A Constituição Federal de 1988 resguarda alguns direitos básicos como, v.g., o direito à cidadania, à propriedade, à imagem, à liberdade, à vida, à segurança e tantos outros direitos tido como fundamentais. Dentre esses direitos elencados expressamente no texto constitucional, encontra-se o direito ao sigilo bancário. Há casos EM que este sigilo é quebrado por agentes da Administração Pública, na busca de garantir a plena fiscalização na propriedade bancária dos administrados. Assim, pode-se verificar que o cerne da questão do presente estudo é saber se a exigência da demonstração dos extratos bancários pelo fisco afronta a Constituição Federal.
Inicialmente, não é demais lembrar que o sigilo bancário está consagrado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos X e XII, in verbis:
Art. 5º. (...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Porém, este direito, além de outros, não é absoluto e, neste sentido, interessante julgado do Pleno do STF, através de voto do Min. CELSO DE MELLO:
"Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros." (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-99, DJ de 12-5-00)
Mais precisamente sobre a relativização do sigilo bancário, o ex-Ministro EROS GRAU entende o seguinte:
“O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes.” (AI 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-9-07, DJ de 28-9-07)
Nesse contexto, a Lei Complementar nº. 105/2001, que traz normas gerais sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, elencou as hipóteses em que pode ser autorizado o acesso a elas por parte das autoridades tributárias. Vejamos o seu art. 6º:
Art. 6. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.
Ademais, apenas para argumentar, o próprio texto constitucional, em seu art. 145, § 1º, autoriza a Administração Tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas. Veja-se:
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Acrescenta-se, no entanto, que essas regras constitucionais citadas devem estar de acordo com os direitos individuais consagrados na própria Carta Magna. Acontece que o intérprete deve avaliar essas regras no sentido de que o sigilo bancário só protege o indivíduo contra o perigo da divulgação ao público, afastando, porém, o fisco, pois este jamais poderá transmitir o que lhe foi dado a conhecer, sob pena de responsabilidade (civil, penal e administrativamente).
Ora, o principio da moralidade administrativa, previsto no caput do art. 37, tem como consequência natural a determinação para que a autoridade fiscal atue com extrema imparcialidade. Logo, se o sigilo bancário vazar ou for obtido a sua transferência sem nenhuma necessidade, o agente fiscal poderá responder civil, penal e administrativamente pelo ato.
Na verdade, o que os mencionados dispositivos buscam é fornecer ao fisco instrumentos eficazes para apurar qualquer irregularidade e evitar enriquecimentos ilícitos, sonegações, infrações ou crimes tributários.
Sobre o tema, o Tribunal Regional Federa já decidiu:
MANDADO DE SEGURANÇA. APRESENTAÇÃO DE EXTRATO BANCÁRIO. QUEBRA DE SIGILO PELA RECEITA FEDERAL. 1. Apesar de os sigilos bancário e fisco estarem protegidos no texto constitucional, não são direitos absolutos, pois sofrem mitigação na hipótese de restar evidenciada a preponderância do interesse público sobre o particular. 2. A Lei Complementar 105/2001, em seu artigo 6º, exige a existência de um processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, sendo o fornecimento dos dados considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente, hipótese configurada nos autos. 3. Os direitos fundamentais não podem servir de escudo à prática de atos ilícitos, podendo ser mitigados os direitos à intimidade, à privacidade e ao sigilo de dados em favorecimento à supremacia dos interesses público e social. (TRF 4ª R.; APL-MS 2006.72.01.000159-9; SC; Terceira Turma; Relª Juíza Fed. Vânia Hack de Almeida; Julg. 21/11/2006; DEJF 28/02/2007; Pág. 715) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)
Nesse diapasão, percebe-se que o que interessa para a Administração Tributária é, na verdade, saber o quantum existente nas contas bancárias dos contribuintes, para, ao final, analisar se o que foi declarado está ou não nos moldes com aquele valor encontrado. Dessa forma, para afastar falsas declarações de contribuintes, o agente fiscal poderá se utilizar de instrumentos previstos em lei, no intuito de promover a celeridade e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais, que é exatamente a quebra do sigilo bancário.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já enfrentou o problema, decidindo pela não violação ao sigilo bancário. Veja-se:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SOLICITAÇÃO EXTRATO BANCÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. INOCORRÊNCIA.
1. Inexiste ofensa ao art. 5º, inc. X, da CF/88 porquanto o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem das pessoas.
2. Não há quebra de sigilo bancário quando a autoridade fiscal, através de procedimento fiscalizatório, solicita extratos bancários do contribuinte. Ocorre transferência do sigilo permanecendo a autoridade fiscal obrigada ao sigilo e a manter os dados no mesmo estado anterior. Precedente. (TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Processo: 200104010566355 UF: RS Órgão Julgador: TURMA ESPECIAL; DJ 18/07/2001)
Na mesma linha de pensar, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105/2001 E LEI 10.174/2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.
1. A Lei 9.311/1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas - art. 38 da Lei 4.595/64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021/1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174/01).
2. Também a Lei Complementar 105/2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras" (arts. 5º e 6º). (REsp 643.619/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 06/10/2008)
TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. POSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-COMPROVAÇÃO. SÚMULA N. 83 DO STJ.
1. A teor do art.6º da LC n. 105/01, a autoridade fazendária pode ter acesso às informações bancárias do contribuinte quando houve procedimento administrativo-fiscal em curso, sem o crivo do judiciário.
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" – Súmula n. 83 do STJ..
3. Recurso especial não-conhecido. (REsp 584378/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 16/03/2007 p. 332)
Saliente-se, para concluir, que ao agente fiscal incube utilizar o poder-dever (ou, segundo Celso A. Bandeira de Mello, dever-poder) de investigar, diligenciar, demonstrar e provar a ocorrência do fato jurídico tributário, com base nos documentos, livros e registros de instituições financeiras.
Portanto, com essas considerações, pode-se concluir que a exigência, pela autoridade fiscal, de extratos bancários não viola o direito ao sigilo bancário previsto na Constituição Federal.
Procurador Federal da AGU - Advocacia Geral da União. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Ciências Criminais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Jorge Andersson Vasconcelos. Apontamentos Sobre a Possibilidade da Quebra de Sigilo Bancário pelo Fisco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42081/apontamentos-sobre-a-possibilidade-da-quebra-de-sigilo-bancario-pelo-fisco. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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