Este trabalho nasce de algumas indagações pertinentes à relação entre Direito Tributário e direitos fundamentais, da qual emerge a idéia subjacente e pouco explorada de deveres fundamentais, que permeará senão toda, mas boa parte destas digressões acadêmicas. O estudo está dividido em cinco capítulos. A proposta é percorrer um caminho lógico que vai desde a estrutura estatal até os meios e agentes financiadores das atividades do Estado.
Primeiro, aborda-se o Estado em suas dimensões fiscais: Liberal, Social e Democrático. Percebe-se a prevalência deste como meio conciliatório dos demais. A idéia de fiscalidade democrática estatal abandona a neutralidade reinante no Estado Liberal Clássico e junta à promoção dos direitos fundamentais – Estado Social – a noção de equilíbrio financeiro, pois percebe que os recursos estatais não são ilimitados, mas escassos.
Paralelamente à consolidação do Estado, positivam-se os direitos fundamentais. Entretanto, de nada adianta um Estado caracterizado de Democrático e de Direito e Fiscal, se não lhe forem dados os meios de financiar as atividades com as quais se comprometeu constitucionalmente.
Nesse contexto, emergem os impostos, ou seja, a República Federativa do Brasil não é um Estado Tributário, mas Fiscal, onde as suas finalidades não se materializam mediante a comutatividade, mas pela distributividade. É por intermédio do imposto que o Estado brasileiro, atendendo aos ditames da capacidade contributiva, retira a riqueza de quem a detém e a redistribui, proporcionalmente, por meio das prestações estatais negativas ou positivas, à população desfavorecida economicamente.
Justifica-se, assim, o porquê de tributar. Passa-se do poder de tributar a um dever de solidariedade social a fim de se fundamentar a ação estatal tributária. É o desvendar de um dever fundamental de pagar impostos – dever jurídico constitucional autônomo. Embora implícito, é este o dever que obriga todos os indivíduos, quando da manifestação de riqueza, a contribuírem com parcela de seus recursos para o desenvolvimento do Estado e da sociedade como um todo.
1 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: ESTADO DEMOCRÁTICO (E) DE DIREITO E FISCAL
A República Federativa do Brasil caracteriza-se por ser um Estado Democrático de Direito. Democrático porque se compromete a realizar os valores da socialidade e da solidariedade e de Direito porque submetido ao império da lei, à divisão de funções – legislativa, executiva e judiciária – e à proteção dos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos.
O Estado Democrático de Direito (art. 1°) consiste, basicamente, a persecução de: i) justiça social (arts. 3°, I; 170, caput e 193 da CF/88) que busca redistribuição de renda e igualdade de chances a todos, ou seja, a capacidade existencial, econômica e cultural para viver e trabalhar, num nível razoável; e ii) segurança social, ou seja, a) bem-estar social (arts. 186, VI, e 193 da CF/88), consubstanciado especialmente na proteção existencial, garantida pela prestação de serviços públicos básicos (água, luz, transporte, educação, saúde, etc.) e nos seguros sociais (seguro-desemprego, seguro por invalidez etc.) e b) assistência social (auxílio mínimo existencial e auxílios em catástrofes naturais, a fim de garantir um mínimo de dignidade humana ao cidadão).[1]
O Estado Democrático de Direito, tal qual trazido pela Constituição Federal (CF) em seu art. 1°, não é a mera síntese dos conceitos de Estado Democrático e de Estado de Direito, vai além. É um conceito novo, uma vez que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo.[2]
O certo, contudo, é que a Constituição de 1988 não promete a transição para o socialismo com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.[3]
Entretanto, de nada adiantaria o comprometimento da Constituição Federal para com a sociedade se ela não revelasse mecanismos hábeis de virem a concretizar seus imperativos. Nesse contexto, emerge o que se convencionou denominar de Estado Fiscal – “estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos” [4].
A “estadualidade fiscal” significa assim uma separação fundamental entre estado e economia e a conseqüente sustentação financeira daquele através da sua participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto. Só essa separação permite que o estado e a economia actuem segundo critérios próprios ou autónomos.[5]
A fiscalidade, como atributo do Estado, sugere, de início, que a instituição do tributo esteja única e exclusivamente voltada ao abastecimento do Erário, “sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva”[6].
Historicamente, o surgimento do Estado Fiscal coincide com o do moderno Estado constitucional. Surgiu em oposição ao Estado Patrimonial – Estado absoluto do iluminismo – cujo financiamento se dava fundamentalmente pelas receitas advindas de seu patrimônio, bem como dos rendimentos da atividade industrial e comercial por ele assumida.
“O Estado Fiscal brasileiro se constituiu em 1824, com a separação entre a Fazenda Pública e a do Imperador, com a extinção dos privilégios da nobreza e com a receita baseada nos impostos e nos empréstimos e não mais nos ingressos originários do patrimônio do Príncipe”[7].
A fiscalidade, embora indissociável do Estado de Direito – “O Estado de Direito só existe como Estado Fiscal e desaparecerá quando este desaparecer.”[8] –, não está atrelada unicamente ao modelo de Estado Liberal – Estado formal de Direito. Muito pelo contrário, o Estado Fiscal pode se manifestar sob diversas formas: Estado Liberal Fiscal, Estado Social Fiscal e Estado Democrático – material – Fiscal.
Enquanto o Estado Liberal Fiscal é marcado pela neutralidade econômica e social – Estado mínimo e de tributação limitada –, o Estado Social Fiscal é caracterizado pelo intervencionismo estatal – tributação alargada a fim de satisfazer a estrutura estatal correspondente.
“A idéia democrática não está ausente das teorias liberais. Representa, pelo contrário, um dos seus componentes, que, a princípio comprimido, se vai naturalmente desenvolver, provocando o alargamento do público político”.[9]
A liberalidade estatal entrou em franco declínio no início do século XX, em especial após a 1ª Guerra Mundial. Dentre as tentativas realizadas a fim de substituí-la, a “mais consistente, racional e democrática foi a do Estado Social Fiscal, de índole Keynesiana, que se afirmou paralelamente como vertente financeira do Estado Social de Direito”[10].
Gradativamente, emergiu o que se convencionou denominar de Estado do Bem-Estar Social (welfare state) a fim de superar o individualismo e o abstencionismo do Estado Liberal e repelir as injustiças trazidas pelas liberdades burguesas.
O Estado Social de Direito, também denominado de Estado do Bem-Estar, distingue-se justamente por ter avocado para si a tarefa de realização da justiça social, de tal sorte que, juntamente com os direitos sociais, pode ser considerado ao mesmo tempo produto, complemento, corretivo e limite do Estado Liberal de Direito e dos clássicos direitos de defesa de matriz liberal-burguesa.[11]
“Assim, a base antropológica do Estado do Bem-Estar Social pretende dispor de agentes dotados de uma compreensão coletiva, compartilhada e compromissada de ser-estar no mundo”.[12]
A dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III) como valor supremo a cuja tutela se orienta teleologicamente o sistema jurídico revela uma concepção antropocêntrica do ordenamento, que, no entanto, não se confunde com aquela pressuposta pelo individualismo, segundo a qual a autonomia do sujeito de direito constituiria um espaço de livre atuação demarcado externamente pela fronteira da ordem pública.[13]
A fiscalidade assumiu a função de arrecadação de receitas provenientes dos impostos a fim de que o Estado pudesse efetivar os direitos e garantias individuais, coletivos e sociais.
No Estado Fiscal, as necessidades públicas são eminentemente satisfeitas pelo estado e suas divisões, e não por serviços prestados diretamente pelos próprios cidadãos; os encargos em dinheiro exigidos dos cidadãos para custear as atividades da nota anterior deixam de ser esporádicos (como ocorria no Estado Patrimonial) e passam a ser regulares e estáveis; as novas funções assumidas pelos Estados contemporâneos provocam a necessidade crescente de novos recursos, tornando o imposto uma instituição política fundamental; sendo uma prestação compulsória, o imposto traz em si a marca da soberania do Estado (lembre-se que a legalidade tributária garante o livre consentimento em relação ao imposto pelo voto da maioria e não pela vontade de cada um dos contribuintes); as taxas e outros tributos “causais” ou “contraprestacionais” constituem uma parcela muito pequena das receitas públicas do Estado Fiscal, figurando o imposto como o tributo por excelência, cuja receita é aplicada livremente pelo Estado nos limites da lei orçamentária [...][14]
Entretanto, o Estado Social Fiscal também resultou ineficaz. A tentativa de garantir uma situação de bem-estar geral que permitisse o desenvolvimento da pessoa humana fez com que o Estado do Bem-Estar Social passasse a sofrer contestações, seja devido ao crescimento insuportável da dívida pública, à recessão econômica, ao abuso na concessão de benefícios com o dinheiro público, ao seu assistencialismo sem a correspondente fonte de receitas seja, ainda, pela cobrança exaustiva e progressiva de impostos. “Ou seja, o que se vê é que, de alguma forma, o projeto do Estado Social, quando se constituiu, sofreu por sua incapacidade em construir o protótipo antropológico que lhe compõe o sentido”.[15]
Mais uma vez, nova passagem: do Estado Social Fiscal para o Estado Democrático Fiscal. A Carta Constitucional brasileira traz expressamente o princípio do Estado Democrático de Direito. “O que caracteriza o Estado Democrático de Direito é que concilia o Estado Social, podado em seus aspectos de insensibilidade para a questão financeira, com as novas exigências para a garantia dos direitos fundamentais e sociais”[16].
O Estado Democrático de Direito da Constituição de 1988 (art. 1°), por conseguinte, afirma-se sobretudo na via do orçamento e da reestruturação do sistema tributário, com o controle dos gastos públicos, o redirecionamento das despesas vinculadas às políticas sociais e certa regulação do social e do econômico, configurando-se como Estado Democrático e Social Fiscal.[17]
Do Estado Democrático de Direito permite-se extrair o princípio do Estado Democrático Fiscal, implícito na órbita constitucional. O Estado Democrático Fiscal é um Estado de Impostos. “O que caracteriza fundamentalmente o imposto é que constitui o preço da liberdade, tendo em vista que é pago sem qualquer contraprestação por parte do Estado e afasta o cidadão das obrigações pessoais”[18].
O princípio do Estado Fiscal sinaliza no sentido de que o Estado Democrático de Direito vive de tributos que constituem o preço da liberdade, são cobrados de acordo com os princípios de justiça e de segurança e se distribuem segundo as escolhas orçamentárias fundadas em ponderação de princípios constitucionais.[19]
Há diferença substancial entre o Estado Social Fiscal e o Estado Democrático Fiscal. Enquanto aquele apenas preocupa-se em obter recursos por meio dos impostos e redistribuí-lo à sociedade, este ultrapassa este desiderato, eis que redistribui as receitas auferidas em forma de prestação de serviço público, em estrita observância à Lei Orçamentária a fim de não inchar a máquina administrativa e não onerar demasiadamente a sociedade. A palavra de ordem, inexistente no Estado Social, é equilíbrio, princípio reitor das atividades do Estado Democrático Fiscal.
