Por ocasião do trabalho intitulado “Os limites da fiscalização exercida pela PREVIC”[1], explicitaram-se alguns equívocos decorrentes de uma compreensão rasa da concepção de previdência privada. Mostrou-se uma tendência a se conferir tratamento igualitário a toda e qualquer prestação auferida por aposentados ou beneficiários, supondo-se equivocadamente que tudo aquilo que lhes é pago além dos benefícios oriundos da Previdência Social há de ser classificado, de forma linear, como complementação de aposentadoria.
Na intenção de ilustrar situações erroneamente atribuídas à competência fiscalizatória da PREVIC, mencionou-se o caso das complementações de aposentadoria estipuladas por lei, com recursos oriundos do orçamento de entes federados, bem como o de benefícios extras, pactuados no bojo de acordos coletivos de trabalho, a serem pagos a ex-empregados.
No intuito de repelir provocações demandando sua atuação em questões desta natureza, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC editou sua súmula de nº 3, cujo teor é o seguinte:
“Súmula PREVIC nº 3. A destinação periódica de valores a inativos a título de verba complementar insere-se no âmbito de fiscalização da PREVIC quando presentes elementos estruturantes da relação jurídica de previdência privada: complementariedade; autonomia em relação aos regimes de previdência social; facultatividade; contratualidade; constituição de reservas para os benefícios programados e de prestações continuadas; e independência da relação de trabalho do beneficiário.”
A redação utilizada, data venia, padece de clareza e acabou gerando dificuldades em sua compreensão, como será visto a seguir.
Nos termos do art. 1º de sua Instrução Normativa 5, de 10 de agosto de 2010, compete à Diretoria Colegiada da PREVIC “aprovar enunciados de súmula administrativa sobre matéria de sua competência, com a finalidade de uniformizar entendimentos e procedimentos internos e de orientar o sistema de previdência complementar fechada.”
Conforme adiantado, a edição da súmula 3 tinha como objetivo orientar os operadores do sistema de previdência complementar fechada, transmitindo-lhes uma mensagem bem específica: a de que, embora chamados de complementação de aposentadoria (ou similares), não estavam inseridas no seu rol de competências a fiscalização de pagamentos de valores estipulados por lei, com recursos oriundos diretamente do orçamento de entes federados, assim como pagamentos efetuados diretamente por empregadores a ex-empregados, sem a necessária presença de uma entidade fechada de previdência complementar, estipulados em contrato de trabalho ou acordos coletivos.
O foco, portanto, era o da especificidade das hipóteses que se buscava afastar.
Contudo, sua redação acabou permitindo que tal característica desse lugar à possibilidade de interpretações demasiadamente generalizadas.
Afinal, numa primeira leitura, é possível que o intérprete do enunciado extraia a noção de que a competência da PREVIC esteja inteiramente balizada pela súmula.
Noutras palavras, corre-se o risco de enviar a mensagem de que “[Somente se insere] no âmbito de fiscalização da PREVIC” a destinação periódica de valores a inativos em que estejam presentes todos os elementos típicos da relação de previdência complementar listados no enunciado. Ou seja, abriu-se um flanco para a equivocada ideia de exclusão de outras frentes de competência fiscalizatória da autarquia, não abarcadas na situação que se buscou positivar.
A administração de um plano de pecúlio, por exemplo, por se tratar de um benefício de parcela única, não se subsume à previsão de “destinação periódica”, apesar de estar sujeita à supervisão do órgão fiscalizador.
Já o Decreto 4.942/2003 (art. 102[2]) estabelece como prática passível de autuação não só o exercício de atividade própria das entidades fechadas de previdência complementar sem autorização da PREVIC, mas a “a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma.”
Note-se que na parte final deste dispositivo amplia-se a tipificação para abarcar quaisquer modalidades clandestinas de captação de recursos sob justificativa de pagamento de benefícios. Em tais situações não há necessariamente que se falar em facultatividade, contratualidade, constituição de reservas entre outros elementos próprios de um plano de benefícios devidamente regulamentado. E, mesmo assim, não há dúvidas de que compete à PREVIC autuar seus responsáveis.
