ 3º Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos.
Tendo por base uma interpretação extensiva do citado § 3º, constante de um pronunciamento exarado pelo Departamento de Legislação e Normas da extinta Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, sobreveio a Resolução 26/2008 do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, prevendo a hipótese de reversão de valores a título de superávit.
A justificativa apresentada pela SPC, à época, está assim sintetizada (Parecer 55/2008/SPC/DELEG):
Quanto às formas de revisão do plano, o § 3º do art. 20 da Lei Complementar nº 109/01 indica apenas uma das formas possíveis. Diz o dispositivo: ‘Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive assistidos’.
O dispositivo em tela, ao tratar apenas da revisão do plano a partir da redução de contribuições, acaba por fornecer dois critérios que, a nosso ver, são inafastáveis em qualquer forma de revisão.
Quando o legislador determina que se leve em conta, na destinação da reserva especial para a redução de contribuições, a proporção contributiva existente entre as partes, ressaltando que os assistidos também devem ser considerados nessa verificação, acabou revelando duas pilastras da destinação da reserva especial: (i) que o critério de repartição deve ser o da proporção contributiva e (ii) que os assistidos também devem ser contemplados nessa destinação de superávit. Se a lei considera tais balizamentos como sendo justos e de observação obrigatória na hipótese de redução de contribuições, não há razão porque ignorar tais critérios em qualquer modalidade de destinação de reserva especial. O excedente do plano de benefícios é um só, variando apenas as formas de seu aproveitamento. (grifado)
Não parece haver dúvidas de que o respaldo jurídico conferido ao extinto CGPC para a aprovação da chamada reversão de valores tem como premissa básica a observância da correspondente proporção contributiva de cada um de seus beneficiários.
Diante desta interpretação conferida ao § 3º do art. 20 da LC 109/2001, é natural afirmar, em suma, que a efetiva realização de contribuições é condito sine qua non para que se possa vislumbrar qualquer reversão de valores.
Esta é ao menos a regra geral, conforme dispõe o caput do art. 15 da aludida Resolução CGPC 26: “Para a destinação da reserva especial, deverão ser identificados quais os montantes atribuíveis aos participantes e assistidos, de um lado, e ao patrocinador, de outro, observada a proporção contributiva do período em que se deu a sua constituição, a partir das contribuições normais vertidas nesse período”.
Contudo, existem situações excepcionais, conforme adiantado na introdução da presente análise, em que determinado plano de benefícios pode vir a apresentar um resultado superavitário mesmo após um longo período sem receber contribuições.
É o caso dos chamados planos saldados.
O Guia PREVIC de Melhores Práticas em Licenciamento[1] traz a seguinte definição para saldamento de plano de benefícios:
O saldamento é a alteração do regulamento que resulta na proporcionalização do benefício programado dos participantes ativos não elegíveis até a data-base da alteração, com a cessação das contribuições normais correspondentes ao referido benefício.
É assegurado o direito acumulado até a data base, a partir da qual fica vedado o acesso de novos participantes ao plano de benefícios. O custeio administrativo deve ser considerado na proposta de alteração regulamentar.
O saldamento pode ocorrer na forma obrigatória ou facultativa. São necessários estudos atuariais e jurídicos, além de processo de comunicação eficiente e transparente junto aos participantes, para que possa ser compreendida a motivação do saldamento e suas consequências.
De forma resumida, o processo de saldamento ocorre por iniciativa do patrocinador que tem interesse em não mais verter contribuições para o plano. Para tanto, afora as demais questões jurídicas que não tem relevância para a presente abordagem, contrata-se um atuário para mensurar o montante de recursos necessário para fazer frente a todos os compromissos já assumidos até uma determinada data base, vedando-se a assunção de novos compromissos, notadamente pelo fechamento do plano para novos ingressos.
Esta mensuração ou projeção dos compromissos futuros, como se sabe, está sujeita a uma série de variáveis, sendo provável que haja desequilíbrios futuros a serem equacionados, sejam eles positivos ou negativos.