Apesar de a maioria dos Estados contemporâneos financiar suas atividades por meio dos impostos, essa não é a única espécie de arrecadação possível. Os mesmos objetivos estatais podem ser alcançados através de um Estado Tributário, o qual se assenta não em tributos unilaterais – impostos, mas em tributos bilaterais – taxas e contribuições, por exemplo, reflexo do princípio do benefício. “Ou, numa formulação negativa, a idéia de estado fiscal exclui tanto o estado patrimonial como o rejeita a falsa alternativa de um puro estado tributário”.[20]
Por outras palavras, um estado para respeitar o dualismo essencial estado/economia ou o sistema de economia privada (assente portanto na liberdade individual), não carece de estabelecer o primado e muito menos o exclusivismo dos impostos como contributo do cidadão para as despesas necessárias à realização das tarefas estaduais, podendo estas serem maioritariamente suportadas através de tributos bilaterais (maxime taxas).[21]
A distinção entre Estado Fiscal e Estado Tributário reside na dicotomia clássica entre tributo não contraprestacional e tributo contraprestacional. Ambos são formas de arrecadação financeira pelo Estado. Se o tributo for de natureza contraprestacional, ter-se-á taxa ou contribuição e, respectivamente, um Estado Tributário, se sua natureza não for contraprestacional, ter-se-á imposto e, conseqüentemente, um Estado Fiscal.
A opção por um modelo de Estado – Fiscal – e não por outro – Tributário – por parte dos Estados modernos se deve ao fato de que muitas vezes os custos dos serviços públicos não são passíveis de individualização. Outras vezes, no entanto, embora passíveis de serem individualizados porque atendem as necessidades individuais, não podem, por imperativos constitucionais, no todo ou em parte serem, os serviços públicos, financiados senão por impostos como ocorre, por exemplo, com a saúde (CF, art. 196), a educação (CF, art. 205) e a segurança pública (CF, art. 144).
Assim acontece na generalidade dos actuais estados, que se configuram como estados sociais, em que a realização de um determinado nível de direitos econômicos, sociais e culturais, quer se traduzam em prestações materiais, quer em prestações financeiras a favor dos cidadãos, tem por exclusivo suporte financeiro os impostos.[22]
As contribuições especiais – por exemplo, contribuição sobre o faturamento (COFINS); contribuição sobre o lucro líquido (CSLL) e contribuição sobre a movimentação financeira (CPMF), embora diminutas no contexto dos Estados Democráticos Fiscais, na seara brasileira, ao contrário, ganharam força, “em decorrência da proposta socializante da Constituição de 1988 de transferir para a sociedade como um todo (art. 195) a responsabilidade pelo financiamento da seguridade social”[23].
Nota-se que o Estado, definido como Fiscal, não se despe por completo da feição Tributária. Ambas convivem harmonicamente. O que faz com que um Estado seja Fiscal ou Tributário é a preponderância de uma ou de outra forma de arrecadação de receitas.
A fiscalidade do Estado não faz com que o poder deste, na busca da realização do bem comum, seja absoluto. O poder do Estado de impor e de cobrar os impostos está limitado ao cumprimento daquelas tarefas que, independentemente do tempo e do lugar, indiscutivelmente lhe correspondem.[24]
O funcionamento regular do Estado fiscal depende de que os tributos sejam exigidos em conformidade com princípios materiais tais como o da igualdade, o da capacidade econômica e o da vedação de efeito confiscatório (manutenção das fontes impositivas).[25]
A República Federativa do Brasil é, indubitavelmente, um Estado Fiscal. Não apenas Fiscal, mas Democrático Fiscal. A Carta Maior, reitera-se, não traz a fiscalidade de modo expresso como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Entretanto, permite que os contornos do Estado Fiscal sejam delineados a partir dos princípios e dos valores albergados no sistema constitucional tributário, o qual privilegia os impostos em detrimento das taxas e contribuições, como suporte financeiro de concretização das prestações sociais às quais se obrigou o Estado em face da sociedade.
“O que, atenta a razão de ser do estado, que é a realização da dignidade da pessoa humana, o estado fiscal não pode deixar de se configurar como um instrumento, porventura o instrumento que historicamente se revelou mais adequado à materialização desse desiderato”.[26] “O direito dos impostos tem servido a concretização da idéia de solidariedade social ao longo de toda a evolução do Estado fiscal, muito embora a mesma seja bem mais visível no Estado fiscal social do que no Estado fiscal liberal”.[27]
Neste diapasão, infere-se que a fiscalidade tem por fito a promoção de valores e direitos assegurados constitucionalmente, senão a toda população nacional, à sua grande parcela, a fim de proporcionar aos que não dispõem de recursos financeiros suficientes, direitos fundamentais básicos concretizadores da dignidade almejada. “Na verdade, a simples existência de um Estado fiscal convoca desde logo uma idéia de justiça, que se não contém nos estritos quadros de uma justiça comutativa, como seria a concretizada num Estado financeiramente suportado pelos tributos bilaterais ou taxas”.[28] Logo, O Estado Fiscal é o primeiro passo para a perfectibilização da inclusão social. Caso contrário, um Estado Tributário poderia levar os menos favorecidos, que não dispusessem de recursos financeiros suficientes para obter tais serviços – sistema “pay-per-use” – a ficar à margem da sociedade, revelando-se como um meio legitimado de exclusão social.
2 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais têm sua primeira aparição, numa perspectiva filosófica ou jusnaturalista, entre os estóicos, por meio da exaltação de valores como a dignidade e a igualdade. Posteriormente, o Cristianismo revisitou o conceito de dignidade humana. “Porém, o pensamento humanista da modernidade cristã não é ainda capaz de gerar a ideia de direitos humanos fundamentais no sentido actual”.[29]
Os direitos fundamentais começaram por ser obra do pensamento humano e duram como explicitações, condicionadas em cada época, da autonomia ética do Homem, um valor em que se transcende a História e está para além do direito positivado. Nesta dimensão, os direitos fundamentais <<gozam de anterioridade relativamente ao Estado e à Sociedade: pertencem à ordem moral e cultural donde um e outra tiram a sua justificação e fundamento>>.[30]
Numa perspectiva estadual ou constitucional, os direitos fundamentais têm sua origem nas declarações de direitos, que “são um dos traços mais característicos do Constitucionalismo (...)”[31], o qual assumiu/assume “um papel fundamental, se não para o desenvolvimento, para o asseguramento de parâmetros mínimos de vida social democrática e digna”[32].
Antes das declarações, muitos direitos vinham expressos em forais e em cartas de franquia. Entretanto, tais instrumentos pecavam por restringir seus direitos apenas a determinada parcela ou categoria de homens. Contrariamente, as declarações de direitos vislumbravam estender os direitos e garantias a toda a população, e não apenas a um grupo particularizado da sociedade. Ao dispor deste ideal, saíram-se vitoriosas.
Não se sabe ao certo a quem se deve atribuir a paternidade dos direitos fundamentais. Ora afirma-se que provêm da Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, de 1776, ora da Declaração Francesa, de 1789. Inegável a influência de uma sobre a outra, tanto pela contemporaneidade de suas elaborações, como pela similitude dos direitos fundamentais à condição humana profetizados: liberdade, igualdade e fraternidade, que, numa seqüência histórica, vieram a ser gradativamente institucionalizados[33].
“As declarações dos séculos XVII e XIX apresentam uma indisfarçável hostilidade contra o poder, considerado o inimigo por excelência da liberdade. Em todas elas avulta a mesma preocupação: armar os indivíduos de meios de resistência contra o Estado (...)”.[34]
Essa limitação efectiva do poder alcança-se através da consagração constitucional dos direitos. Os direitos fundamentais tornaram-se assim direitos constitucionais, reunindo, por força dessa sua dignidade formal, as condições para que lhes seja reconhecida relevância jurídica positiva com um valor superior da própria lei parlamentar.[35]
“Reduzindo a esquema a doutrina setecentista, a declaração dos direitos – pois estes deveriam ser solenemente reconhecidos para não serem jamais olvidados – seria a expressão do pacto social; a constituição, o pacto político destinado a assegurá-los”.[36]
A constitucionalização dos direitos fundamentais inaugurou o Estado de Direito, na sua concepção Liberal e formal, que permitiu a eclosão dos direitos fundamentais de primeira dimensão[37] – direitos civis e políticos: direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. “São liberdades sem mais, puras autonomias sem condicionamentos de fim ou de função, responsabilidades privadas num espaço autodeterminado”.[38]
Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.[39]
Enquanto a primeira dimensão dos direitos fundamentais identifica-se com a “categoria do status negativus da classificação de Jellinek”[40], a segunda dimensão caracteriza-se pela atividade comissiva do Estado. O Estado foi chamado a intervir na vida social e a Administração deixou de sustentar apenas a condição de esquadra de polícia e de repartidora de finanças.[41] “Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”.[42]
Enquanto o modelo liberal incorporava uma idéia de soberania como poder incontrastável, próprio a uma sociedade de “indivíduos livres e iguais” para os quais importava apenas o papel de garantidor da paz social atribuído ao Estado, o modelo de welfare state adjudica a idéia de uma comunidade solidária onde ao poder público cabe a tarefa de produzir a incorporação dos grupos sociais aos benefícios da sociedade contemporânea. [43]
A liberdade individual, desprovida de igualdade, restou ineficaz perante o Estado Liberal. O homem, ao ser afirmado como sujeito de direitos, livre da ingerência estatal e guiado, tão-somente, pela mão do mercado, foi abalroado pelas desigualdades. Houve, a título ilustrativo, a divisão da sociedade entre fracos e fortes, entre ricos e pobres, e entre desenvolvidos e subdesenvolvidos. Seria impossível reverter esse quadro sem a intervenção do Estado, que se posicionou ativamente a fim de reequilibrar os direitos e deveres do homem na busca da realização do bem comum.
(...) desaparece o caráter assistencial, caritativa da prestação de serviços e estes passam a ser vistos como direitos próprios da cidadania, inerentes ao pressuposto da dignidade da pessoa humana, constituindo, assim, um patrimônio do cidadão, aqui, ainda, tido como aquele que adquire tal característica em razão de sua relação de pertinência a uma determinada comunidade estatal aos moldes tradicionais do Estado.[44]
Os direitos fundamentais de segunda dimensão, denominados, diminutamente, de direitos sociais “nasceram abarcados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e os estimula”[45].
O certo é que os direitos fundamentais sociais a prestações, diversamente dos direitos de defesa, objetivam assegurar, mediante a compensação das desigualdades sociais, o exercício de uma liberdade e igualdade real e efetiva, que pressupõem um comportamento ativo do Estado, já que a igualdade material não se oferece simplesmente por si mesma, devendo ser devidamente implementada.[46]
Além das prestações de cunho positivo – direitos econômicos, sociais e culturais –, a esfera dos direitos fundamentais de segunda dimensão é composta também pelas denominadas liberdades sociais, traduzidas pela liberdade de sindicalização, pelo direito de greve, pelos direitos dos trabalhadores, dentre outros.
No Brasil, os direitos a prestações sociais, apesar de já terem se manifestado na Constituição de 1824, apenas ganharam força na Constituição Federal de 1934, influenciado pelo movimento constitucionalista social, difundido pelo México (1917) e pela Alemanha (1919).
O reconhecimento desta nova dimensão dos direitos fundamentais foi responsável pelo reposicionamento do homem na sociedade. A sua dignidade ganha complemento: a igualdade, que o coloca no centro das atenções e evita que os seus direitos fundamentais, tal qual positivados, sejam objeto de distorções. Migrou-se da individualidade – do indivíduo considerado sujeito de direitos isoladamente – para a coletividade – a consideração do indivíduo inserido em uma determinada sociedade.
