Resumo: A Reforma Agrária é um instrumento de notável importância no contexto jurídico brasileiro, mormente pelo fato de concretizar valores considerados fundamentais pela Carta Magna de 1988. Assim, em vista disso, é conveniente que se traga à baila alguns de seus aspectos, seja no que tange à fase administrativa, seja da fase judicial.
Palavras-Chave: Desapropriação para fins de reforma agrária. Fases. Temas polêmicos.
Sumário: I. INTRODUÇÃO. II. FASE ADMINISTRATIVA DA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. III. FASE JUDICIAL DA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. IV. CONCLUSÃO.
I –INTRODUÇÃO.
Antes de adentrarmos especificamente no tema, não parece demasiado que elenquemos os princípios que regem o Direito Agrário, quais sejam:
a) Garantia do Direito de Propriedade;b) Função Social da Propriedade;c) Justiça Social;d) Melhor distribuição da terra;e) Supremacia do Interesse público sobre o particular;f) Monopólio legislativo da União;g) Justa e prévia indenização;h) Permanência na terra;i) Proteção à pequena e média propriedade rural;j) Proteção da propriedade produtiva;k) Preservação dos recursos naturais e preservação do Meio-Ambiente;l) Melhor produtividade;m) Uso da terra pública;n) Indivisibilidade do módulo rural;
Dentre os instrumentos previstos no Direito Agrário, sem dúvida a Reforma Agrária é o mais importante deles. Por ele pode se entender como sendo o conjunto de medidas que visam a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios da justiça social e ao aumento da produtividade.
No que se refere aos métodos para se concretizar a reforma agrária, podemos afirmar serem basicamente 2, a saber:
1) Privatista – adotado pela CF/88 - A terra é doada ao trabalhador rural;
2) Coletivista - Socialista - A terra pertence ao Estado.
No que se refere ao modelo privatista, adotado pela CF/88, importa destacar que o meio de sua concretização é a desapropriação para fins de Reforma Agrária, que será aprofundado no próximo item.
Por outro lado, a Política Agrícola é o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinam a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, garantindo o pleno emprego, harmonizando-se com o processo de industrialização do país.
Não se deve olvidar que as terras ocupadas por populações indígenas pertencem á União, mas sua posse cabe às próprias populações. Além disso, não existe condicionamento para que as populações ocupem suas terras, sendo ainda insusceptíveis de usucapião.
Vale mencionar que as sociedades cooperativas devem ter seus estatutos previamente aprovados pelo INCRA.
Importante salientar que, para o Estatuto da Terra, o conceito de imóvel rural dá-se pela sua destinação, e não por sua localização (possível existir um imóvel rural dentro do perímetro urbano). A chamada "propriedade familiar" absorve toda a força de trabalho de um núcleo familiar, garantindo a subsistência dele. E o minifúndio será o imóvel que não apresente condições de fornecer a subsistência desse núcleo.
II –FASE ADMINISTRATIVA DA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA.
Embora não se desconheça a existência de alguns tipos de desapropriação previstos em leis específicas, não é errado afirmamos que, basicamente, as desapropriações podem se darde 3 formas:
a) Utilidade pública;
b) Necessidade pública;
c) Interesse social (ou para fins de Reforma Agrária).
Aqui cuidaremos apenas da letra c, a por interesse social (Reforma agrária). Podemos resumir seus trâmites administrativos da seguinte forma:
Fase administrativa - O Poder Público declara o interesse social no bem, por meio de Decreto do Presidente da República. Esse decreto tem 3 funções:
1) Submete o bem à força executória do Estado, podendo o PP penetrar no imóvel para fazer notificações e medições;
2) Fixa o estado do bem, de sorte que após o Decreto apenas as benfeitorias necessárias serão indenizadas, ao passo que as úteis dependem de prévia autorização;
3) Inicia a fluência do prazo decadencial - 2 anos.
Para que o INCRA adentre na propriedade, é necessário haver prévia notificação do proprietário. O INCRA possui o prazo de 120dias para fazer a vistoria. A data de recebimento pelo notificado deve constar da notificação.
Qualquer alteração no domínio, dimensão e condições de uso do imóvel, ocorridas até 6 meses da notificação serão reputadas nulas.
Transcorrido esse prazo, será possível a alteração, desde que seja feita antes do Decreto Presidencial de Desapropriação (STF).
Se houver invasão no imóvel rural, ele não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos 2 anos seguintes à sua invasão, dobrando-se o prazo em caso de reincidência. Para o STF, esse esbulho deve ser significativo e anterior avistoria do imóvel, a ponto de alterar os graus de utilização da terra e de eficiência em sua exploração. Se a invasão for após a vistoria, não terá qualquer reflexo na desapropriação em curso.
Os pequenos e médios proprietários rurais possuem imunidade desapropriatória, salvo de possuírem outras terras. Essa imunidade nada tem a ver com o cumprimento ou não da função social da propriedade.