Daí a já adiantada possibilidade de um plano de benefícios, em razão de acontecimentos não antevistos em sua completude no momento do saldamento, apresentar superávit mesmo após sucessivos exercícios sem qualquer contribuição.
Tal hipótese, a princípio, estaria contemplada pela Resolução 26/2008. Trata-se do § 1º do art. 15, que assim dispõe:
§ 1º Na hipótese de não ter havido contribuições no período em que foi constituída a reserva especial, deverá ser considerada a proporção contributiva adotada, pelo menos, nos três exercícios que antecederam a redução integral, a suspensão ou a supressão de contribuições, observada como limite temporal a data de 29 de maio de 2001.
O problema surge quando este limite temporal previsto na parte final da norma é alcançado e ainda assim não há registro de contribuições normais, o que, como visto, é imprescindível para o cálculo do quinhão devido a cada qual, especialmente quando o patrocinador não tem interesse em abrir mão deste recurso, como faculta o § 2º deste mesmo art. 15.
Ainda que improvável, considerando a natureza extremamente duradoura das relações típicas do regime de previdência complementar, há registros de discussões desta ordem no âmbito do órgão fiscalizador.
Faz-se necessário, então, buscar alcançar as razões que levaram o órgão regulador a estabelecer este limite, que, não por acaso, coincide com a data da própria lei que lhe dá fundamento de validade: a Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001.
Trata-se de um divisor entre dois cenários distintos no que tange ao tratamento do superávit.
Até a referida data, vigorava a Lei 6.435/77, que, em seu art. 46, disciplinava a questão da sobra de recursos nos seguintes termos:
Art. 46. Nas entidades fechadas o resultado do exercício, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares no que se refere aos benefícios, será destinado: a constituição de uma reserva de contingência de benefícios até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor da reserva matemática; e, havendo sobra, ao reajustamento de benefícios acima dos valores estipulados nos §§ 1° e 2º do artigo 42[2], liberando, se for o caso, parcial ou totalmente as patrocinadoras do compromisso previsto no § 3º do mesmo artigo.
Aqui, não há que se falar em “apenas uma das formas possíveis de revisão do plano”. Todas as etapas a serem cumpridas quando da constatação de eventual excesso de recursos estão taxativamente descritas na norma.
Primeiramente, o resultado superavitário, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares, seria destinado à constituição de uma reserva de contingência de benefícios até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor da reserva matemática.
Constituída a reserva de contingência, reajustar-se-iam os benefícios em índices superiores aos reajustes regularmente determinados pelo chamado órgão normativo.
Por fim, seriam as patrocinadoras liberadas da obrigação que lhes era imposta, no caso de reajustes superiores aos índices oficiais, de promoverem o aumento de seu patrimônio líquido resultante de doação, subvenção ou realização do capital necessário à cobertura da reserva correspondente, nas condições estabelecidas pelo órgão normativo (Lei 6.435/77, art. 42, § 3º).
Como se vê, ao contrário do que ocorre em relação à LC 109/01 (art. 20, § 3), a legislação revogada não abria brechas, tais quais “se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições”.
Segundo a Lei 6435/77, uma vez superada a obrigação atinente à reserva de contingência, “havendo sobra [o resultado será destinado] ao reajustamento de benefícios”.
Resumidamente, enquanto, de um lado, a LC 109 afirma que o resultado superavitário poderá implicar na redução de contribuições, a Lei 6.435/77 determina que este será destinado a um fim específico. Ou seja, enquanto a LC 109 “indica apenas uma das formas possíveis” (Parecer 55/2008/SPC/DELEG) os diplomas que lhe antecederam indicam as formas possíveis de revisão de plano de benefícios.
Feita esta comparação entre o panorama legislativo atual e o anterior, é possível afirmar que, àquela época, não havia qualquer possibilidade jurídica deste movimento de retorno de recursos da entidade fechada para seus patrocinadores.