O homem que constitui o ponto de partida e o titular dos direitos é agora o homem socialmente <<situado>> e <<inserido>>, o membro da sociedade numa linguagem organicista, que vê os seus direitos talhados a uma medida e num plano sociais.[47]
Esta nova perspectiva do homem está calcada no reconhecimento de algumas características comuns aos direitos sociais e que lhes conferem unidade: “a intervenção do Estado, a promoção de prestações públicas e o caráter finalístico ligado ao cumprimento de sua função social”[48].
Positivados os direitos fundamentais sociais, emergiu a problemática da sua eficácia, restrita pela Teoria da Reserva do Possível, “que, compreendida em sentido amplo, abrange tanto a possibilidade, quanto o poder de disposição por parte do destinatário da norma”[49].
“A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende naturalmente dos recursos públicos disponíveis; (...)”[50], além da possibilidade jurídica de disposição, “já que o Estado (assim como o destinatário em geral) também deve ter a capacidade jurídica, em outras palavras, o poder de dispor, sem o qual de nada lhe adiantam os recursos existentes”[51]. “Não são apenas direitos limitados ou limitáveis por uma função social: são, em si, direitos sob reserva de possibilidade social”.[52]
Consideração relevante deve ser tecida a respeito dos direitos fundamentais a prestações sociais. Sob uma nova perspectiva, aponta-se para o fato de que os titulares dos direitos a prestações – materiais – sociais não precisam ser todos os cidadãos, “mas todos os que precisam, na medida em que precisam”[53]. Poder-se-ia dizer que “as prestações positivas para o apoio aos direitos sociais não são obrigatórias, posto que derivam da idéia de justiça”[54].
Os direitos a prestações sociais, enquanto direitos fundamentais, tendem, assim, tal como os direitos de determinadas categorias sociais abertas (jovens, idosos, mulheres, mães, deficientes), a constituir discriminações positivas e cada vez menos podem ser concebidos como puros direitos universais de igualdade. [55]
José Eduardo Faria esclarece: “os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios”[56]. Seja qual for o princípio vetor dos direitos fundamentais de segunda dimensão: igualdade ou desigualdade, pouco importa. A questão que se coloca é apenas de diferença entre os pontos de vista, pois não acarreta mudanças substanciais.
“A prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável”[57].
Consagra-se, assim, a Reserva do Possível sob, no mínimo, uma tríplice dimensão: uma, a efetiva disponibilidade fática dos recursos; duas, a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, intimamente relacionada com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas; três, a proporcionalidade da prestação quanto à sua exigibilidade.[58]
Uma vez consagrados os direitos fundamentais relativos à liberdade e à igualdade – formal e material –, o indivíduo não estava de todo protegido. A primeira e a segunda dimensão dos direitos fundamentais voltavam-se à proteção do indivíduo no âmbito interno, nas suas micro-relações facilmente identificadas. Inicialmente, eram apenas invocáveis frente ao Estado – eficácia vertical. Depois, foi exigida a sua observância nas relações travadas entre particulares.
Ocorre que, os efeitos dos avanços tecnológicos e científicos ultrapassaram o indivíduo e alcançaram toda a humanidade. Fez-se necessário alargar a esfera dos direitos fundamentais a fim de proteger os direitos de titularidade difusa ou coletiva – despersonificados ou transpessoais – direitos de reconhecível titularidade, porém de difícil, senão impossível individuação.
Inspirados pelo ideal revolucionário da fraternidade, os direitos fundamentais de terceira dimensão “são, ao mesmo tempo, bens comunitários que respeitam a todos – e aliás, não só a todos os vivos, mas ainda aos elementos das gerações futuras, na medida em que esteja em causa a sobrevivência da sociedade”[59].
Os direitos fundamentais de terceira dimensão “não são basicamente direitos de defesa, nem direitos de participação, nem de prestação, principalmente dirigidos ao Estado, mas formam um complexo de todos eles. São <<direitos circulares>> (...)”[60].
(...) desenvolve-se um novo tipo de direitos, os direitos de solidariedade, que não podem ser pensados exclusivamente na relação entre o indivíduo e o Estado e que incluem uma dimensão essencial de deverosidade – como, por exemplo, os direitos-deveres de protecção da natureza e de defesa do sistema ecológico e do patrimônio cultural e, em alguns aspectos, os direitos dos consumidores.[61]
A secessão do mundo entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas fez com que se repensasse o conceito de sociedade, especialmente aquela das últimas décadas do século XX. De acordo com os diferentes pontos de vista, a sociedade pode ser definida como “sociedade de comunicação” ou “sociedade global” – conforme a relação entre as pessoas; “sociedade de risco” – conforme os sociólogos –, na medida em que a sociedade corre riscos ecológicos e genéticos; como um Estado falido externa e internamente – devido à globalização e à mundialização; e à forma de organização do poder e à incapacidade estatal de atender as necessidades públicas, respectivamente – sob o ponto de vista político; “sociedade consumista” – conforme o viés econômico; ou, ainda, sociedade pós-moderna – conforme a perspectiva cultural.
Ao se repensar o conceito de sociedade, abriu-se espaço à consolidação, ainda incipiente, dos “direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social”[62], representados pelo direito à democracia, à informação e ao pluralismo.
Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração. (...) Daqui se pode, assim, partir para a asserção de que os direitos da segunda, da terceira e da quarta gerações não se interpretam, concretizam-se.[63]
Conforme as necessidades básicas surgiram/surgem, os direitos fundamentais foram/são, gradativamente, reconhecidos e positivados, atuação sempre pautada pela preservação dos direitos já conquistados.
não há como falar de uma dicotomia ou de um dualismo absoluto entre os direitos de defesa e os direitos sociais prestacionais em nosso ordenamento constitucional, no sentido de um antagonismo irreconciliável entre eles, já que ambos compartilham a mesma dignidade como direitos fundamentais, assumindo caráter nitidamente complementar, e não excludente, de acordo com a unanimidade da doutrina.[64]
Antes de se dar por encerrado este capítulo, não porque exauriu o objetivo ao qual se propôs, mas porque o delineou, deve-se analisar, ainda que rapidamente, para melhor compreensão didática, a respeito da eficácia dos direitos fundamentais. A doutrina, quanto ao tema, divide-se.
De um lado, posicionam-se os defensores da eficácia plena apenas dos direitos fundamentais de primeira dimensão, pois basta serem positivados pelo legislador para poderem ser invocados frente ao Estado ou aos particulares. Portanto, não requerem ingerência estatal. “Sintetizando, podemos afirmar que, em se tratando de direitos de defesa, a lei não se revela absolutamente indispensável à fruição do direito”.[65] Explica-se:
(...) os direitos de defesa costumam ser considerados como previstos em normas de eficácia plena, ao passo que, na esfera dos direitos a prestações, se apresentam problemas comuns que levam a doutrina e a jurisprudência a encará-los, no mais das vezes, como contidos em normas de eficácia limitada.[66]
Em posição oposta, há os que repudiam a idéia de restringir a eficácia imediata aos direitos relativos à primeira dimensão tão-somente. Afirmam, calcados na Constituição Federal, art. 5°, § 1°, que não há norma ineficaz na órbita constitucional, “na medida em que toda e qualquer norma da Constituição sempre é capaz de gerar algum tipo de efeito jurídico”[67].
Esse dispositivo serve para salientar o caráter preceptivo e não programático dessas normas, deixando claro que os Direitos Fundamentais podem ser imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficiência de lei. O seu conteúdo não precisa ser necessariamente concretizado por uma lei; (...)[68]
“(...) a inclusão dos direitos fundamentais em um ou outro grupo se baseia no critério da predominância do elemento defensivo ou prestacional, já que os direitos de defesa podem, por vezes, assumir uma dimensão prestacional, e vice-versa”.[69] Logo, independe a dimensão na qual se inserem: todos os direitos fundamentais possuem eficácia jurídica – “possibilidade de aplicação da norma aos casos concretos, com a conseqüente geração dos efeitos jurídicos que lhe são inerentes”[70] –, o que nem sempre se identifica com eficácia social, que está atrelada ao conceito de efetividade – “real obediência e aplicação no plano dos fatos”[71].
Essas breves dissertações acerca do constitucionalismo, da fiscalidade estatal, bem sobre o reconhecimento dos direitos fundamentais e de sua eficácia, revelam-se de extrema importância, pois, há uma correlação entre elas. Entretanto, pouco ou nada adiantaria a consolidação desses institutos jurídicos se não se lançasse mão da sua fonte financiadora. Aqui aparece o tributo, em especial, os impostos, como forma de garantir a eficácia dos direitos fundamentais e meio de inclusão social.
3 O CUSTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: OS IMPOSTOS
Abordados os tipos de Estado Fiscal: Liberal, Social e Democrático, bem como a preferência constitucional – implícita – por este em detrimento dos demais, e percorridas as dimensões dos direitos fundamentais e a eficácia destes, revela-se imprescindível abordar quais são os direitos fundamentais, senão todos, que exigem recursos financeiros para que sejam socialmente eficazes. Delimitados tais direitos, emerge a necessidade de se perquirir a sua fonte financiadora a fim de fazer face aos seus custos. Sobressaem, neste contexto, especialmente, os impostos.
3.1 O CUSTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Para grande parcela da doutrina, prevalece a clássica distinção entre os direitos fundamentais de primeira dimensão – de defesa – e os de segunda e os de terceira dimensão – prestacionais – como critério delimitador do custo dos direitos fundamentais. Aqueles, ao contrário destes, “podem, em princípio, ser considerados destituídos desta dimensão econômica, na medida em que o objeto de sua proteção como direitos subjetivos (...) pode ser assegurado juridicamente, independentemente das circunstâncias econômicas”[72].
Obviamente, a efetividade social dos direitos negativos é por demais simples, exige apenas que o Estado não faça, não reprima, não censure. Nada fazer, no comum das vezes, não reclama custos, não reclama aparato. Já a efetividade dos direitos positivos, ao seu turno, demanda a existência de um aparato estatal de prestação, incluindo estrutura física, logística e pessoal, a gerar gastos que devem ser cobertos.[73] (sem grifo no original).
“Positivo e negativo aqui são expressões empregadas para qualificar a obrigação (ou o dever) correlata ao direito em questão, sobre saber se se trata de uma prestação facere ou non facere, in casu, a cargo do Estado, que via de regra ocupa o pólo passivo da relação jurídica que tem como objeto um direito fundamental”.[74]
A tese esposada por Holmes e por Sunstein[75], por sua vez, ao se debruçar “sobre a relação existente entre o custo de implementação de um direito e a sua significação social”[76], considera irrelevante a dicotomia entre direitos de defesa e direitos a prestações para fins de averiguação do custo dos direitos fundamentais. Parte do pressuposto de que “todos os direitos são também positivos”[77], ou seja, requerem condutas comissivas por parte do Estado. Para esta doutrina, não há como se afirmar que apenas os direitos a prestações materiais requerem dispêndio financeiro pelo Estado. Explica-se:
também os ditos direitos de liberdade – primeira geração – implicam, a partir de sua necessária e intrínseca conexão com os ditos direitos prestacionais, demandar uma concretização positiva das condições necessárias e suficientes para a sua ampla usufruição. (...) para que as liberdades se exercitem não é suficiente o não-impedimento de sua prática, mas se faz presente a imperiosidade de sua promoção através da construção das condições infra-estruturais. [78]
No âmbito nacional, a tese acima referida é difundida pela obra de Flávio Galdino, que sugere cinco modelos teóricos a fim de demonstrar a relação direitos fundamentais positivos/negativos versus o custo desses direitos. Estas fases evolutivas são a seguir enunciadas: da indiferença; do reconhecimento; da utopia; da verificação da limitação dos recursos; e da superação dos modelos anteriores.[79]
Enquanto o modelo teórico da indiferença volta-se às liberdades negativas, de orientação liberal e de cunho individualista, o segundo modelo, por sua vez, reconhece a existência de direitos que demandam prestação positiva por parte do Estado. Reconhecer os direitos fundamentais sociais e o Estado do bem-estar social não significa, contrariamente ao que se costuma afirmar, “reconhecer que a “positividade” igualmente só surge neste mesmo momento histórico”[80]. Além de ser de reconhecimento, este é o momento em que se estabelecem as diferenças entre prestações negativas e positivas, conforme haja ou não a necessidade de uma atuação estatal positiva.