Ainda no campo dos exemplos, é possível que mesmo presentes todos os elementos estruturantes da relação jurídica de previdência privada, o beneficiário de prestações periódicas não seja obrigatoriamente um inativo, como ocorre no caso dos benefícios pagos em razão de doença ou reclusão.
A verdade é que a citada redação possui excesso de elementos, quando deveria e poderia ser mais sucinta.
Em síntese, ainda que dirigida ao Judiciário, é de todo aplicável à espécie a seguinte recomendação do ilustre José Saulo Pereira Ramos, advogado, ex-consultor geral da República e ex-ministro da Justiça, constante de artigo intitulado Questões do efeito vinculante: “[a] Súmula, por sua própria natureza, será um enunciado sucinto, não conterá as considerações tecidas a latere, que, em muitos julgamentos, são até impertinentes. [3]”
Prosseguindo neste paralelo com o Poder Judiciário, não custa mencionar algumas súmulas do Supremo Tribunal Federal igualmente voltadas a repelir competências, sendo, contudo, mais econômicas nos dizeres:
“Súmula 624
NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONHECER ORIGINARIAMENTE DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATOS DE OUTROS TRIBUNAIS.
Súmula 634
NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONCEDER MEDIDA CAUTELAR PARA DAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE AINDA NÃO FOI OBJETO DE JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NA ORIGEM.
Súmula 691
NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONHECER DE "HABEAS CORPUS" IMPETRADO CONTRA DECISÃO DO RELATOR QUE, EM "HABEAS CORPS" REQUERIDO A TRIBUNAL SUPERIOR, INDEFERE A LIMINAR.”
Quando aquela Corte edita um verbete no sentido de sua incompetência para o julgamento de determinadas hipóteses de Mandado de Segurança, Medida Cautelar ou Habeas Corpus, não há dúvidas acerca de sua aplicabilidade. Em nenhum dos casos, todavia, é possível extrair apenas da leitura de seu texto as razões, os fundamentos jurídicos de sua edição.
Nesse sentido deveria ter seguido a questionada súmula 3.
Uma redação iniciada por “não se insere no âmbito de fiscalização da PREVIC” ou “não compete à PREVIC” evidenciaria apenas o que não pode ser objeto de fiscalização, sem avançar na delimitação da envergadura de todo o rol de competências do órgão fiscalizador.
CONCLUSÃO
Por meio das razões expostas buscou-se demonstrar que, da forma como redigida, a súmula 3 da PREVIC não atingiu o objetivo de sinalizar de forma direta e inequívoca a limitação fiscalizatória atinente ao tema nela tratado.
A opção redacional carece da especificidade de que o tema necessita e acabou por exprimir uma noção inversa, de que a competência da PREVIC somente se confirmaria no caso de estarem presentes todos os elementos elencados no enunciado.
A solução para esta aparente fragilidade seria uma reedição voltada a revigorar a especificidade inerente à situação que se buscou retirar do espectro de competências do órgão fiscalizado, de forma sintética e preferencialmente sem declinar os fundamentos da edição em seu próprio corpo.
REFERÊNCIAS
RAMOS. José Saulo Pereira. Questões do efeito vinculante. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 16, jul/1996.
ROCHA, Leonardo Vasconcellos. Os limites da fiscalização exercida pela PREVIC. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.47467&seo=1>. Acesso em: 27 nov. 2014.
[1] ROCHA, Leonardo Vasconcellos. Os limites da fiscalização exercida pela PREVIC. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 18 mar. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.47467&seo=1>. Acesso em: 27 nov. 2014.
[2] Art. 102. Exercer atividade própria das entidades fechadas de previdência complementar sem a autorização devida da Secretaria de Previdência Complementar, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma.
Penalidade: multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e inabilitação pelo prazo de dois a dez anos.
[3] RAMOS. José Saulo Pereira. Questões do efeito vinculante. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 16, jul/1996, p. 24.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Leonardo Vasconcellos. Uma visão crítica da Súmula nº 3 da PREVIC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42118/uma-visao-critica-da-sumula-no-3-da-previc. Acesso em: 23 dez 2024.
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