A relação contratual comum pressupõe a existência de partes com mesma força, de iguais.
Já a relação contratual de consumo, por sua vez, trata-se de relação entre partes nitidamente desiguais. Uma parte se sobrepõe a outra, por ter o maior poder contratual, o fornecedor.
O Código de Defesa do Consumidor, o instrumento de aplicação do Direito do Consumidor, é formado por normas de ordem pública e de interesse sociais.
Identificada a relação de consumo, o código protecionista deverá ser sempre o adotado para resolução dos litígios. A utilização do Código Civil, Processual Civil, Penal e Processual Penal só deve ocorrer subsidiariamente.
Os contratos que envolvem relações de consumo são regidos pelos princípios da conservação, da boa-fé objetiva, da equivalência, da igualdade, da transparência e do protecionismo, conforme se verificará dos breves comentários a seguir:
O Princípio da Conservação tem o intuito de manter o contrato em vigência, mesmo que para isso seja necessário rever ou modificar cláusulas que estejam em desconformidade arealidade contratual.
Esse princípio é facilmente identificado no Código de Defesa do Consumidor, que permite modificações de clausulas que se tornem excessivamente onerosas ou o direito a revisão do contrato, nos termos do inciso V, do artigo 6º, in verbis:
“Art. 6º- São direitos básicos do consumidor:
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”
A lei, assim, abre exceções para modificação de cláusulas contratuais ou nulidade das mesmas, visando a conservação contratual, em vez da sua simples rescisão.
Deve-se invocar aqui o agravamento ou a redução do risco no contrato de seguro, que se aplica perfeitamente ao princípio da conservação, pois possibilita a modificação das cláusulas extremamente onerosas.
Outro ponto essencial ao contrato de seguro é a questão relativa ao risco e suas variações no decorrer do ajuste, uma vez que, em virtude de diversos fatores, pode se tornar excessivamente oneroso para ambas as partes, dependendo de cada situação.
Portanto, esse princípio da conservação deve ter validade para efetivar o equilíbrio contratual, tanto em benefício do consumidor, como do fornecedor, mesmo que o diploma protecionista se reporte apenas ao consumidor.
O Princípio da Boa-Fé Objetiva também merece ser destacado, pois a relação de consumo, como qualquer outra, resulta da noção de boa fé. Diferencia-se, todavia, por não ser uma boa fé subjetiva, mas sim com um significado imperativo de conduta, qual seja, a boa fé objetiva.
Nesse sentido a lição de Silvio de Salvo Venosa:
“Na boa-fé subjetiva o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado.
A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos." (VENOSA, Silvio de Salvo, 2013)
Portanto, a boa- fé objetiva, inserida no código de Defesa do Consumidor, funciona como regra de conduta, sem qualquer verificação da má-fé subjetiva de alguma das partes. O que interessa é o que está escrito, visualizando apenas o contrato com maior proteção ao consumidor.
O Princípio da Equivalência é plenamente utilizado na lei e visa a equivalência entre as prestações e as contraprestações, levando em conta, não somente a hipossuficiência e a vulnerabilidade do consumidor, mas, também, a necessidade do lucro do fornecedor.
Os contratos que envolvem relação de consumo trazem à tona o desequilíbrio das forças dos contratantes. O consumidor é hipossuficiente e vulnerável aparecendo como evidente pólo mais fraco da relação contratual.
Esse princípio objetiva a manutenção do equilíbrio contratual, mesmo sendo o consumidor parte mais fraca da relação, como pode ser observado no inciso III, do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;.”
O Princípio da Igualdade, que visa impedir a diferenciação dos consumidores, oferecendo a mesma condição e oferta a todos, está caracterizado no artigo. 6º, inciso II do diploma em estudo:
“ Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;.”
Ressalta-se que a igualdade das contratações, observada no código, diz respeito a pessoas nas mesmas condições em relação ao contrato. No caso de contrato de seguro de automóvel, por exemplo, não se pode manter a mesma oferta para um adolescente e um idoso, haja vista a teoria do risco acima estudada.
O Princípio da Transparência, visualizado no artigo 46, obriga ao fornecedor oferecer oportunidade ao consumidor de conhecer todo o conteúdo do contrato, antes de sua assinatura:
“Art. 46 - Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
O Princípio do Protecionismo é a base de todo o Código de Defesa do Consumidor que objetiva a devida proteção do Estado ao consumidor em vista de sua vulnerabilidade e hipossuficiência frente ao fornecedor.
A relação de consumo é caracterizada pela presunção legal da superioridade do fornecedor.
O fato é que, além de geralmente ter menor capacidade econômica, o consumidor, em princípio, desconhece as peculiaridades do serviço e não participa da redação do contrato que adere.
O Código de Defesa do Consumidor reconhece expressamente que o consumidor é amplamente vulnerável e hipossuficiente em relação ao fornecedor, conforme se verifica dos dispositivos abaixo transcritos:
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;.”
“ Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”
O Código de Defesa do Consumidor tem o nítido intuito de equilibrar o desequilibro existente entre o fornecedor e o consumidor, nos contratos de consumo.
O diploma, assim, nasceu da necessidade de regular a relação de consumo, tentando, ao enumerar os direitos do consumidor frente ao fornecedor, impor um equilíbrio a uma relação que seria injusta.
REFERÊNCIAS
BEGALLI, Paulo Antônio. Direito Contratual no Novo Código Civil, Editora de Direito, São Paulo, 2006.
CAVALCANTI, Francisco. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2001.
COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor, Editora Forense, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, Editora Saraiva, São Paulo, 2013.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, Editora Saraiva, São Paulo, 2013.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria geral dos contratos, Editora Atlas,São Paulo, 2013.
Procuradora Federal desde 2008, atualmente em exercício na Procuradoria Regional Federal da 5 ? Região (Recife). Atuou na Procuradoria Federal Especializada do INSS em Santarém-PA (2008 - 2012). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós graduanda em direito previdenciário na Faculdade Anhanguera<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, Fernanda Cavalcanti de. A proteção contratual, no âmbito do contrato de seguro, mediante a aplicação do Código de Defesa Do Consumidor e seus princípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42114/a-protecao-contratual-no-ambito-do-contrato-de-seguro-mediante-a-aplicacao-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-seus-principios. Acesso em: 23 dez 2024.
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