Do reconhecimento à utopia. Neste modelo teórico – utópico –, as prestações públicas não são confrontadas com o orçamento fiscal. Acredita-se não haver limites às prestações ao qual o Estado está socialmente vinculado. Não há espaço para a distinção entre prestações estatais positivas e negativas, pois os recursos orçamentários são tidos como inesgotáveis. “Os custos financeiros são vistos aqui como absolutamente externos ao conceito do direito, de tal sorte que o reconhecimento dos direitos subjetivos fundamentais precede e independe de qualquer análise relacionada às possibilidades reais de sua concretização”.[81]
Na fase utópica, a questão que se coloca diante do operador jurídico é se uma norma prevê ou não um determinado direito e, em caso afirmativo, em qual extensão. “A solução alvitrada pelo aludido operador não ultrapassa o plano normativo, o que conduz, muitas vezes, à elaboração de “soluções” injustas ou incondizentes com a realidade concreta”.[82]
O modelo teórico da utopia não ficou imune às críticas. Seus opositores colocaram em dúvida a sua eficácia, “em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos”[83].
Os direitos de segunda dimensão, apesar de ter passado por este período de duvidosa juridicidade, revelaram-se dotados de eficácia igual à dos de primeira dimensão graças ao preceito trazido pela Constituição Federal de 1988, art. 5°, § 1° – “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
“Com efeito, até então em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador”.[84]
Consolidada a eficácia de todos os direitos fundamentais, era inviável, senão impossível, atender a todas as demandas sociais. Ganha novamente relevância a distinção entre direitos fundamentais negativos e positivos. Faz-se necessário equilibrar as despesas – prestações públicas – e as receitas – impostos.
O operador jurídico, ainda sem conseguir incluir de todo a realidade em seu espectro de considerações, passa a ter em conta ao menos as impossibilidades materiais das prestações públicas, ainda que os direitos a tais prestações estejam expressamente previstos no texto constitucional e, nesta qualidade, sejam objeto de reconhecimento em sede jurisdicional.[85]
No modelo teórico da verificação da limitação dos recursos “os custos dos direitos assumem feição meramente limitativa (negativa)”.[86] Para esta teoria, os direitos de defesa, tipicamente negativos, não requerem dispêndio financeiro por parte do Estado, bem como estão alheios às limitações da Teoria da Reserva do Possível. Neste contexto, a preocupação estatal deve voltar-se tão somente aos direitos sociais, eis que oneram os cofres públicos.
Sintetizando, podemos afirmar que, em se tratando de direitos de defesa, a lei não se revela absolutamente indispensável à fruição do direito. (...) inexiste qualquer razão para não fazer prevalecer o postulado contido no art. 5°, § 1°, da Constituição, já que não se aplicam a estas hipóteses (dos direitos de defesa) os argumentos usualmente esgrimidos contra a aplicabilidade imediata dos direitos sociais, especialmente os da ausência de recursos (limite da reserva do possível) (...).[87]
Esta distinção entre prestação positiva/negativa a fim de se averiguar o custo dos direitos fundamentais parece tornar-se inútil quando se depara com o caráter dúplice de alguns direitos fundamentais de primeira dimensão, tidos por liberdades negativas. Tais liberdades, muitas vezes, para serem fruídas, requerem uma prestação do Estado a fim de que as proteja da intervenção alheia, o que, invariavelmente, também gera despesa.
Um dos exemplos citados pela doutrina é o direito de propriedade. Apesar de ser um direito fundamental que, à primeira vista, não requeira uma prestação estatal positiva, revela-se ele, ao fim, também como um direito prestacional. Explica-se. O direito de propriedade, além de exigir a não-intervenção do Estado, requer que o Estado lhe assegure, “no mínimo através da edição de um sistema de regras protetivas positivadas”[88], que não haverá ingerência por parte de outrem, seja ele o Estado ou o particular.
Alcança-se esta percepção a partir da diferenciação, dentro do gênero “direitos negativos”, entre direitos de defesa e direitos de proteção. Aqueles “seriam puramente negativos, demandando tão-somente o absenteísmo estatal”[89], enquanto que estes “permitiriam ao respectivo titular exigir determinada prestação, notadamente no sentido de exigir do Estado proteção em face de ingerências de terceiros”[90].
Entretanto, o reconhecimento da escassez dos recursos, apesar de ter dado um passo à frente dos demais modelos teóricos, peca por visualizar a existência de direitos fundamentais totalmente independentes de qualquer prestação do Estado – direitos de defesa –, bem como pelo fato de reconhecer que alguns direitos – de proteção – requerem atuação estatal específica, porém apenas no campo normativo. Após detalhada análise, a conclusão não inova: o modelo teórico da verificação da limitação dos recursos é aplicável apenas aos direitos a prestações materiais sociais, únicos que requerem despesa pelo Estado.
O quinto modelo teórico sugerido por Galdino identifica-se com a tese esposada por Holmes e Sunstein. Prega a superação dos modelos anteriores ao reconhecer que todas as prestações públicas são positivas ou ativas e demandam despesa por parte do Estado.
Bolzan de Morais também partilha desta teoria: “para que as liberdades se exercitem não é suficiente o não-impedimento de sua prática, mas se faz presente a imperiosidade de sua promoção através da construção das condições infra-estruturais”.[91] Ricardo Lobo Torres define que, além do status negativus, os direitos de liberdade “também possuem em certa medida o status positivus”[92].
(...) Os direitos fundamentais, em suma, são garantidos pelos serviços públicos e por isso mesmo lhes constituem o fundamento. Se o Estado por qualquer, por qualquer motivo, deixar de entregar tais prestações positivas, permitindo que pereçam direitos fundamentais ou a propriedade do cidadão, torna-se civilmente responsável pelos prejuízos causados.[93]
Ou seja, “omitir-se, para o Estado, também custa dinheiro”[94]. “Demonstrado que o direito possui um custo, a opção pela sua efetivação independe de sua caracterização como individual ou social”.[95]
Embora desborde o desiderato ao qual se propôs o presente estudo, faz-se necessário abordar, ainda que sumariamente, que o reconhecimento de que todos os direitos têm um custo, além de rechaçar as divisões estanques entre direitos negativos e positivos, faz com que, além dos direitos sociais, também os direitos individuais, entrem na esfera de escolha do administrador público. Pode acontecer, muitas vezes, que no momento da alocação de recursos, seja preterido um direito individual em favor de um direito social.
A máxima de que todos os direitos implicam um custo, além de permitir melhor escolha na alocação de recursos, geralmente insuficientes, também enaltece a contribuição dada pela sociedade na forma de tributos, especialmente por meio de impostos. Não apenas os direitos sociais são custeados pela sociedade, mas também os direitos civis e políticos, o que reafirma a dimensão socializante dos impostos.
Poder-se-ia perguntar se há e qual é a contribuição trazida pelo reconhecimento de que todos os direitos têm um custo. A resposta poder ser resumida em uma única palavra: responsabilidade, pois “a falsa idéia de que alguns direitos nada custam, ou são gratuitos, gera irresponsabilidade”. Na seara tributária, a gratuidade com que são vistos determinados direitos faz com que a sociedade se esquive de suas obrigações tributárias, pois mantém a crença – falsa – de que apenas contribui para a concretização dos direitos sociais.
A partir da afirmação de que todos os direitos geram despesas, a sociedade sente-se, assim, maior compromissada com o seu mister constitucional: o pagamento de impostos, eis que visualiza a alocação de sua contribuição tanto para a implementação das políticas públicas quanto para a garantia de não intervenção alheia na sua esfera de liberdade.
A consciência de que os direitos custam implica ipso facto a conscientização de que as pessoas somente possuem direitos na medida em que um Estado responsavelmente recolha recursos junto aos cidadãos responsáveis para custeá-los, mostrando ser incorreta a tese atomista de que os direitos inculcam a irresponsabilidade para com os deveres sociais.[96]
Importante observação a ser tecida refere-se à necessidade de haver a superação da idéia dos custos como óbices à efetivação dos direitos fundamentais. “Aconselha-se a mudança de perspectiva, passando-se a trabalhar com os recursos econômicos como pressupostos, que tornam possível a realização dos direitos”.[97] Galdino ressalta a natureza biface do custo dos direitos fundamentais. Pode ser visto como óbice ou como pressuposto de concretização de tais direitos. [98] A segunda opção revela-se mais ajustada aos propósitos deste trabalho.
Casalta Nabais, por sua vez, diferencia três tipos de custos em sentido amplo que suportam os atuais Estados: custos relacionados à existência e sobrevivência do Estado, materializados no dever de defesa da pátria; custos do funcionamento democrático do Estado como, por exemplo, o dever de votar seja em representantes, seja em questões submetidas a referendo; e, por fim, custos em sentido estrito ou custos financeiros públicos concretizados no dever de pagar impostos.[99] Sobre este custo, especialmente, se debruçam as notas a seguir.
3.2 OS IMPOSTOS
Desse modo, se não há direito fundamental desprovido de eficácia e se todos os direitos fundamentais “possuem uma dimensão positiva”[100], é inegável que todos os direitos fundamentais têm um custo. “Ao se extraírem pretensões positivas dos direitos fundamentais, sua realização passa a demandar emprego de meios financeiros”[101], ou seja, não é por meio do vácuo orçamentário que os direitos, em especial os fundamentais, são implementados.
É verdade que sem a economia privada e, consequentemente, os direitos dos particulares não podem existir nem mesmo os tributos, mas também é verdade o contrário: os tributos são a condição da existência da propriedade, ou melhor, “sem tributos a propriedade não existe”. Se estas premissas são aceitas, então todos aqueles que têm direitos, e todos são titulares de direitos – são obrigados à solidariedade e à solidariedade fiscal.[102]
O financiamento dos direitos fundamentais deve ser suportado por todos em virtude de que as receitas originárias – “aquelas que o Estado obtém através da exploração de seu próprio patrimônio ou da prestação de serviços”[103] – auferidas pelo Estado são incapazes de financiá-los.
“Na realidade estatal contemporânea, as receitas públicas são, por excelência, as receitas tributárias”[104], ou seja, as receitas derivadas, “como o próprio nome indica, derivam do poder de império do Estado, e são, em sua essência, decorrentes da cobrança de tributos”[105]. Logo, a sociedade, por meio da tributação, é chamada a financiar os direitos fundamentais, o que se dá, por excelência, por meio dos impostos, que lhe são cobrados pelo Estado e redistribuídos à população conforme as suas necessidades básicas.