Esta parece ter sido a razão que levou o CGPC a limitar os efeitos de sua norma ao marco temporal já referido.
Na situação apresentada, portanto, configura-se ausência de contribuições no período regularmente adotado, assim como no período excepcional já estabelecido.
Para situações improváveis como esta, há que se invocar o disposto no art. 34[3] da Resolução 26 cumulado com o art. 55[4] da Lei 12.154/2009, segundo os quais está a Previc autorizada a resolver tal omissão, que, como já sinalizado, consiste na definição de um período de verificação diverso dos já existentes.
Noutras palavras, não mais do que aplicar a seguinte releitura ao disposto no art. 33[5] da Resolução: “a SPC fica autorizada a aprovar a adoção de proporção contributiva referente a período de verificação diverso do estabelecido nos arts. 15 e 29 nos casos de superávit ou déficit apurados [após] a data de publicação desta Resolução [na hipótese de não ter havido contribuições posteriores ao limite temporal de 29 de maio de 2001].”
CONCLUSÃO
Como visto, ainda que um plano de benefícios percorra seguidos exercícios sem receber qualquer aporte, tal qual ocorre no caso de planos saldados, pode vir a apresentar um superávit a depender de circunstâncias que escapem ao cenário projetado por ocasião do saldamento.
E esta cessação de contribuições, acaso tenha ocorrido em período anterior à data de 29 de maio de 2001, configura uma situação não prevista na norma de regência, a Resolução CGPC 26/2008.
Nesses casos, onde há omissão regulamentar, a citada resolução atribui ao órgão fiscalizador a tarefa de apresentar uma solução.
Tal solução, tendo em vista uma interpretação sistemática do arcabouço normativo que respalda o processo de reversão de valores, não pode se afastar do critério da proporção contributiva.
Assim, resta apenas a alternativa de desconsiderar o limite temporal fixado em regulamento, definindo-se um novo período de verificação que contemple a efetiva realização de contribuições, de modo a revelar a participação de cada qual dos potenciais beneficiários no resultado superavitário havido.
[1] Disponível em : <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/29_130913-100936-289.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2014.
[2] Art. 42. Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados dos participantes das entidades fechadas, dispositivos que indiquem:
(...)
§ 1º Para efeito de revisão dos valores dos benefícios, deverão as entidades observar as condições que forem estipuladas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, baseadas nos índices de variação do valor nominal atualizado das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN.
§ 2° Admitir-se-á cláusula de correção dos benefícios diversa da de ORTN, baseada em variação coletiva de salários, nas condições estabelecidas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.
§ 3º Faculta-se às patrocinadoras das entidades fechadas a assunção da responsabilidade de encargos adicionais, referentes a benefícios concedidos, resultantes de ajustamentos em bases superiores às previstas nos parágrafos anteriores, mediante o aumento do patrimônio liquido, resultante de doação, subvenção ou realização do capital necessário à cobertura da reserva correspondente, nas condições estabelecidas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.
(...)
[3]Art. 34. Fica a SPC autorizada a editar instruções complementares que se fizerem necessárias à execução do disposto nesta Resolução, assim como resolver os casos omissos.
[4]Art. 55. As competências atribuídas à Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, por meio de ato do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, do Conselho Monetário Nacional e de decretos, ficam automaticamente transferidas para a Previc, ressalvadas as disposições em contrário desta Lei.
[5]Art. 33. SPC fica autorizada a aprovar a adoção de proporção contributiva referente a período de verificação diverso do estabelecido nos arts. 15 e 29 nos casos de superávit ou déficit apurados até a data de publicação desta Resolução.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Leonardo Vasconcellos. Superávit em entidades fechadas de previdência complementar: critérios para sua distribuição no caso de planos saldados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42056/superavit-em-entidades-fechadas-de-previdencia-complementar-criterios-para-sua-distribuicao-no-caso-de-planos-saldados. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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