Aprovada na sessão realizada em 08 de março de 2013 pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, doravante denominada TNU, e publicada no Diário Oficial da União em 13 de março de 2013, a Súmula nº 72 representa a pacificação, no âmbito dos Juizados Federais, de um tema extremamente controverso na jurisprudência atual.
Antes de adentrarmos ao mérito da questão, não é demais relembrarmos alguns conceitos que, embora básicos, são fundamentais para a presente análise.
Incialmente devemos esclarecer que a TNU é o órgão do Poder Judiciário, presidida pelo Ministro Corregedor-Geral da Justiça Federal e composta por 10 Juízes Federais, responsável pela uniformização da jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais (JEFs).[1]
O Regimento Interno da TNU foi aprovado por meio da Resolução nº 22, de 04 de setembro de 2008, e dispõe, em seu artigo 38, que a jurisprudência firmada pela Turma Nacional de Uniformização será compendiada em Súmulas da Turma.
A importância das Súmulas no âmbito da TNU se mostra ainda mais patente quando analisamos os termos do artigo 40 de seu Regimento Interno, in verbis:
Art. 40. Os enunciados da súmula prevalecem sobre jurisprudência anterior, aplicando-se a casos não definitivamente julgados, e serão revistos na forma estabelecida neste Regimento Interno. (grifo nosso)
Destarte, resta claro que, além de representar a consagração de um determinado tema no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a aprovação de uma nova súmula resulta na aplicação imediata desse entendimento em todas as ações que ainda estão pendentes de julgamento, donde se extrai toda sua relevância como instrumento pacificador.
Feitas tais sucintas considerações, passaremos agora a analisar as questões que envolvem a aplicação da Súmula nº 72 da TNU.
A citada Súmula apresenta a seguinte redação:
É possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou.[2]
Analisando a natureza e os requisitos dos benefícios previdenciários previstos na legislação vigente, podemos afirmar que a súmula em epígrafe nos remete à ideia de recebimento de Aposentadoria por Invalidez e ao Auxílio-Doença.
A aposentadoria por invalidez, definida por Russomanocomo sendo “o benefício decorrente da incapacidade do segurado para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação para o exercício de atividade capaz de lhe assegurar a subsistência[3]”, tem sua previsão legal e seus requisitos elencados na Seção V, Subseção I da Lei 8.213/91[4]. Nesse sentido, vale a pena conferir a redação do art. 42:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Em relação ao auxílio-doença, esse “será devido ao segurado que, após cumprida, quando for o caso, a carência exigida, ficar incapacitado para seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Para os demais segurados inclusive o doméstico, a Previdência paga o benefício desde o inicio da incapacidade e enquanto a mesma perdurar”[5]
Nos termos da Súmula nº 25 da Advocacia-Geral da União:
“Será concedido auxílio-doença ao segurado considerado temporariamente incapaz para o trabalho ou sua atividade habitual, de forma total ou parcial, atendidos os demais requisitos legais, entendendo-se por incapacidade parcial aquela q permita sua reabilitação para outras atividade laborais”
O auxílio-doença está previsto na Seção V, Subseção V da Lei 8.213, in verbis:
Do Auxílio-Doença
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
§ 1º Quando requerido por segurado afastado da atividade por mais de 30 (trinta) dias, o auxílio-doença será devido a contar da data da entrada do requerimento.
§2º REVOGADO
§ 3o Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
§ 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correpondentes ao período referido no § 3º, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias.
Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez.
Art. 63. O segurado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado.
Parágrafo único. A empresa que garantir ao segurado licença remunerada ficará obrigada a pagar-lhe durante o período de auxílio-doença a eventual diferença entre o valor deste e a importância garantida pela licença.
Da atenta leitura das definições expostas acima, podemos concluir que, no aspecto relacionado à incapacidade, a principal diferenciação existente entrea aposentadoria por invalidez e o auxílio-doença é o fato de que na aposentadoria, a incapacidade existente torna o segurado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência.
Noutro turno, a incapacidade geradora de auxílio-doença, embora até mesmo possa ser permanente, não impede que o segurado oportunamente volte ao mercado de trabalho, havendo a possibilidade da continuidade do exercício de suas atividades laborais pré-existentes, superada a incapacidade inicial, ou de reabilitação para outras funções, na hipótese de incapacidade permanente, de forma a adequá-lo às suas novas limitações.
Em que pese tal diferenciação, um ponto é comum aos dois benefícios. Em ambas as hipóteses, para fins de concessão inicial, o segurado deve estar incapaz para o desempenho de suas atividades laborais, não podendo, consequentemente, exercer atividades remuneradas.
É justamente nesse ponto que a Súmula 72 da TNU passa a ter grande destaque, uma vez para aquele órgão, em muitas oportunidades, em virtude de um suposto indeferimento incorreto por parte o INSS, ou até mesmo por inércia, o segurado permanece laborando, ainda que portador de incapacidade, em grave prejuízo a sua saúde.
Na prática dos Juizados, nos deparamos constantemente com situações em que o interessado, ao ter seu pedido de benefício por incapacidade negado em virtude de perícia médica contrária do INSS, é obrigado a manter seu vínculo empregatício, sob pena de sequer ter recursos para sua subsistência e/ou de sua família.