“Então, há que esclarecer o que são impostos e como esta figura se distingue das que conceitualmente lhe são próximas e lhe andam associadas. Isto é, há que detectar o conceito de imposto relevante para a elucidação da configuração constitucional de um tal dever”.[106]
Em comum com as demais espécies tributárias, o imposto tem a definição do art. 3° do Código Tributário Nacional, que estabelece que não é sanção pela prática de ato ilícito. “Se há um ponto em que a doutrina está unanimemente de acordo, é o de afastar do conceito de imposto quaisquer manifestações do ius puniendi, ou seja, a finalidade sancionatória principal (...)”.[107]
Diferentemente das demais espécies tributárias, o imposto não é comutativo. É distributivo, ou seja, seu pagamento não está condicionado a uma retribuição estatal específica. Não há troca, nem permuta de prestações. Para que sejam feitas tais diferenciações, faz-se necessário analisar o aspecto material da sua hipótese de incidência.[108]
A definição de imposto deve ser buscada no art. 16 do Código Tributário Nacional: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente (sem grifo no original) de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. A Constituição Federal, por sua vez, não define o que seja imposto, apenas o baliza conforme a capacidade contributiva do contribuinte no § 1° de seu art. 145.
“Em se tratando de imposto, a situação prevista em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária não se vincula a nenhuma atividade específica do Estado relativa ao contribuinte”.[109] Reitera-se que uma de suas características principais é ser uma espécie tributária não causal, isto é, não corresponde a uma atividade estatal específica.[110]
Com efeito, debalde procuraremos na hipótese de incidência dos impostos uma participação do Estado dirigida ao contribuinte. [...] A formulação lingüística o denuncia e a base de cálculo o comprova. É da índole do imposto, no nosso direito positivo, a inexistência de participação do Estado, desenvolvendo atuosidade atinente ao administrado.[111]
As taxas, por sua vez, são regidas pelo princípio da proporcionalidade, “no sentido de que seu montante há-de determinar-se essencialmente com base no valor da vantagem ou benefício proporcionado (princípio da equivalência) ou dos custos ocasionados (princípio da cobertura dos custos)”[112].
Ocorre que, seu custo, muitas vezes, ultrapassa o valor individual do serviço que é prestado. Entretanto, isto não lhe confere a pecha de inconstitucional. As taxas podem expressar, conjunta ou isoladamente, tanto o custo do serviço individualmente utilizado de maneira efetiva ou potencial, como o custo da manutenção do aparelhamento estatal.
Além de o imposto não ser contraprestação a uma atividade do Estado, também não pode ter sua receita vinculada a órgão, fundo ou despesa, conforme preceitua a regra geral da CF, art. 167, inciso IV. A exceção refere-se a percentuais fixos destinados constitucionalmente à saúde, à educação e à erradicação da pobreza.
Delineados os contornos do imposto e suas diferenças frente às taxas, destacam-se as finalidades de que pode se revestir o imposto: fiscal ou extrafiscal. Neste ensaio, relevante é a finalidade fiscal do imposto, “uma vez que ele não constitui um fim em si mesmo, antes é um meio, um instrumento de realização das tarefas (finais) do estado”.[113] “[...] através dos impostos, poderem ser prosseguidos, directa e autonomamente, as tarefas constitucionalmente imputadas ao estado, sejam de ordenação econômica, sejam de conformação social”.[114]
José Casalta Nabais ressalta três elementos em que o conceito de imposto se decompõe analiticamente: 1) o imposto é exigido de quem detém capacidade contributiva; 2) o imposto é estabelecido e exigido a favor de entidades que desempenham função pública; 3) a finalidade do imposto não se limita à finalidade fiscal. Sobre o terceiro elemento, as palavras a seguir se debruçam.
Em relação à finalidade constitucional do imposto, a doutrina refere que ele possui um papel instrumental, justamente para nele integrar os fins extrafiscais.[115] A partir das transformações do Estado Fiscal, houve, paralelamente, a transformação do conceito de imposto. Antes, era tido como meio de obtenção de receitas a fim de custear exclusivamente as tarefas do Estado: “a defesa, a justiça e os serviços públicos insusceptíveis de propiciar lucro”[116].
Para satisfazer estas exigências, o imposto devia ter as seguintes características: ser mínimo, geral, proporcional e exclusivamente fiscal, de modo a causar o menor sacrifício aos cidadãos e a manter a sua posição relativa na economia, ou seja, na sociedade. Só impostos com essa configuração respeitariam a ordem natural (racional e justa) e seriam assim considerados legítimos.[117]
O fim unicamente fiscal do imposto foi rechaçado tanto pelo conceito político-social, como pela a idéia de imposto como meio de revolução social. Aquele, baseado no socialismo de Estado de Wagner e este, na teoria de Marx. A construção teórica “wagneriana” é elaborada com o objetivo de reconstruir o conceito de imposto, de modo a fazer com que o Estado se volte às necessidades da sociedade.
“O imposto, para além (ou mesmo independentemente) da sua função fiscal, devia assumir uma função político-social dirigida à correcção da repartição dos rendimentos e do patrimônio resultante dos mecanismos de mercado operando em livre concorrência”.[118]
No modelo teórico de Wagner, ambos os objetivos – fiscal e extrafiscal – estão no mesmo patamar. Não há mais um plano principal ao qual pertence o fim fiscal e um secundário no qual se situa o fim extrafiscal.
“E significava também, para além disso, que um imposto que prescindisse totalmente da finalidade fiscal, erigindo em objetivo único a finalidade político-social, não perdia, por esse facto, o seu caráter de imposto”[119].
A concepção de Wagner não foi aceita inicialmente. Emerge, gradativamente, o que se denomina de meio-termo entre o conceito liberal clássico e o político-social de imposto: é o conceito liberal, porém com moderações. Passa-se a admitir a finalidade extrafiscal do imposto, desde que esteja situada num plano secundário em relação ao objetivo fiscal.
O grande avanço deu-se a partir da Segunda Guerra Mundial, momento em que se fixaram constitucionalmente os direitos sociais prestacionais. Desde então, o Estado trouxe para si um maior número de tarefas e, conseqüentemente, um aumento do número de impostos. “De outro lado, verifica-se uma alteração qualitativa traduzida no facto de, através dos impostos, poderem ser prosseguidos, directa e autonomamente, as tarefas constitucionalmente imputadas ao estado, sejam de ordenação econômica, sejam de conformação social”.[120]
Somente a partir da década de sessenta, a doutrina e a jurisprudência reconheceram a possibilidade da finalidade extrafiscal como objetivo principal do imposto. “Para que se trate de um imposto basta a esta alta instância que o tributo tenha, ao menos como efeito secundário, a obtenção de receitas”.[121]
Nabais critica o imposto com fins destinados primordialmente a objetivos extrafiscais, pois “já não terá por fundamento a capacidade contributiva dos indivíduos e empresas, proporcionada pelo funcionamento da economia privada, mas sim a sua adequação ou adaptabilidade ao programa económico ou social, em relação ao qual foi instrumentalizado”.[122]
Num Estado Democrático Fiscal, o imposto não pode transmutar-se de exceção à regra. “O imposto não pode ser transformado em instrumento normal de intervenção económico-social: ele será sempre um instrumento por via de regra financeiro, um instrumento que assim se presume orientado por um objectivo principalmente fiscal”.
“O tributo, na forma do imposto, torna-se o instrumento para realizar a justiça que opera por meio de uma redistribuição dos rendimentos”.[123] “Garantir um direito significa, de fato, distribuir recursos”.[124] O imposto revela-se como “instrumento jurídico de abastecimento dos cofres públicos”[125] e, conseqüentemente, como meio de efetivação dos direitos fundamentais – “constatação de que mesmo os direitos fundamentais a prestações são inequivocamente autênticos direitos fundamentais”[126], a fim de permitir que se atenda a parcela da sociedade desfavorecida economicamente, uma vez que “Los grandes desafios de la democracia vienem de los marginados y de los excluídos...”[127].
O que significa que os actuais impostos são um preço: o preço que todos, enquanto integrantes de uma dada comunidade organizada em estado (moderno), pagamos por termos a sociedade que temos. Ou seja, por dispormos de uma sociedade assente na liberdade, de um lado, e num mínimo de solidariedade de outro.[128]
Para melhor compreensão, cabem algumas digressões históricas. No contexto da Constituição Federal de 1967, o eixo era a disciplina da separação das funções estatais. Para tanto, a tributação era vista meio de obtenção de recursos para financiar o Estado. A disciplina constitucional tributária tratava das limitações ao poder de tributar.
Para a Constituição Federal de 1988, o foco “não é mais o “Estado” (aparato), mas a sociedade civil. A CF/88 passa a assumir o papel de definir a tessitura fundamental do convívio social que deve ser assegurada por esse instrumento (aparato público)”.[129]
“[...] a tributação deixa de ser mero instrumento de geração de recursos para o Estado, para se transformar em instrumento que – embora tenha este objetivo mediato – deve estar em sintonia com os demais objetivos constitucionais que, por serem fundamentais, definem o padrão a ser atendido”.[130]
A perspectiva da Carta de 1988 faz com que a tributação passe a ser um poder juridicizado, o qual deve ser exercido em conformidade com os objetivos que a própria sociedade elevou à dignidade constitucional.[131] Abandona-se a teoria liberal das finanças neutras, “pela qual a imposição deve deixar inalteradas as posições econômicas dos contribuintes e pode ser justificada apenas pela remoção das causas de ineficiência do funcionamento do mercado”. Adota-se a funcionalidade das finanças, que abarca a função isonômica e redistributiva, tal qual expresso nos incisos do art. 3° da Constituição Federal.
Em suma, o uso do instrumento tributário no sentido extrafiscal, não é apenas constitucionalmente legítimo, antes se tornou um dever constitucional, pelo que o legislador, no exercício do seu poder impositivo, não só pode como deve prosseguir as finalidades de carácter económico, social e político, utilizando para esse efeito os impostos e as normas fiscais. [132]
Nestes termos, a extrafiscalidade dos impostos, além de admissível, é constitucionalmente exigida num Estado Democrático Fiscal como meio de materialização das políticas públicas e meio de inclusão social. A extrafiscalidade pode se manifestar tanto quando há a imposição da obrigação tributária – impostos –, quando há a isenção ou a imunidade, “sem que o propósito gerado seja a grandeza da arrecadação gerada pela exação tributária”[133].
(...) nem sempre tem sentido “tirar” com a cobrança para depois redistribuir, se os destinatários são aproximadamente as mesmas pessoas de quem se tirou; em outros termos, torna-se conveniente deixar com eles os recursos necessários e algo a mais, absolutamente não tributá-los. Um tipo de imposto negativo, que se traduz em equidade, mas também em eficiência.[134]
“O que tem por importante conseqüência a extrafiscalidade assumir caráter excepcional, apresentando-se assim como excepção à regra da natureza fiscal os impostos e das normas jurídicas que os disciplinam”.[135]
No Estado Democrático Fiscal, vale a classificação das normas de Direito Fiscal em dois grupos: um, as que têm objetivos fiscais, sujeitas à Constituição Fiscal e aos princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva; dois, as com fins extrafiscais, que são submissas à Constituição econômica geral ou Constituição do intervencionismo econômico-social e pelo respeito imediato dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.[136]
“Isso significa – a partir de uma perspectiva do Estado Social – que não podemos ver a tributação apenas como técnica arrecadatória ou de proteção ao patrimônio; devemos vê-la também da perspectiva da viabilização da dimensão social do ser humano”.[137]
4 DO PODER DE TRIBUTAR AO DEVER DE SOLIDARIEDADE
Durante largo espaço de tempo, compreendeu-se o poder de tributar como imposição de um dever pelo Estado aos indivíduos. Sintetizava-se na idéia de “transferência de dinheiro das pessoas privadas, submetidas ao poder do estado, para os cofres públicos”.[138] Sustentava-se que o Estado possuía o poder de retirar da esfera privada qualquer manifestação de riqueza ou rendimento, sob qualquer ou nenhum argumento.[139] O poder estatal exteriorizava-se mediante a coação tributária sobre os indivíduos.