Para fins legais, a pequena propriedade tem de 1 a 4 módulos, e a média, de 4 a 15. Para o STJ, as propriedades rurais devem ser classificadas como pequenas ou médias a partir do tamanho de sua área aproveitável, e não de toda sua extensão.
O imóvel rural objeto de futura partilha entre herdeiros continua sendo único até o fim do inventário (STJ).
As benfeitorias úteis e necessárias serão pagas em dinheiro. A terra nua, por sua vez, será paga por Título da Dívida Agrária (TDA), resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão. Esses TDAs devem conter cláusula que assegure seu valor real, por meio de algum índice financeiro.
O TDA complementar, quando emitido por via de decisão judicial, deve observar o prazo de 20 anos, deduzido o intervalo entre a imissão de posse e o lançamento do título (STJ).
Ainda para o STJ, o TDA é título pro-soluto, aplicando-se o fenômeno da incorporação, próprio dos títulos de crédito.
Caso o réu na ação de desapropriação concorde em receber as benfeitorias úteis e necessárias por via de TDA, os prazos para resgate do TDA relativo à terra nua podem reduzidos à metade.
A Produtividade da terra é auferida quando se atingem, ao mesmo tempo, Grau de Utilização da Terra (GU) igual a 80% e Grau de Eficiência na exploração (GE) igual ou superior a 100%.
O GU deve ser calculado de acordo com a área utilizada e a área total do imóvel. Releva observar que não perde a qualificação de produtiva o imóvel que tiver renovação de pastagens tecnicamente conduzidas.
Além das pequenas e médias propriedades rurais, desde que seu proprietário não possua outra, e do imóvel produtivo, a lei criou mais uma hipótese de isenção de desapropriação: a propriedade em que se comprove estar sendo objeto de implantação de projetos técnicos.
Da mesma forma, as propriedades oficialmente destinadas à execução de pesquisa e experimentação que visem ao avanço tecnológico da agricultura não são passíveis de desapropriação.
De todo modo, vale mencionar que a Função Social da propriedade rural é cumprida quando ela atende, simultaneamente:
1) Aproveitamento racional e adequado;
2) Utilização adequada dos recursos naturais e meio ambiente;
3) Observância das relações trabalhistas;
4) Exploração que favoreça o bem-estar.
Não parece demasiado lembrar que para se auferir o GU é necessário que se observe a área aproveitável do imóvel (excluem-se as construções ou APP). As exclusões de APP ou área de Reserva Legal devem estar averbadas no RI (STJ).
O preço justo é o preço atual de mercado do imóvel. Integram o preço as florestas naturais, matas nativas e qualquer outro tipo de vegetação natural. Contudo, o montante a ser pago por essas áreas não podem ser superior ao valor de mercado do imóvel.
Inclusive, o STJ firmou entendimento de que a reserva florestal pode ser indenizada separadamente da terra nua, desde que haja prova de sua exploração econômica pelo proprietário (antes do decreto expropriatório), limitado o valor da indenização (terra nua mais a reserva) ao valor de mercado do imóvel.
O valor da indenização deve ser contemporâneo ao da data da avaliação, pouco importando quando tenha se dado a imissão na posse.
Caso se trate de imóvel pertencente aos estados ou municípios, a União pode desapropriá-los para Reforma Agrária, desde que precedido de autorização legislativa.
Feita a desapropriação, o órgão expropriante tem 3 anos, contados da data do registro translativo de propriedade, para dar a destinação ao bem.
O contrato a ser firmado com o beneficiário da Reforma Agrária é de cessão de uso ou título de domínio. O beneficiário deverá pagar o valor correspondente ao preço do imóvel em 20 anos, com carência de 3 anos. A correção monetária será reduzida em até 50% se o beneficiário pagar em dia.
Não podem ser beneficiários os proprietários rurais em geral, salvo o próprio desapropriado, os proprietários de minifúndio e agricultores cujas propriedades sejam insuficientes para sustento próprio e da família.
Nos instrumentos que conferem o título dominial ou a concessão de uso, o beneficiário assumirá a obrigação de cultivar o imóvel diretamente ou por seu núcleo familiar, ainda que por meio de cooperativas. É cláusula resolutória de domínio. E o título é inegociável por 10 anos.
As transferências dos imóveis (do proprietário para a União, e dela para os beneficiários) estão isentas de quaisquer impostos. Atualmente, por força de lei, também não será cobrado do beneficiário custas/emolumentos de registro translativo de propriedade.
Se o expropriante aceita a proposta, tem-se o fim da fase administrativa. Caso discorde, iniciar-se-á a fase judicial.
III - FASE JUDICIAL DA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA.
Fase judicial –O procedimento judicial da desapropriação para fins de Reforma Agrária está prevista na Lei Complementar nº 76/93. Bom que se afirme, de logo, que o procedimento previsto nesta lei não é compatível com o sobrestamento do feito, à espera do julgamento de outra causa (STF), correndo inclusive férias forenses.
Pelo que se depreende, a ação de desapropriação será precedida de decreto (autoexecutório) declarando o interesse social no imóvel; uma vez expedido, o Poder Público poderá adentrá-lo para vistoriar o imóvel, desde que devidamente autorizado pelo proprietário.Esse decreto pode ser atacado por MS.