Não restam dúvidas de que estamos diante de uma delicada situação, eis que também não há como se deixar de levar em conta que o fato de o segurado estar laborando, sobretudo quando o faz em uma empresa pertencente a terceiros, representa um forte indício de que talvez o mesmo não se apresente realmente incapaz.
Ademais, por consequência lógica dos benefícios em questão, não há previsão legal para recebimento de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença em conjunto com salário.
Diante de tal quadro, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, ao elaborar a súmula 72, optou por estar ao lado do segurado, deixando de levar em conta a aberração jurídica que estava criando ao permitir a cumulação do recebimento de salário e aposentadoria por invalidez/auxílio-doença.
Em que pese opiniões em contrário, entendemos que o Poder Judiciário não pode ir além do que lhe permite os limites estabelecidos pelo legislador, sob pena de usurpação da competência legislativa e criação de situações totalmente ilegais.
De fato estamos diante de um sensível conflito, no qual atitudes e decisões extremadas das partes envolvidas se mostram inoportunas e em nada colaboram para o deslinde da questão à luz da legislação vigente. Em situações como essa, o que se espera do Poder Judiciário é prudência e sabedoria para interpretar e aplicar a lei e os princípios, de forma a harmonizar as pretensões e, enfim, realizar a tão esperada Justiça.
Nesse aspecto, se mostra oportuno a transcrição de trecho de Acórdão lavrado pelo respeitável Juiz Federal Relator da Colenda 3ª Turma Recursal do JEF da Seção Judiciária de Minas Gerais, Dr. RegivanoFiorindo, nos autos nº 2009.38.11.701343-1, em 02 de julho de 2014, que por sua clareza e didática amolda-se perfeitamente à hipótese:
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA NO PERÍODO DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO SIMULTÂNEO DE SALÁRIO E BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO PROVIDO.
(...) 2. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o exercício de atividade laborativa no período em que constatada a incapacidade não retira do segurado o direito ao benefício previdenciário, conforme súmula n° 72 da TNU. Entretanto, é incompatível com o ordenamento jurídico a percepção cumulativa do benefício por incapacidade com o salário percebido em razão do exercício de atividade laborativa, motivo pelo qual, embora reconhecido o direito da parte autora ao benefício em apreço, devem ser excluídas da condenação as competências em que houve a percepção de valores a título de salário.
3. Sendo assim, dou provimento ao recurso do INSS, para determinar que, do cálculo das parcelas pretéritas do benefício, seja decotado o período em que a autora auferiu remuneração em decorrência do exercício de atividade remunerada (06/12/2010 a 05/03/2011). (...)” (grifo nosso)
Na mesma linha de raciocínio, colacionamos outra decisão proferidapela Colenda 3ª Turma Recursal do JEF da Secção Judiciária de Minas Gerais, nos autos nº 2007.38.11.700954-0, em 08 de abril de 2013 – Relatora Dra. Anna Cristina Rocha Gonçalves, a qual corrobora o entendimento de que é devida a compensação dos valores referentes ao período em que o segurado, considerado incapaz, exerceu atividade laborativa:
“(...)
3. O fato de a parte autora ter tido vínculo empregatício posterior à fixação da incapacidade não significa que estava capaz para o trabalho. Ademais, é notório que muitas pessoas exercem atividades laborais sem condições físicas e psíquicas para tanto, por absoluta necessidade de obter recursos para sua sobrevivência e de sua família. Entretanto, conforme comprovam CNIS de fls. 147/152, a recorrida retornou ao trabalho mantendo vínculo empregatício no período de 01/04/2007 a 30/03/2009. Assim, diante do impedimento legal de pagamento do auxílio-doença ao segurado que se encontra no exercício de atividade laborativa, as parcelas compreendidas nos períodos referidos acima devem ser descontadas do valor final da condenação.
(...)
ACÓRDÃO
Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto da relatora
3ª Turma Recursal – Juizados Especiais Federais
Belo Horizonte (MG), 08 de abril de 2013. (...)” (grifo nosso)
Ante todo o exposto, entendemos que a Súmula 72 deve ser aplicada com parcimônia e de forma integrada aos demais elementos que compõe o ordenamento jurídico, merecendodestaque a posição firmada pela 3ª Turma Recursal do JEF da Seção Judiciária de Minas Gerais.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. DOU de 25.7.1991, republicado 11.4.1996 e republicado em 14.8.1998
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro; João Batista Lazzari – 14.ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário – 15.ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2010
MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social. 2. Ed. São Paulo:Revista dos Tribubais, 1981
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, disponível em www.stj.jus.br, acesso em 27/10/2014.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 27/10/2014.
TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZACAO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, disponível em https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/ , acessado em 30/10/2014.
[1]http://www.cjf.jus.br/cjf/tnu/perguntas-frequentes-2013-tnu
[2]https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/sumula.php?nsul=72
[3] RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social. 2. Ed. São Paulo:Revista dos Tribubais, 1981 p.135
[4]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm
[5] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro; Joao Batista Lazzari – 14. Ed. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.p 655
Procurador Federal, lotado na Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais. Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal no Estado de Rondônia. Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Federal de Rondônia - IFRO.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Gustavo Rosa da. A Súmula 72 da TNU e sua análise à luz da legislação previdenciária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42061/a-sumula-72-da-tnu-e-sua-analise-a-luz-da-legislacao-previdenciaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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