Desse modo, o poder de tributar foi explicado sob diferentes óticas. Num primeiro momento, baseou-se o poder de tributar na noção de soberania – e não de relação jurídica – do Estado frente aos indivíduos. “(...) o poder tributário, como a generalidade dos poderes públicos, era totalmente alheio à ideia de juridicidade”.[140] A sociedade não dispunha de alternativa senão entregar aos cofres públicos parcela de sua riqueza. Era uma transferência compulsória, baseada numa relação de poder. Neste período, Estado e indivíduo estavam nitidamente separados na busca do bem comum.
Em oposição ao pensamento conceitual, surgiu o pensamento normativista a fim de explicar o porquê da tributação. O poder tributário era visto como decorrência do sistema jurídico, consubstanciado no exercício da competência tributária. A relação tributária transformou-se em relação jurídica, nascida da ocorrência do fato previsto na hipótese de incidência e cuja conseqüência consubstanciava-se na obrigação de os indivíduos entregarem parcela dos seus recursos ao Estado.
“A razão da fonte normativa reside no respeito ao princípio da legalidade, um princípio constitucional que fundamenta o poder de imposição na vontade democraticamente expressa pelo povo, único titular da soberania”.[141]
Diante da explicação insatisfatória dada ao poder de tributar pelas teorias conceitual e normativa, emergiu o pensamento sistemático.
Nessa concepção a relação tributária é vista como mais do que mera relação de poder ou “normativa pura”. É uma relação dirigida à regulação da cidadania, de seu conteúdo e alcance em uma sociedade. A relação tributária trata essencialmente do núcleo do pacto social, ou seja, da contribuição cidadã à manutenção de uma esfera pública e privada de liberdade e igualdade.[142]
Ou seja, não tem mais sentido falar-se em supremacia da Administração perante o contribuinte, nem mesmo em coatividade apenas porque o tributo decorre da lei.[143]
Nas sociedades complexas como as atuais, o consenso constitui a base da legalidade, com a obediência às normas sustentada na aceitação de certos valores gerais e não simplesmente na coerção. Esse consenso em relação a um mínimo ético fundamenta a convivência social e compõe o substrato da consciência coletiva, proporcionando uma identidade comum e um certo sentimento de interdependência e cooperação (solidariedade social) (...).[144]
As idéias trazidas acima contribuem a fim de se perquirir os fundamentos que legitimaram ou legitimam a tributação e que contribuem para uma aversão da sociedade ao pagamento dos impostos, pois foi sempre tido como algo coercitivo e indiscutível, e não como meio de realização dos valores sociais. “É um fato cultural, histórico, desconfiar do Estado e ver a arrecadação dos impostos como “subtração”, ao invés de contribuição a um Erário comum.”[145]
Hoje, estabelecem-se fundamentos diferentes do mero poder coercitivo do Estado ou da possibilidade de intervenção na esfera econômica a fim de explicar o poder de tributar. Primeiro, “o poder de criar impostos é um poder constitucional, já que a sua titularidade há-de resultar da constituição (...)”.[146] Ou seja, “tem necessariamente por fundamento jurídico a constituição, em cujo conteúdo normal se integra a fixação dos centros de um tal poder e o quadro de princípios materiais em que o mesmo pode ser exercido”.[147] Segundo, é indisponível, pois não pode ter a sua titularidade nem transferida nem alienada. Terceiro e, por fim, é permanente porque apenas se extingue com a extinção de quem detém a sua titularidade.
Entretanto, tal definição se revela insuficiente se não se considerar que o poder de tributar é um modo de realização positiva de políticas públicas em prol da afirmação da dignidade humana, da liberdade e da igualdade. Estas idéias estão consubstanciadas expressamente no inciso I do art. 3° da Constituição da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Devido ao fato de o Estado brasileiro ser um Estado Fiscal, e não um Estado Tributário, decorre, desde logo, uma “plataforma mínima de solidariedade social”.[148] “O tema da solidariedade é fundamental porque leva a perguntar porque se pagam tributos, porque deve existir uma lealdade fiscal”.[149]
Dentre os objetivos trazidos pela Carta política, destaca-se a solidariedade ou, mais especificamente, o dever de solidariedade – genérica – que permeia todo o ordenamento jurídico constitucional e irradia os seus efeitos sobre todo o sistema jurídico, em especial, sobre o direito tributário. “El punto de partida de la solidaridad es el reconocimiento de la realidad del outro y la consideración de sus problemas como no ajenos, sino susceptibles de resolución com intervencióin de los poderes públicos y de los demás”.[150]
Contrariamente ao que o sistema de fiscalidade estatal poderia levar a crer, “a idéia de solidariedade social tem sido servida pelo direito dos impostos ao longo de todo o Estado fiscal e não apenas com o advento do Estado fiscal social”[151]. Entretanto, foi nos limites do Estado Social Fiscal que a idéia de solidariedade social assentou-se.
Num tal tipo de Estado fiscal, a solidariedade social não é apenas uma espécie de efeito externo decorrente automaticamente do caráter fiscal do estado, antes se assume como um objetivo a prosseguir pelo Estado e a prosseguir também pela via do direito dos impostos.[152]
“A solidariedade, portanto, não pode ser considerada apenas como um corretivo que opera em caráter residual para balancear os desequilíbrios produzidos pelas regras do mercado, como se afirmava nas concepções econômicas e liberais do passado”.[153]
Aquí, se trata de considerarla como um valor superior que fundamenta a los derechos, como hemos visto com la libertad y com la seguridad, y que, al final de su recorrido, forma parte del Derecho positivo, aunque arranque de la moralidad y se assuma por uma concepción política que, por médio del poder, la incorpora al Ordenamiento jurídico.[154]
“Como corolário da solidariedade, no campo fiscal, surgiu a reconstrução do dever tributário como um dever de concorrer para a própria subsistência do Estado e não como uma prestação correspectiva-comutativa diante da distribuição de vantagens específicas para o obrigado”.[155]
Observa-se que, entre os Antigos – Aristóteles, Cícero e Sêneca –, sob diferentes matizes, a noção de solidariedade se manifestava. “El primero la identifica com, y pone el acento sobre, la amistad y el efecto de unidad”.[156] Para os segundos, a solidariedade se confunde com “ideas como las de comunicación, amor y unión entre los hombres, humanidad cosmopolita, ayuda mutua y asociación, compañerismo de amistad, hermandad, etc.(...) y también com um reconocimiento del outro como tal”[157].
Para os Modernos, a solidariedade afirma-se como “la idea de uma función promocional del poder y del Derecho. (...) Se propugma, pues, uma acción positiva de los poderes públicos y se descalifica la simple ación represora, si no va acompañada de la promocional par ayudar a los pobres y a los desempleados.”[158]
À medida que a solidariedade se afirma, assume, progressivamente, alguns contornos. Ora manifesta-se como mutualista, ora como altruísta. Aquela se manifesta no Estado Social, mediante a divisão dos meios de produção e a conseqüente distribuição de riqueza. Esta, por sua vez, apresenta a ação solidária “como uma dádiva, segundo uma regra de gratuitamente, isto é, sem esperar qualquer contrapartida da parte dos beneficiários da atividade solidária”[159].
Dentro da solidariedade altruísta, à qual, hoje, são feitos os apelos, destaca-se a solidariedade vertical – solidariedade pelos direitos ou solidariedade paterna – e a horizontal – solidariedade pelos deveres ou solidariedade fraterna.
A solidariedade vertical consubstancia-se no fato de que o “Estado na sua configuração de Estado social não pode deixar de garantir a cada um dos membros da sua comunidade um adequado nível de realização dos direitos à saúde, à educação, à habitação, à segurança social, etc”[160].
Em contrapartida, a horizontalidade da ação social expressa os “deveres fundamentais ou constitucionais que o Estado, enquanto seu destinatário direto, não pode deixar de concretizar legislativamente e, de outro lado, os deveres de solidariedade que cabem à comunidade social ou sociedade civil”[161]. “Se não se admite que a solidariedade esteja na base do dever tributário há o risco que ele se traduza em obrigações meramente formais”.[162] Longe está isso de significar que a as prestações materiais sociais estão a migrar do Estado para a sociedade civil, apenas expressa que a solidariedade é complementar às ações estatais.
“Atualmente, para o Direito, as principais funções do valor solidariedade são: a de servir de fundamento e de critério de interpretação dos direitos humanos; promover cooperação social; fundamentar tanto os deveres jurídicos positivos como os direitos difusos e coletivos”.[163]
Da mesma forma que a igualdade, a solidariedade é um princípio vazio, pois não traz conteúdos materiais específicos, podendo ser visualizado ao mesmo tempo como valor ético e jurídico, absolutamente abstrato, e como princípio positivado nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral ou um dever jurídico. Mas, em virtude da correspectividade entre deveres e direitos, informa e vincula a liberdade, a justiça e a igualdade. Sendo conceito extremamente complexo, porque vazio, a solidariedade encontra adequada fundamentação através do estudo sobre a cidadania.[164]
Diferentemente da solidariedade, que apenas se consolida efetivamente com os Modernos, a cidadania têm sua origem há mais tempo. Possui três elementos a fim de delimitar seu conceito: 1) titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) pertença a uma determinada comunidade, normalmente ao Estado; 3) possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade por meio da participação.[165]
Da união da solidariedade à cidadania, tem-se o que se denomina de cidadania solidária. A cidadania, primeiro, afirma-se como passiva no seio do Estado Liberal clássico. Após, como ativa, nos moldes do Estado Democrático de Direito. Por fim, revela-se como ““cidadania responsavelmente solidária”, em que o cidadão assume um novo papel, tomando consciência de que o seu protagonismo ativo na vida pública já se não basta com o controle do exercício dos poderes”[166].
A partir da aliança – solidariedade-cidadania –, legitima-se, hoje, o poder de tributar, não mais como mera imposição, mas como meio de implementação das políticas públicas. “A relação tributária trata, essencialmente, do núcleo do pacto social, ou seja, da contribuição cidadão à manutenção de uma esfera pública e privada de liberdade e igualdade”.[167] Orienta-se, desse modo, o poder de tributar pelo postulado maior da dignidade da pessoa humana, como meio de concretização efetiva das políticas de inclusão social.
