RESUMO: O presente estudo almeja tecer comentários atinentes ao contrato verbal celebrado com o Poder Público, bem como traçar uma análise do art. 60 da Lei nº 8.666/93, que preceitua ser nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo as exceções que o próprio regramento legal estabelece. Ademais, investigaremos a posição da doutrina e da jurisprudência pátrias. Além disso, comentaremos as implicações legais, ante a celebração do contrato verbal, tais como o direito do particular de ser indenizado pelos serviços prestados ou pelo bem fornecido.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato verbal. Administração. Obrigação de indenizar. Apuração de responsabilidade.
INTRODUÇÃO
Em nosso sistema jurídico, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, é o regramento que estabelece normas gerais atinentes às licitações e contratos administrativos celebrados pelo Poder Público.
O art. 1º da referida lei estabelece que:
Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Ademais, o citado normativo legal estabelece que as obras e serviços em geral, quando contratados com terceiros, serão necessariamente precedidos de licitação pública, aberta a todos os interessados em participar do certame.
Assim é que o parágrafo único do art. 2º da Lei de Licitações estabelece que [...] considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
Neste âmbito, quando celebrado ajuste pelo Poder Público, sem que seja obedecidas as formalidades legais, tal ajuste está necessariamente eivado de nulidade, sujeitando os agentes públicos responsáveis às sanções legais, estabelecidas tanto na Lei nº 8.666/93 como em outros regramentos legais.
Isto porque, conforme preleciona Ronny Charles, em seu “Leis de Licitações Públicas Comentadas” (Ed. Podivm, 3ªEd., p. 323), A legislação cobra especial atenção à necessidade de que os atos contratuais praticados pela Administração sejam devidamente formalizados, esta é uma das formas de se impedir abusos, desvios e prejuízos ao erário, o formalismo permite que a ação praticada pelo gestor seja devidamente fiscalizada a posteriori.
Temos que a formalização dos ajustes celebrados pelo poder público visa a resguardar princípio basilar do direito pátrio, qual seja o princípio da legalidade.
E, neste quadro de ilegalidade, podemos encontrar o contrato verbal celebrado com a Administração.
DO CONTRATO VERBAL CELEBRADO COM O PODER PÚBLICO E SUAS IMPLICAÇÕES LEGAIS
O art. 60 da Lei nº 8.666/93 trata das formalidades legais necessárias para a formalização dos contratos celebrados pela Administração e seu Parágrafo Único dispõe sobre a nulidade dos contratos verbais com o Poder Público, os quais são nulos e de nenhum efeito, salvo o dever de indenizar o terceiro.
Vejamos o teor do referido dispositivo legal da Lei de Licitações e Contratos Administrativos:
Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.
Assim, todo contrato administrativo há que ser celebrado com obediência aos ditames legais, sob pena de ser eivado de nulidade, acarretando vários transtornos tanto ao ente público quanto ao particular participante do ajuste.
Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
Assim, temos que ao celebrar contrato verbal sem o instrumento legal necessário, os agentes públicos que concorrerem para o ato transgridem diversos dispositivos legais, conforme demonstraremos a seguir.
Conforme já citado, acima, o parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666/93 diz ser “nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento”.
Diante de um contrato nulo, o art. 59, parágrafo único da Lei nº 8.666/93, contemplando, no âmbito dos contratos administrativos, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, dispôs que “a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada, e por outros prejuízos regularmente comprovados (...)”.
Assim, na hipótese de contrato nulo, pode-se admitir o pagamento pelo uso de determinado bem ou serviço pela Administração, mas não sob a fundamentação de obrigação contratual, e sim sob o dever moral de indenizar toda obra, serviço ou material recebido e auferido pelo Poder Público, porque o Estado não pode tirar proveito da atividade do particular sem a correspondente contraprestação pecuniária.
Este tem sido o entendimento exarado pelo Tribunal de Contas da União - TCU, em várias de suas decisões, onde se verifica que, embora admita, excepcionalmente, o pagamento de despesas sem cobertura contratual, a fim de evitar o enriquecimento sem causa da Administração, há preocupação com a reiteração da conduta administrativa, bem como é cobrada a responsabilização dos causadores da irregularidade.
Podemos citar como exemplo a decisão proferida pelo seu Plenário sob nº 1.521/2002, na qual determinou ao INSS que evitasse a prática de reconhecimento de dívida, mantendo-se devidamente formalizadas todas as suas relações contratuais.
Ademais, outros julgados da Corte de Contas são bem representativos da controvérsia, como, por exemplo, o citado abaixo:
GRUPO II – CLASSE I – PLENÁRIO
TC 015.335/2006-8
Apensos: TC 004.661/2006-6, TC 013.075/2006-8, TC 013.020/2005-1.
[...]
72. Destarte, restou provado que a assinatura do contrato representou mera formalidade, já que na verdade as partes já haviam celebrado antes um contrato verbal, o que é repudiado pela legislação pátria - que só o admite em situações excepcionais - e combatido por esta Corte de Contas.
“Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço”. (Lei 8.666/93)
“Art. 60. (...). Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento”. (Lei 8.666/93)
“1.9.- abster-se de adquirir bens e serviços sem a formalização do respectivo contrato, de sorte a dar fiel cumprimento ao disposto no § 4º do art. 62 da Lei nº 8.666/93, segundo o qual o instrumento somente é dispensável quando se tratar de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras.” (Acórdão 329/2008 - 2ª Câmara).
