1. INTRODUÇÃO
O testamento é ato jurídico solene pelo qual o homem, ao longo da história, distribui seus bens para depois de sua morte. O artigo 1.857 do Código Civil dispõe acerca da capacidade para testar, prescrevendo que: “toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.” A abrangência do instituto é manifesta, havendo incapacidade para testar somente para os menores de 16 anos, os portadores de enfermidade mental e os impossibilitados de exprimirem sua vontade. Carlos Maximiliano (1943) nos ensina que:
“Testamento é um ato unilateral, de última vontade, gratuito e solene, contendo disposições patrimoniais ou providências de caráter pessoal ou familiar, exequíveis depois da morte do prolator.”
Assim, é o escopo do presente estudo analisar os requisitos e elementos necessários à elaboração e validade de testamentos em suas formas especiais, no caso, o marítimo e o aeronáutico. Devido à dimensão do presente estudo, não abordaremos o testamento militar, que, juntamente com os demais já citados, formam o rol das formas especiais de testar. Esse rol é taxativo, sendo que o artigo 1.887 prescreve que “Não se admitem outros testamentos especiais além dos contemplados neste Código.”
2. DO TESTAMENTO MARÍTIMO E DO AERONÁUTICO
2.1. Do Testamento Marítimo
O testamento marítimo se consubstancia em ato jurídico solene pelo qual alguém dispõe, total ou parcialmente de seus bens, ou faz disposições não patrimoniais para terem efeito após sua morte, estando o testador a bordo de navio nacional de guerra ou mercante, em viagem. Uma condição circunstancial para a validade do testamento marítimo é que a embarcação não esteja atracada, nos termos do artigo 1.892, que assim prescreve:
“Art. 1.892 – Não valerá o testamento marítimo, ainda que feito no curso de uma viagem, se, ao tempo em que se fez, o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária.”
O intuito do legislador foi socorrer aquele que se encontrava em risco de vida, em uma situação tal que se fizesse impossível comparecer perante um tabelião de notas para lavrar o testamento ordinário. A excepcionalidade do testamento marítimo vem a privilegiar a segurança jurídica do ato, que ordinariamente deverá ser lavrado ou aprovado por tabelião de notas.
A Lei n.º 8.935/94, lei que rege a atividade notarial e registral brasileira, enumera em seus artigos 6º e 7º as atividades a serem desenvolvidas pelos notários. In verbis:
“ Art. 6º Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes; (grifos do autor).
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III - autenticar fatos.
Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; (grifos do autor).
III - lavrar atas notariais;
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias.
Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.”
Como visto acima, é função do notário, mais especificamente do tabelião de notas, a formalização jurídica da vontade das partes, no caso do testador, adequando sua vontade aos balizamentos legais para que sua vontade possa surtir o efeito jurídico pretendido. O tabelião de notas é profissional do direito, dotado de fé-pública, agente em colaboração com o Estado, e goza de uma presunção dada pela lei, iuris tantum, de que é verdade e legítimo tudo aquilo que ele lavra ou sobre todos os fatos que ele atestar terem ocorrido em sua presença. Por essas razões, somente em casos excepcionais haverá a possibilidade de o comandante da embarcação lavrar ou aprovar testamento.
A lei exige para o testamento marítimo, nos moldes do testamento ordinário, a presença de duas testemunhas, devido à solenidade que é da essência do ato. As testemunhas testamentárias são aquelas que têm capacidade de atestar que o ato foi praticado por livre e espontânea vontade do testador, sem qualquer vício que anule o nulifique o testamento. Podem ser testemunhas testamentárias todas as pessoas que tiverem capacidade ativa testamentária, havendo restrição nos casos arrolados pelo artigo 228 do Código Civil, in litteris:
“Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
II - aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;
III - os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam;
IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;
V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.”
Descreve a lei civil as formas de testamento marítimo: semelhante ao testamento público e semelhante ao cerrado. Na primeira modalidade, o documento será lavrado exclusivamente pelo comandante da embarcação, e depois de lido por ele, será assinado pelo testador e pelas testemunhas. Caso o testador não saiba ou possa assinar, o instrumento será assinado por uma das testemunhas, tudo declarado no corpo do testamento.
A forma assemelhada ao cerrado, o testamento será lavrado pelo testador ou pessoa por ele indicada, diante de duas testemunhas, quando será entregue ao comandante, declarando o testador que esse é seu testamento e que deseja vê-lo aprovado. A aprovação necessariamente deverá ocorrer na presença de duas testemunhas.
2.2. Do Testamento Aeronáutico
O testamento aeronáutico em muito se assemelha ao marítimo, seja nas circunstâncias excepcionais que autorizam sua formalização, seja na forma congênere dos testamentos ordinários. A grande diferença ocorre na pessoa autorizada a lavrar ou aprovar o testamento. No caso do testamento marítimo, a lei outorga tal prerrogativa somente ao comandante da embarcação, e por se tratar o testamento de ato solene, o descumprimento de tal formalidade o invalida juridicamente. Tratando-se de testamento aeronáutico, o comandante da aeronave não pode abandonar os controles aéreos para cumprir a vontade do testador, razão pela qual o artigo 1.889 prescreve: “Quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, observado o disposto no artigo antecedente.” Uma vez apontada a pessoa pelo comandante, caberá a ela lavrar ou aprovar o testamento, na presença de duas testemunhas, nas formas pública ou cerrada.
2.3. Do Requisito especial de Validade
Como já dito acima, não valerá aquele testamento marítimo feito caso a embarcação esteja atracada no porto, onde o testador poderia se apresentar a um tabelião de notas para efetuar sua declaração de última vontade de maneira ordinária.
Tanto o testamento marítimo quanto o aeronáutico caducará se o testador não morrer em viagem ou nos 90 dias seguintes a seu desembarque em terra, onde possa fazer o testamento de maneira ordinária.
O testamento marítimo ou aeronáutico ficará sob a guarda do comandante da respectiva embarcação ou aeronave, que o entregará às autoridades administrativas no primeiro porto ou aeroporto nacional, para que haja efetivação de sua validade jurídica.
3. CONCLUSÃO
Diante do que restou exposto, verificamos que a excepcionalidade dos testamentos marítimos e aeronáuticos ocorre em razão de situações de risco de vida do testador, que durante a viagem não tem condições de se apresentar a um tabelião de notas para lavrar ou aprovar sua declaração de última vontade.
Dada excepcionalidade vem a privilegiar o ministério do tabelião de notas, que, como já dito acima, é profissional do direito, ou seja, detém conhecimento jurídico necessário a formalizar a vontade do testador, ademais é agente em colaboração com o Estado e goza de fé-pública, ou seja, a presunção legal de legalidade, legitimidade e veracidade daquilo que atesta.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL, Código Civil. (2002) Portal: www.planalto.gov.br
BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: RT, 1998.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013
LOPES, Seabra. J. Direito dos Registos e Notariado - 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e prática. 1ª ed. São Paulo: Método. 2010
MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. Rio de Janeiro. Freitas Bastos, v.1, 1943
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduada em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOLLERO, Barbara Tuyama. Apontamentos acerca dos testamentos marítimo e aeronáutico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42116/apontamentos-acerca-dos-testamentos-maritimo-e-aeronautico. Acesso em: 23 dez 2024.
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