Em suma, “a idéia de solidariedade tem especial relevância para os deveres fundamentais, que compõem a cidadania”[168]. A idéia é singela: a partir do momento em que o Estado tributa manifestações de riqueza dos mais abastados para depois redistribuí-la a quem não detém os recursos suficientes a fim de manter uma vida digna, não está apenas baseado no seu poder soberano, de império e coercitivo, mas está fundado em valores maiores que antes apenas lastreavam o campo da moral para fazerem emergir, atualmente, novos fundamentos ao direito, em especial, ao tributário. “Pode-se acrescentar que um valor de solidariedade e obrigatoriedade fiscais só nasce quando o valor coletivo supera o valor individual, personalista, egoísta”.[169]
“Pois bem, a dimensão solidária da cidadania implica o empenhamento simultaneamente estadual e social de permanente inclusão de todos os membros na respectiva comunidade de modo a todos partilharem um mesmo denominador comum (...).”[170]
5 O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS
Analisado o Estado brasileiro – Democrático de Direito e Fiscal, bem como o meio de financiamento de suas políticas públicas – os impostos – e a idéia hoje reinante da solidariedade social a fim de legitimar seu poder de tributar, faz-se necessário, num segundo momento, observar o outro lado da relação jurídica: o contribuinte. Neste momento, deve-se averiguar porque o contribuinte arca com os ônus estatais: há um dever fundamental de pagar impostos expresso na Constituição Federal de 1988?; Em caso negativo, como se fundamenta o dever de pagar impostos?; Há uma única categoria de deveres fundamentais?; Os deveres fundamentais são correlatos aos direitos fundamentais? A seguir, tenta-se encontrar respostas plausíveis a tais questionamentos.
Inicialmente, cumpre abordar alguns aspectos históricos relativos aos deveres. Surgidos no domínio religioso e ético, somente na Idade Moderna, migraram para o Direito. Assim como desenvolveram a noção de solidariedade, os estóicos são responsáveis pelo reconhecimento dos deveres, eis que desenvolveram a concepção antropocêntrica. Erigem o homem em “titular (único titular, de resto), não só dos direitos fundamentais, que são inerentes a sua dignidade, mas também dos deveres que a existência e o funcionamento da comunidade (organizada em estado) necessariamente implicam”[171].
Entretanto, o tema dos deveres fundamentais, por um largo espaço de tempo, foi pouco ou nada abordado. Em virtude do próprio significado originário de Estado de Direito e da tensão entre poder e direito[172], privilegiou-se, na quase totalidade dos estatutos constitucionais que emergiram durante o século XX, a afirmação e proteção dos direitos e liberdades fundamentais. “Com efeito, nem as declarações americanas, nem as declarações francesas de direitos, contêm ou deram origem a declarações de deveres”.[173] Fato este explicável em virtude do passado recente “dominado por deveres, ou melhor, por deveres sem direitos”.[174]
Preocuparam-se de uma maneira dominante, ou mesmo praticamente exclusiva, com os direitos fundamentais ou com os limites ao(s) poder(es) em que estes se traduzem, deixando por conseguinte, ao menos aparentemente, na sombra os deveres fundamentais, esquecendo assim a responsabilidade comunitária que faz dos indivíduos seres simultaneamente livres e responsáveis, ou seja, pessoas.[175]
“Tratava-se tão-somente, nesses tempos de antanho, de priorizar a liberdade (individual) sobre a responsabilidade (comunitária)”.[176]
Aparentemente, enquanto houve abundância de recursos, a sociedade não se ressentiu profundamente destas insuficiências. Entretanto, na medida em que a capacidade de financiamento público estatal se reduzia, a coesão social parece ter perdido forças em seu caráter de grupo, passando a produzir-se uma disputa iníqua pela apropriação do que restava de pressupostos públicos. [177]
“A concepção dos direitos fundamentais como poderes individuais contra o Estado não seria, de facto, suficiente nem adequada para exprimir juridicamente as relações entre os cidadãos e os poderes públicos: àqueles não caberiam apenas direitos nem a estes meros deveres”.[178] Emergiu a necessidade de se reconhecer os deveres fundamentais como “categoria jurídica constitucional própria. Uma categoria que, apesar de própria, integra o domínio ou a matéria dos direitos fundamentais, na medida em que este domínio ou esta matéria polariza todo o estatuto (activo e passivo, os direitos e os deveres do indivíduo)”.[179] Apesar de independentes dos direitos fundamentais, gravitam em torno destes. Isto é, “traduz a mobilização do homem e do cidadão para a realização dos objectivos do bem comum”[180].
[...] a instituição ou não de deveres fundamentais repousa, em larguíssima medida, na soberania do estado enquanto comunidade organizada, soberania que não pode, todavia, fazer tábua rasa da dignidade humana, ou seja, da idéia da pessoa humana como princípio e fim de sociedade e do estado [...][181]
Os deveres fundamentais são facilmente confundidos com certas figuras que lhes são próximas, tais como os deveres constitucionais orgânicos ou organizatórios; os limites (imanentes ou restrições) legislativas aos direitos fundamentais; os deveres correlativos aos direitos fundamentais, que são a face passiva dos direitos fundamentais; as garantias institucionais; e as tarefas constitucionais stricto sensu, que possuem como destinatário exclusivo o Estado.[182] Entretanto, com elas não se misturam.
O dever fundamental de pagar impostos é autônomo em relação aos direitos fundamentais, contrariamente aos deveres fundamentais associados a direitos. Pertence aos “deveres imediatamente decorrentes da própria idéia de Estado como comunidade política e que não podem, por isso, deixar de ser considerados fundamentais, independentemente de sua consagração expressa com esse nome”.[183]
Os deveres fundamentais, independente da categoria a qual pertençam – autônomos ou associados a direitos –, não são aplicáveis se não expressos constitucionalmente, diferentemente dos direitos fundamentais. Estes apenas são reconhecidos pelo legislador constituinte, aqueles, ao invés, devem ser criados a fim de que possam ser cobrados.
o facto de o reconhecimento e consagração constitucional dos deveres ter por função, não apenas estabelecer o seu fundamento jurídico, mas também limitar as intervenções dos poderes públicos (ou outros) na esfera jurídica dos indivíduos, assim se valorizando os aspectos garantísticos da constituição: é que, um tal reconhecimento e consagração específicos acabam por evitar que funcione uma cláusula geral de deverosidade social que, de outro modo, poderia muito bem ser chamada a actuar.[184]
Sob uma perspectiva histórica, os deveres fundamentais podem ser divididos conforme o seu conteúdo: cívico-político; e econômico, social e cultural. Aqueles, deveres clássicos, comprometidos com a existência e o funcionamento do Estado Moderno, estes, modernos, adquiridos pelo Estado Social e relacionados ao empenho de cada cidadão na promoção ou fomento de determinada sociedade.
Interessante questão levantada por Casalta Nabais postula se há a necessidade de que cada dever fundamental deve ter um específico suporte constitucional, ou não, se é suficiente uma cláusula geral capaz de suporta tanto os deveres constitucionais quanto os extraconstitucionais. A Constituição Federal brasileira de 1988, apesar de não trazer expresso o dever fundamental de pagar impostos, permite que ele seja deduzido, porque implícito, do sistema, eis que quando trata dos direitos e garantias fundamentais, traz em seu capitulo I “dos direitos e deveres individuais e coletivos”. Uma vez reconhecidos os direitos dos contribuintes, consubstanciados no capítulo constitucional destinado ao Sistema Tributário, como direitos fundamentais e, portanto, como cláusulas pétreas, inegável que reconhecido também deveres fundamentais tributários, em especial, o de pagar impostos, decorrente da cidadania social.
Rechaça-se o dever de pagar impostos calcado na idéia de deverosidade fiscal, porém se permite que ele esteja implícito nos princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil.
Frente ao exposto, não se põe em xeque que a todos está designado um dever de pagar impostos na medida da sua capacidade contributiva individual, reflexo imediato da noção de cidadania social.
Uma cidadania que, embora de um lado, implique que todos suportem o Estado, ou seja, que todos tenham a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar impostos na medida da sua capacidade contributiva, de outro, impõe que tenhamos um Estado fiscal suportável, isto é, um Estado cujo sistema fiscal se encontre balizado por estritos limites jurídico-constitucionais.[185]
Ou seja, “o dever de pagar tributos surge com a própria noção moderna de cidadania e é coextensivo à idéia de Estado de Direito. Tributo é dever fundamental estabelecido pela Constituição (...) é correspectivo à liberdade e aos direitos fundamentais”.[186]
Trata-se assim de deveres jurídicos e não da soma dos pressupostos éticos da vigência da própria constituição ou de meros deveres morais, o que naturalmente não impede que, para além de deveres jurídico-constitucionais, eles continuem a ser o que, por via de regra, já era, antes da sua integração no direito (e portanto na constituição), deveres morais.[187]
O dever fundamental de pagar impostos não é apenas o modo de se efetivar os direitos sociais prestacionais, mas também de garantir a incolumidade das denominadas liberdades negativas – direitos civis e políticos.
Noutros termos, o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado.[188]
O imposto, como dever fundamental constitucional, atribui a todos os cidadãos fiscalmente capazes o dever de contribuir para a realização dos deveres estatais, ou seja, “a nenhum membro da comunidade pode ser permitido exclui-se de contribuir para o suporte financeiro da mesma, incumbindo, por conseguinte, ao Estado obrigar todos a cumprir o referido dever”[189].
Por isso, a tributação não constitui, em si mesma, um objectivo (isto é, um objectivo originário ou primário) do estado, mas sim o meio que possibilita a este cumprir os seus objectivos (originários ou primários), actualmente consubstanciados em tarefas do estado de direito e tarefas de estado social, ou seja, em tarefas do estado de direito social.[190]
CONCLUSÃO
Realizada esta breve exposição, é possível visualizar-se, nitidamente, a via que é percorrida a fim de se legitimar a tributação. É do Estado Democrático e de Direito, com seus fundamentos, objetivos e princípios, bem como dos deveres sociais com os quais se compromete, que emerge a noção de Estado Fiscal. Ou seja, não poderia o Estado ter como seu tributo por excelência as taxas em detrimento dos impostos, uma vez que aquelas são regidas pelo sistema usa-paga. Caso assim fosse, restaria ao arrepio da Constituição uma imensa gama de excluídos que não dispõem de recursos suficientes para financiarem diretamente essas prestações.
O Estado brasileiro, por sua vez, optou por ser um Estado Democrático e de Direito e Fiscal. Ou seja, sua arrecadação baseia-se, primordialmente, nos impostos, que são espécie tributária não correlacionada a uma atuação estatal específica. Com isso, consegue o Estado brasileiro retirar parcela de riqueza de quem a detém para financiar as atividades e prestações sociais dos menos favorecidos.
Seria um poder de tributar inarredável e coercitivo? Percebe-se que, hoje, não. Ao longo da história da tributação assim era visto o tributo: como um ato de império do Estado sobre os indivíduos. Era uma transferência compulsória de recursos privados ao Estado. Essa ideia foi abandonada a partir da Constituição Federal de 1988, que, apesar de não trazer de modo explícito, o dever fundamental de pagar impostos, traz, em diversos dispositivos, o dever do Estado e da sociedade de arcar com o financiamento de certas atividades.
Essa previsão constitucional se traduz numa nova idéia que permeia a ordem jurídica atual, qual seja, a solidariedade social. Percebeu-se, assim, que é dever de todos os indivíduos participar de uma sociedade livre, justa e solidária e reconheceu-se a categoria autônoma dos deveres fundamentais, na qual se inclui o dever fundamental de pagar impostos. Categoria essa que é bastante esquecida nas sociedades atuais, seja em virtude do momento histórico na qual surgiram, após períodos ditatoriais, marcados pela arbitrariedade, onde apenas se queriam ver reconhecidos direitos e assim o foram, seja pelo individualismo característico das sociedades modernas.
