Introdução
O Brasil dispõe de um razoável sistema jurídico de proteção ao meio ambiente e à saúde do trabalhador. A evolução normativa nas questões relacionadas à proteção da saúde do trabalhador e prevenção de riscos no meio ambiente laboral é bastante significativa ao logo dos anos. No arcabouço normativo vigente esta questão foi tratada com a devida importância desde a Constituição Federal, o que demonstra a relevância do tema. Em nível infraconstitucional o leque normativo é vasto. A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Decreto-lei n. 5.452/1943, conta com um capítulo exclusivo sobre segurança e medicina do Trabalho, que vem sendo devidamente atualizado, notadamente a partir das alterações promovidas pela Lei n. 6.514, de 22.12.1977. A Lei de Benefícios Previdenciários, Lei 8.213/1991, também trouxe diversos dispositivos tratando do assunto, inclusive com previsão expressa sobre a propositura da ação regressiva acidentária em face do empregador negligente com o cumprimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho. Devem ser destacadas ainda as resoluções normativas e normas regulamentares (NR) expedidas pelos órgãos encarregados da regulamentação e fiscalização da segurança e prevenção de acidentes do trabalho. Não podemos esquecer ainda das resoluções de organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho – OIT, que tiveram a adesão do Brasil.
Todo este aparato normativo ainda não foi suficiente para que o Brasil atingisse nível satisfatório de educação e conscientização dos empresários para a necessidade de maiores investimentos na prevenção e eliminação dos riscos ambientais do trabalho, causadores de danos à saúde do trabalhador.
Desenvolvimento
O Brasil vem ostentando a cada ano preocupantes índices acidentários. Segundo dados da Previdência Social[1], em 2007 foram registrados 653.090 acidentes e doenças do trabalho entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social. Dentre esses registros, contabilizou-se 20.786 doenças relacionadas ao trabalho.
Do total, 580.592 trabalhadores foram afastados das atividades devido à incapacidade temporária (298.896 até 15 dias e 281.696 com tempo de afastamento superior a 15 dias), 8.504 trabalhadores por incapacidade permanente, e o óbito de 2.804 pessoas.
Isto significa um trabalhador morto a cada 3 horas, e ainda 75 acidentes e doenças do trabalho reconhecidos a cada uma hora de jornada diária, motivadas pelo risco decorrente dos fatores relacionados ao ambiente laboral.
Estes eventos provocam enorme impacto social, econômico e sobre a saúde pública no Brasil. No ano de 2008, o custo com o pagamento dos benefícios devido a acidentes e doenças do trabalho, somado ao pagamento das aposentadorias especiais decorrentes das condições ambientais do trabalho, atingiu o montante na ordem de R$ 11,60 bilhões. Quando adicionadas outras despesas, como o custo operacional do INSS mais as despesas na área da saúde e afins, esta cifra salta para R$ 46,40 bilhões.
Os números expressam tudo. Mas muito mais do que os valores pagos, a quantidade de ocorrências, assim como a gravidade geralmente apresentada como conseqüência dos acidentes do trabalho e doenças profissionais, ratificam a necessidade emergencial de construção de políticas públicas e implementação de ações para alterar esse cenário.
As empresas vêm, por várias razões, negligenciando no cumprimento das normas padrão de segurança e higiene no trabalho. Talvez porque conscientes da ineficiência do Estado na fiscalização, bem como no fato de que as multas porventura aplicadas acabam por não serem pagas em decorrência da burocracia na sua cobrança pelos órgãos competentes, preferem assumir os riscos e desviar os recursos que deveriam ser aplicados na segurança e prevenção de acidentes do trabalho para aumentar a produção do seu negócio.
Podem pensar ainda que o mero pagamento da contribuição devida à Previdência Social para o custeio do Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT automaticamente os isentariam de qualquer outro encargo, ainda que decorrente do descumprimento de normas impostas pelo Estado.
A bem da verdade, a grande maioria dos empresários também não tem dado é a devida importância à necessidade de investimento em políticas de segurança do trabalho, priorizando somente o aumento do capital, deixando para segundo plano a adoção de medidas protetivas e profiláticas.
