Não é rara a situação de benefício previdenciário cuja concessão posteriormente é considerada ilegal pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por ser tida como decorrente de fraude. Nesses casos, discute-se o direito da Autarquia Previdenciária de proceder à suspensão do seu pagamento sem oportunizar prévia defesa ao segurado, e os meios judiciais de que estes dispõem para defesa de seus interesses.
Sobre o tema, o artigo 53 da Lei nº 9.784/99 dispõe que “a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.
A Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, a seu turno, estabelece que “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
Infere-se, pois, que a anulação de seus próprios atos quando eivados de vícios de legalidade constitui poder-dever da Administração, guardando, ainda, estreita vinculação com o princípio da autotutela administrativa. Nesse sentido, veja-se a lição de Odete Medauar:
“Em virtude desse princípio (autotutela administrativa), a Administração deve zelar pela legalidade de seus atos e condutas e pela adequação dos mesmos ao interesse público. Se a Administração verificar que atos e medidas contêm ilegalidades, poderá anulá-los por si própria; se concluir no sentido da inoportunidade e inconveniência, poderá revogá-los.”[1]
Por outro lado, é importante frisar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Na mesma linha, tem-se o entendimento jurisprudencial, cristalizado na Súmula nº 160 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que estabelece que “a suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário, não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo”.
A jurisprudência do STJ[2] e do STF[3] reafirmam a imprescindibilidade das garantias do contraditório e da ampla defesa em tais hipóteses.
A Lei nº 9.528/97, por sua vez, em consonância com a determinação constitucional e a orientação da jurisprudência, veio regulamentar o procedimento administrativo para a cassação de benefícios, conferindo nova redação ao artigo 69 da Lei nº 8.212/91 e estabelecendo, entre outras disposições, o dever da Administração de notificar previamente o beneficiário para oportunizar a este defesa no prazo de 30 (trinta) dias. Transcrevo o mencionado dispositivo legal:
Art. 69. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
§ 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de trinta dias. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
§ 2º A notificação a que se refere o parágrafo anterior far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário por edital resumido publicado uma vez em jornal de circulação na localidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
§ 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal ou pelo edital, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
§ 4o Para efeito do disposto no caput deste artigo, o Ministério da Previdência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS procederão, no mínimo a cada 5 (cinco) anos, ao recenseamento previdenciário, abrangendo todos os aposentados e pensionistas do regime geral de previdência social. (Incluído pela Lei nº 10.887, de 2004).
A propósito do tema, cabe mencionar ainda o ensinamento dos autores Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, abaixo transcrito:
“Com efeito, a fim de verificar a regularidade dos benefícios concedidos, é imprescindível que o Instituto mantenha programas de revisão a fim de que possam ser plotadas as fraudes cometidas contra a previdência. Em tais casos, entretanto, deverá ser oportunizada a defesa dos beneficiários mediante regular procedimento administrativo.”[4]
Desse modo, a suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário motivada por suspeita de fraude ou ilegalidade, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado, impõe a prévia observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Todavia, caso o INSS, inadvertidamente, proceda à suspensão do pagamento do benefício sem prévia notificação ao interessado, tem este à sua disposição o mandado de segurança, remédio constitucional que visa à proteção de direito líquido e certo violado. Nessa hipótese, é importante atentar ainda para o juízo competente para apreciar e julgar a ação mandamental a ser impetrada.
Nesse tocante, o artigo 109, inciso VIII, da Constituição Federal, fixa a questão da competência nos seguintes termos:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
(...)
VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
(...)”
Já o artigo 2º da Lei nº 12.016/2009, que regulamenta a ação constitucional do mandado de segurança, dispõe o seguinte:
“Art. 2º Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada”.
Da conjugação dos dispositivos acima transcritos infere-se, pois, que a definição do juízo competente (federal ou estadual) para processar e julgar mandado de segurança dá-se em virtude da categoria da autoridade coatora ou de sua sede funcional (“ratione auctoritatis”), e não da natureza do ato impugnado, da matéria ventilada no writ ou da pessoa do impetrante.
Assim, face ao disposto no inciso VIII do artigo 109 da Constituição Federal, tem-se que, quando a autoridade coatora for federal – situação em exame, em que o ato coator é imputado ao Chefe ou Gerente Executivo da respectiva agência da Previdência Social –, o mandado de segurança será de competência da Justiça Federal.
Vale ressaltar que não se aplica, no caso, a exceção prevista na parte final do inciso I do artigo 109 do texto constitucional, por não se tratar de típica ação de acidente de trabalho, mas de mandado de segurança objetivando a anulação de ato administrativo. Tal é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, ilustrado no trecho do aresto abaixo colacionado:
“(...) 4. A competência para o julgamento de mandado de segurança é estabelecida em razão da função ou da categoria funcional da autoridade indicada como coatora (ratione auctoritatis), sendo irrelevante a matéria tratada na impetração, a natureza do ato impugnado ou a pessoa do impetrante. Precedentes. 5. No caso, a autoridade indigitada coatora é o Chefe da Agência da Previdência Social no Município de Serra/ES, autoridade púbica federal vinculada ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS. Tratando-se de autoridade federal, a competência para julgamento do feito é da Justiça Federal de Primeira Instância, ainda que a matéria possa, de algum modo, tangenciar o tema relativo à concessão do benefício de acidente de trabalho. (...)” (CC 111.123/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 10/11/2010, DJe 22/11/2010)
Portanto, é possível concluir que, caso praticado ato indevido de suspensão de benefício previdenciário sem observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, materializado pelo art. 69 da Lei 8.212/1991, a reparação do direito líquido e certo violado pode ser buscada por meio de ação mandamental, a ser impetrada no juízo federal, uma vez que a competência, em tais hipóteses, é determinada pela qualidade da autoridade coatora, que, no caso, é federal.
Referências bibliográficas:
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. 8ª ed. Comentários à lei de benefícios da previdência social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[1] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 135.
[2] REsp 709.516/RJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ 27/06/2005, p. 442.
[3] RE 469657 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 10-08-2012 PUBLIC 13-08-2012
[4] ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. 8ª ed. Comentários à lei de benefícios da previdência social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 412.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEZZOMO, Renato Ismael Ferreira. Questões sobre a suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário por indícios de irregularidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42064/questoes-sobre-a-suspensao-ou-cancelamento-de-beneficio-previdenciario-por-indicios-de-irregularidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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