Há, assim, atualmente, uma nítida quebra de paradigmas, em que se conclui que não há como isolar o Estado da sociedade, mas sim se deve aliá-los na busca do bem comum, de modo que cada um contribua na medida das suas possibilidades a fim de que se possa concretizar, por intermédio da solidariedade, a almejada justiça social.
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[1] YAMASHITA, Douglas. Princípio da Solidariedade em Direito Tributário. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 59.
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 119.
[3] Idem, p. 120.
[4] NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 192.
[5] NABAIS, op.cit., p. 196.
[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva , 2003, p. 230.
[7] TORRES, Ricardo Lobo. Mutações do Estado Fiscal. In: OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito Administrativo: Estudos em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2006, p. 1072.
[8] Idem, p. 1054.
[9] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 54.
[10] TORRES, op.cit., p. 1058.
[11] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 233.
[12] MORAIS, José Luiz Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 43.
[13] NEGREIROS, Teresa. A dicotomia público-privado ao problema da colisão de princípios. In: MELLO, Celso de Albuquerque [et.al.]. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 353-4.
[14] GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e Solidariedade Social. In: GRECO, Marco Aurélio; ______. (Coord.) Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 154.
[15] MORAIS, op.cit., p. 43.
[16] TORRES, op.cit., p. 1062.
[17] Idem, p. 1063.
[18] Idem, p. 1065.
[19] Idem, ibidem.
[20] NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em: www.agu.gov.br/Publicacoes/Artigos/05042002JoseCasaltaAfaceocultadosdireitos_01.pdf., p. 16.
[21] Idem, op.cit., p. 199.
[22] NABAIS, op.cit., p. 200.
[23] TORRES, op.cit., p. 1067.
[24] NABAIS, op.cit., p. 216.
[25] GODOI, op.cit., p. 154.
[26] NABAIS, op.cit., p. 14.
[27] NABAIS, José Casalta. Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 127.
[28] Idem, p. 128.
[29] ANDRADE, op.cit., p. 17.
[30] Idem, p. 19-20.
[31] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 23. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 247.
[32] MORAIS, op.cit., p. 65.
[33] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 516.
[34] FERREIRA FILHO, op.cit., p. 247.
[35] ANDRADE, op.cit., p. 22.
[36] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os direitos fundamentais. Problemas jurídicos, particularmente em face da Constituição brasileira de 1988. Revista de Direito Administrativo. v. 203. jan./mar. 1996. Rio de Janeiro: Renovar, p. 1.
[37] “Força é inserir, a esta algura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo “geração”, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, os direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro largo passo”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 527.
[38] ANDRADE, op.cit., p. 51.
[39] SARLET, op.cit, p. 56-7.
[40] BONAVIDES, op.cit., p. 517.
[41] Cf. ANDRADE, op.cit., p. 57.
[42] SARLET, op.cit, p. 57.
[43] MORAIS, op.cit., p. 30.
[44] Idem, op.cit., p. 37.
[45] BONAVIDES, op.cit., p. 518.
[46] SARLET, op.cit., p. 230.
[47] ANDRADE, op.cit., p. 61.
[48] MORAIS, op.cit., p. 37.
[49] SARLET, op.cit., p. 301.
[50] KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 22.
[51] SARLET, op.cit., p. 300-1.
[52] ANDRADE, op.cit., p. 62.
[53] ANDRADE, op.cit., p. 66.
[54] TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: MELLO, Celso de Albuquerque [et. al.]. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 292-3.
[55] ANDRADE, op.cit., p. 67.
[56] FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 105.
[57] SARLET, op.cit., p. 301.
[58] Cf. SARLET, op.cit., p. 301.
[59] ANDRADE, op.cit., p. 65.
[60] Idem, p. 65.
[61] Idem, p. 64.
[62] BONAVIDES, op.cit., p. 524.
[63] Idem, p. 525.
[64] SARLET, op.cit., p. 231.
[65] Idem, p. 291.
[66] SARLET, op.cit., p. 190.
[67] Idem, p. 253.
[68] KRELL, op.cit., p. 38.
[69] SARLET, op.cit., p. 194.
[70] Idem, p. 246.
[71] Idem, p. 245.
[72] SARLET, op.cit., p. 299.
[73] AMARAL, Gustavo. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: MELLO, Celso de Albuquerque [et. al.]. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 107.
[74] GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: BARCELLOS, Ana Paula de [et.al.]. Legitimação dos Direitos Humanos. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 224.
[75] HOLMES, Stephen & SUNSTEIN, Cass. The cost of rights. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
[76] GALDINO, op.cit., p. 210.
[77] SARLET, op.cit., p. 236.
[78] MORAIS, op.cit., p. 69.
[79] GALDINO, op.cit., p. 234 et seq.
[80] Idem, p. 237.
[81] GALDINO, op.cit., p. 240.
[82] Idem, p. 240.
[83] BONAVIDES, op.cit., p. 518.
[84] Idem, p. 518.
[85] GALDINO, op.cit., p. 244.
[86] Idem, p. 246.
[87] SARLET, op.cit, p. 291.
[88] GALDINO, op.cit., p. 250.
[89] Idem, ibidem.
[90] Idem, ibidem.
[91] MORAIS, op.cit., p. 69.
[92] TORRES, op.cit., p. 261.
[93] Idem, p. 261-2.
[94] GALDINO, op.cit., p. 277.
[95] Idem, p. 280.
[96] GALDINO, op.cit., p. 270.
[97] Idem, p. 283.
[98] Idem, p. 282.
[99] NABAIS, op.cit., p. 11.
[100] SARLET, op.cit., p. 298.
[101] AMARAL, op.cit., p. 103.
[102] SACCHETTO, Cláudio. O Dever de Solidariedade no Direito Tributário: o Ordenamento Italiano. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 36.
[103] SCAFF, Fernando Facury. Como a sociedade financia o estado para a implementação dos direitos humanos no Brasil. In: Interesse Público. Ano 8, n° 39, setembro/outubro de 2006, Porto Alegre: Notadez, p. 195.
[104] AMARAL, op.cit., p. 107.
[105] SCAFF, op.cit., p. 195.
[106] NABAIS, op.cit., p. 223.
[107] Idem, p. 246.
[108] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 130.
[109] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 256.
[110] Cf. SCAFF, op.cit., p. 195.
[111] CARVALHO, op.cit., p. 36.
[112] NABAIS, op.cit., p. 264.
[113] NABAIS, op.cit., p. 226.
[114] Idem, p. 233.
[115] Idem, p. 226.
[116] Idem, p. 227.
[117] Idem, p. 228.
[118] NABAIS, op.cit., p. 229.
[119] Idem, p. 230.
[120] Idem, p. 233.
[121] Idem, p. 237.
[122] Idem, p. 246.
[123] SACCHETTO, op.cit., p. 26.
[124] Idem, p. 36.
[125] ATALIBA, op.cit., p. 29.
[126] SARLET, op.cit., p. 294.
[127] MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Derechos sociales y positivismo jurídico: escritos de filosofia jurídica y política. Madrid: Dykinson, 1999, p. 68.
[128] NABAIS, op.cit., p. 15.
[129] GODOI, op.cit., p. 1.
[130] GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade Social e Tributação. In: ______. ; GODOI, Marciano Seabra (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 177.
[131] Cf. GRECO, op.cit. , p. 177.
[132] NABAIS, op.cit., p. 240.
[133] GODOI, op.cit., p. 163.
[134] GRECO, op.cit., p. 171.
[135] NABAIS, José Casalta. A Constituição Fiscal Portuguesa e alguns dos seus desafios. In: NUNES, Antônio José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (Orgs.). Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 27.
[136] NABAIS, op.cit., p. 248.
[137] GRECO, op.cit., p. 179.
[138] ATALIBA, op.cit., p. 29.
[139] Cf. CALIENDO, Paulo. Tratado de direito constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 381.
[140] NABAIS, op.cit., p. 278.
[141] SACCHETTO, op.cit., p. 25.
[142] CALIENDO, op.cit., p. 388.
[143] SACCHETO, op.cit., p. 24.
[144] COIMBRA, Marcelo de Aguiar. O estado personalista de direito e a realização igualitária dos direitos fundamentais. In: FILHO, Agassiz de Almeida; CRUZ, Danielle da Rocha. Estado de Direito e Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao jurista Mário Moacyr Porto. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 494-5.
[145] SACCHETO, op.cit, p. 11.
[146] NABAIS, op.cit., p. 301.
[147] Idem, ibidem.
[148] NABAIS, op.cit., p. 127-8.
[149] SACCHETO, op.cit., p. 11.
[150] MARTÍNEZ, Gregorio Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1995, p. 279-280.
[151] NABAIS, op.cit. , p. 127.
[152] Idem, p. 129.
[153] SACCHETO, op.cit., p. 26.
[154] MARTÍNEZ, op.cit., p. 261.
[155] SACCHETO, op.cit., p. 21.
[156] MARTÍNEZ, op.cit., p. 263.
[157] Idem, ibidem.
[158] Idem, p. 265.
[159] NABAIS, op.cit., p. 114.
[160] Idem, p. 115.
[161] NABAIS, op.cit., p. 115.
[162] SACCHETO, op.cit., p. 14.
[163] RIBEIRO, Gustavo Moulin. A cidadania jurídica e a concretização da justiça. In: BARCELLOS, Ana Paula de [et.al.]. Legitimação dos Direitos Humanos. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 331.
[164] TORRES, op.cit., p. 241.
[165] NABAIS, op.cit., p. 119.
[166] Idem, p. 125.
[167] CALIENDO, Paulo. Justiça fiscal: conceito e aplicação. In: Interesse Público. ano VI, n. 29. São Paulo: Notadez, 2005, p. 173.
[168] TORRES, op.cit., p. 277.
[169] SACCHETO, op.cit., p. 16.
[170] NABAIS, op.cit., p. 125.
[171] NABAIS, op.cit., p. 41.
[172] FELDENS, Luciano. Tutela penal dos interesses difusos e crimes do colarinho branco: por uma relegitimação da atuação do ministério público: uma investigação à luz dos valores constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 83.
[173] NABAIS, op.cit., p. 43.
[174] NABAIS, op.cit., p. 03.
[175] NABAIS, op.cit., p. 19.
[176] FELDENS, op.cit., p. 83.
[177] MORAIS, op.cit., p. 44.
[178] ANDRADE, op.cit., p.160.
[179] NABAIS, op.cit., p. 05.
[180] Idem, p. 64.
[181] Idem, p. 61.
[182] Cf. NABAIS, op.cit., p. 08.
[183] ANDRADE, op.cit., p.161.
[184] NABAIS, op.cit., p. 38.
[185] NABAIS, op.cit., p. 134.
[186] TORRES, op.cit., p. 312.
[187] NABAIS, op.cit., p. 36.
[188] Idem, p. 185.
[189] NABAIS, op.cit., p. 135.
[190] SARLET, op.cit., p. 185.
Mestranda em Direito, Democracia e Sustentabilidade pelo Complexo de Ensino Superior Meridional (IMED); especialista em Direito Processual Civil pela LFG - Anhanguera; especialista em Direito Público pela PUC/RS; graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS); membro do grupo de pesquisa intitulado "Jurisdição e Democracia", vinculado à IMED; Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOSS, Marianna Martini Motta. O dever fundamental de pagar impostos como meio de efetivação dos direitos sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42112/o-dever-fundamental-de-pagar-impostos-como-meio-de-efetivacao-dos-direitos-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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