Se de um lado são necessárias campanhas preventivas e educativas, de outro, precisam ser usados adequadamente os instrumentos de tutela de que dispõe o Estado para conscientizar os empresários de que o sucesso de seu negócio passa também pela adoção de medidas de segurança preventiva da ocorrência de acidentes no ambiente de trabalho, eis que as conseqüências destes incidem diretamente sobre as empresas, os trabalhadores e em toda a sociedade que, finalmente, é quem responde pelos custos sociais.
Com o objetivo de dispor de dados mais precisos sobre acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no Brasil, reduzindo a sub-notificação de acidentes e doenças do trabalho decorrente da sonegação pelas empresas da emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS implementou a partir de abril de 2007 um conjunto de medidas visando promover uma mudança no perfil da concessão de benefícios previdenciários e acidentários. A principal delas foi a implementação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, que é a possibilidade de caracterização da natureza acidentária do benefício a ser concedido a partir da anamnese do caso efetuada pela perícia médica do INSS, independentemente da emissão da CAT.
Esta medida tem objetivos preventivos à ocorrência de acidentes do trabalho, uma vez que acarretará efeitos diretos no Fator Acidentário de Prevenção – FAP e, consequentemente, na diminuição ou no aumento do valor da contribuição devida pela empresa para custeio do Seguro de Acidente do Trabalho – SAT.
Noutra linha de atuação, dentro dessa temática conflitante entre a gravidade da estatística acidentária no Brasil e o arcabouço normativo de proteção à saúde do trabalho e ao meio ambiente laboral é que se apresenta a ação regressiva acidentária, um valioso instrumento pedagógico de estímulo e conscientização dos empregadores para a necessidade de destinarem mais recursos à segurança e prevenção de acidentes do trabalho no meio ambiente laboral.
Conclusão
O tema prevenção contra os riscos inerentes às atividades laborativas, bem como a proteção à saúde do trabalhador, ganha a cada dia maior visibilidade no cenário mundial. Foi até instituído o dia 28 de abril como o “Dia Munidal da Segurança e Saúde no Trabalho”.
Apesar do aparato normativo vigente, os alarmentes números de acidentes do trabalho no Brasil fazem com que a sua participação em ações desta natureza seja ainda mais necessária e relevante, e o Brasil está atento a esta realidade, mas para isto, é preciso a participação de todos os envolvidos.
A grande maioria dos acidentes ocorre no ambiente das empresas e são causados por inobservância das normas de segurança e prevenção de acidentes. Daí que, para se atingir os fins almejados é imprescindível a conscientização dos empregadores para a necessidade de investimentos constantes nesta área, reforçando a importância dos conceitos prevencionistas no ambiente laboral.
A atuação do Estado por meio da fiscalização não tem surtido o efeito desejado.
Neste contexto, a ação regressiva, ao mesmo tempo em que propicia o ressarcimento dos cofres da Previdência Social, se mostra como importante instrumento pedagógico de persuasão e desestímulo ao descumprimento, pelas empresas, das normas de segurança e higiene do trabalho.
Isto porque a conscientização dos empresários para a necessidade de investimentos em segurança e prevenção de acidentes somente passará a ser efetiva a partir do momento em que os empregadores negligentes forem responsabilizados pelos custos financeiros dos pagamentos efetuados pela Previdência Social com prestações sociais decorrentes de eventos que poderiam ter sido evitados.
Por outro lado, aqueles empresários que cumprirem corretamente as normas de segurança e prevenção de acidentes se sentirão ainda mais compelidos a investirem recursos com esta finalidade, porque verão afastada a impunidade daqueles que desprezaram o seu dever de observância às normas de segurança e prevenção de acidentes de trabalho, negligenciando com a vida e a integridade física dos trabalhadores, e foram condenados no ressarcimento dos valores despendidos pela Previdência Social.
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Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal em Minas Gerais, órgão da Advocacia-Geral da União - AGU; Pós-graduado em Direito Público, com ênfase em Direito Previdenciário; 10 anos de atuação na área de Direito Previdenciário, na defesa do INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Edmilson Márcio. Ação regressiva - uma análise sob o enfoque da prevenção de acidentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42088/acao-regressiva-uma-analise-sob-o-enfoque-da-prevencao-de-acidentes. Acesso em: 23 dez 2024.
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