“1.5 efetue adequado planejamento de suas contratações, evitando a prestação de serviços e o respectivo pagamento sem cobertura contratual, observando o Parágrafo Único do art. 60 e o art. 62 da Lei nº 8.666/1993.” (Acórdão 378/2008 - 2ª Câmara).(grifei)
Ainda:
ACÓRDÃO Nº 479/2007 – TCU – 2ª CÂMARA
21 – TC – 005.083/2006-5
[..]
Determinação:
21.1. à Prefeitura Municipal de Jaguaribe – CE que:
21.1.1. cumpra o disposto no art. 38, caput, da Lei nº 8.666/93 no sentido de que os procedimentos licitatórios, bem assim aqueles relacionados à dispensa e inexigibilidade, sejam devidamente autuados, protocolados e numerados;
21.1.2. se abstenha de realizar licitação sem a devida autorização para abertura de processo licitatório, em observância ao art. 38 da Lei 8.666/93;
21.1.3. faça constar, em licitações futuras, os comprovantes de entrega de edital;
21.1.4. obedeça fielmente, nos certames licitatórios doravante promovidos, as regras da Lei 8.666/93 e alterações posteriores, especialmente a do art. 21, incisos II e III;
[...]
21.1.7. abstenha-se de efetuar pagamentos de despesas sem a devida cobertura contratual, por caracterizar contrato verbal, procedimento este vedado pelo parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666/93, bem como atente para a necessidade de que sempre seja firmado o instrumento de contrato nas situações estipuladas no art. 62, caput, da Lei nº 8.666/93;
No mesmo sentido, a Orientação Normativa nº 4 da AGU dispõe que a despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento de obrigação de indenizar, sem prejuízo da apuração da responsabilidade de quem lhe deu causa, in verbis:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 4, DE 1º DE ABRIL DE 2009
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00400.015975/2008-95, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
A DESPESA SEM COBERTURA CONTRATUAL DEVERÁ SER OBJETO DE RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR NOS TERMOS DO ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.666, DE 1993, SEM PREJUÍZO DA APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DE QUEM LHE DER CAUSA.
INDEXAÇÃO: INDENIZAÇÃO. DESPESA SEM COBERTURA CONTRATUAL. CONTRATO NULO. CONTRATO VERBAL. RECONHECIMENTO. RESPONSABILIDADE.
Ademais, nossas Cortes têm entendido que, não obstante a nulidade do contrato verbal celebrado com a Administração, esta não pode locupletar-se ilicitamente. Se o serviço foi prestado a contento, necessário se faz indenizar o contratado, sob pena de enriquecimento ilícito do Poder Público. Vejamos a posição do Superior Tribunal de Justiça/STJ, sobre o tema.
AgRg no AREsp 450983 / PE
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2013/0410556-0
Órgão julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBLIDADE DE EXAME DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO VERBAL. SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS À SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO FORMAL NÃO EXIME A ADMINISTRAÇÃO DE EFETUAR O PAGAMENTO DOS SERVIÇOS PRESTADOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DA TELEMAR DESPROVIDO.
1. O ordenamento jurídico em vigor, exige que a contratação de obras, serviços, compras e alienações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e entidades da administração pública indireta, esteja subordinada ao princípio constitucional da obrigatoriedade da licitação pública, no escopo de assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes e a seleção da proposta mais vantajosa.
2. Ocorre que, no caso dos autos, restou fixado no aresto a quo a existência de contrato verbal entre as partes, da mesma maneira que ficou caracterizada a essencialidade dos serviços prestados pela empresa ora Recorrida (serviços de manutenção de linhas telefônicas), os quais, portanto, não poderiam ser paralisados, razão pela qual não poderia a Administração solicitar a sua continuação, entabulando contrato verbal com a empresa, e depois deixar de pagá-los, sob a alegação de ausência de cumprimento de formalidades que estavam a seu cargo, em razão do princípio que veda o enriquecimento sem causa, também aplicável à Administração Pública.
3. O art. 59, parágrafo único, da Lei 8.666/93, prestigiando os princípios da boa-fé objetiva e da vedação do enriquecimento sem causa, expressamente, consigna que a nulidade do contrato
administrativo não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
4. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento consolidado por esta Corte. Precedentes: AgRg no AREsp 275.744/BA,
CONCLUSÃO
Do exposto, podemos concluir que o contrato verbal celebrado com a administração constitui-se em ato nulo, sendo nulas também as suas consequências jurídicas. Ou seja, a referida nulidade gera efeitos ex tunc, não gerando direitos ou obrigações.
Entretanto, sem deixar de constituir uma anulação absoluta, ou transformar o ilegal em legal, podem existir efeitos positivos quanto aos terceiros que agirem de boa-fé, conforme nos ensina Wellington Pacheco Barros, em seu livro intitulado Licitações e Contratos Administrativos (ed. Atlas, p. 171).
BIBLIOGRAFIA
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas, 3ª Ed., revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2010;
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 11 ed. São Paulo: Atlas, 1999;
Barros, Wellington Pacheco. Licitações e Contratos Administrativos – São Paulo: Atlas, 2009.
MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contratação Pública – Curitiba: Zênite, 2012.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm, consulta em 25 de novembro de 2014;
https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201304105560&aplicacao=processos.ea, consulta em 20 de novembro de 2014;
Procuradora Federal/AGU. Especialista em Direito Público - Universidade de Brasília - UNB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Cleide Siqueira. Do contrato verbal celebrado com a Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42057/do-contrato-verbal-celebrado-com-a-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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