A ação de desapropriação para fins de Reforma Agrária apresenta contenciosidade limitada, a saber, não é qualquer matéria que é passível de contestação. Nesse sentido, a produtividade do imóvel ou o interesse social declarado não podem ser suscitados no bojo da desapropriação.
Se no Decreto não constar a metragem do imóvel, mas apenas a que consta no registro, nenhuma problema advirá disso.
Contados do decreto, a ação deve ser ajuizada em 2 anos. Na pendência de liminar, o prazo decadência fica sobrestado.
Em caso de desapropriação parcial, o desapropriado pode, na contestação, requerer a desapropriação de todo o imóvel, desde que comprove: a) Que a área remanescente é menor que uma pequena propriedade rural; b) Que a área remanescente é inaproveitável, e seu valor é inferior ao da parte desapropriada.
A inicial da ação deve ser acompanhada, dentre outras coisas, do depósito em dinheiro do valor ofertado pelas benfeitorias, que poderá ser levantado, após a citação, pelo expropriado em até 80%, se não houver dúvida sobre o domínio. Intima-se o MP. Pode o juiz determinar, em 10dias da citação, audiência de conciliação.
Importante notar que no momento em que despacha a inicial, o juiz mandará imitir o autor na posse do imóvel, em 48h.
O expropriante pode desistir do curso da ação, desde que o faça antes do pagamento. Não se discute domínio no bojo dessa ação (STJ). A indenização deve incidir apenas sobre a área registrada no título dominial (STJ).
Os titulares de direitos reais incidentes no imóvel serão intimados de tudo. A natureza jurídica dessa ação é Real.
Serão citados os confrontantes que tenham demonstrado justificado interesse na demanda no curso do procedimento administrativo.
O laudo pericial será elaborado em 60dias. O magistrado pode determinar, de ofício, a produção de prova pericial nesse procedimento. A decisão judicial que homologa acordo entre os litigantes não produz coisa julgada material, podendo ser atacada por Ação Popular, mas não por ação rescisória (STJ).
Se a audiência de instrução e julgamento não ocorrer no prazo previsto (15d) ou mesmo não ocorrer, nenhuma nulidade advém, por si só, daí (STJ).
Dos Juros - Eles podem ser de dois tipos:
a) Compensatórios - Devido ante a imissão antecipada na posse do imóvel. Funda-se no desapossamento do imóvel. São fixados em 12% ao ano, a partir da imissão (STF 618).
b) Moratórios - devidos em razão da demora no pagamento à razão de 6% ao ano (STJ 12 e 70).
É possível a cumulação dos juros compensatórios e moratórios. Os juros moratórios também incidem sobre os juros compensatórios (Súmula 12 do STJ). Pela demora no pagamento do valor apenas cabem os juros, não cabendo indenização complementar (Súmula 416 do STJ).
A atualização monetária cabe mais de uma vez (Súmula 67 do STJ). E ela será devida entre a data do laudo pericial até o efetivo pagamento.
Na desapropriação indireta, os juros são devidos da ocupação do imóvel. No cálculo da verba advocatícia incluem-se os juros moratórios e compensatórios.
Eventual improdutividade do imóvel não afasta os juros compensatórios (STF). Da sentença, apenas caberá RN se do valor oferecido e a condenação resultar diferença superior a 50%.Além disso, de apelação interposta pelo expropriante caberá efeito suspensivo, ao passo que pelo expropriado, não caberá.
Nessas ações não se terá a figura do ministro revisor. A diferença resultante entre o valor ofertado e o condenado por conta das benfeitorias deve ser pago por precatórios (STF).
Transitada em julgado a sentença, o juiz mandará expedir mandado translativo de propriedade, pouco importante se as quantias foram ou não levantadas.
As ações judiciais reguladaspor essa Lei Complementar tem caráter preferencial e prejudicial sobre todas as outras que versem sobre o mesmo bem, isso acarreta o envio de todas as outras ações ao juízo da desapropriação, pouco importando quando as outras tenham sido ajuizadas. Os honorários devem incidir sobre a diferença entre o preço oferecido na inicial e o valor fixado em sentença, até o limite de 20%.
Os imóveis desapropriados, uma vez registrados em nome do expropriante, não podem ser objeto de ação reivindicatória.
Por fim, poderá haver retrocessão se ocorrer tredestinação ilícita.
IV. CONCLUSÃO.
À luz do que foi visto, observa-se que o procedimento de desapropriação para fins de Reforma Agrária possui diversas peculiaridades que tornam seu trâmite, seja administrativo, seja judicial, consideravelmente complexo, principalmente para o proprietário-desapropriado.
Bibliografia:
- ESTATUTO da Terra e Legislação Agrária. São Paulo: Atlas, 2008.
- FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
- LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2006.
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. Apontamentos acerca da desapropriação para fins de reforma agrária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42120/apontamentos-acerca-da-desapropriacao-para-fins-de-reforma-agraria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.