RESUMO: O presente artigo objetiva realizar uma abordagem acerca do benefício de auxílio-reclusão à luz do entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. º 1.479.564/SP.
INTRODUÇÃO
O auxílio-reclusão é benefício previdenciário criado com o escopo de assegurar a manutenção dos dependentes de segurados que foram recolhidos à prisão.
O benefício em comento tem sua origem na Lei Orgânica da Previdência Social, de 26 de agosto de 1960, nos termos a seguir:
Art. 43. Aos beneficiários do segurado, detento ou recluso, que não perceba qualquer espécie de remuneração da emprêsa, e que houver realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais, a previdência social prestará auxílio-reclusão na forma dos arts. 37, 38, 39 e 40, desta lei.
§ 1º O processo de auxílio-reclusão será instruído com certidão do despacho da prisão preventiva ou sentença condenatória.
§ 2º O pagamento da pensão será mantido enquanto durar a reclusão ou detenção do segurado o que será comprovado por meio de atestados trimestrais firmados por autoridade competente.
Verifica-se que, inicialmente, exigia-se o cumprimento da carência de 12 (doze) meses, requisito atualmente dispensado, conforme exegese do art. 26, da Lei n. º 8.213/1991.
A Emenda Constitucional n. º 20/1998 deu nova redação ao inciso IV, do art. 201 da Carta Magna, passando a restringir o direito à percepção do auxílio-reclusão apenas aos dependentes dos segurados de baixa renda.
DOS REQUISITOS
A Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) em vigor prevê o auxílio-reclusão no art. 80, que oportunamente se transcreve:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.
O Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/1999) assim disciplinou sobre o benefício em questão:
Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).
§ 1º É devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado.
§ 2º O pedido de auxílio-reclusão deve ser instruído com certidão do efetivo recolhimento do segurado à prisão, firmada pela autoridade competente.
§ 3º Aplicam-se ao auxílio-reclusão as normas referentes à pensão por morte, sendo necessária, no caso de qualificação de dependentes após a reclusão ou detenção do segurado, a preexistência da dependência econômica.
§ 4º A data de início do benefício será fixada na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até trinta dias depois desta, ou na data do requerimento, se posterior, observado, no que couber, o disposto no inciso I do art. 105. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)
§ 5º O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)
§ 6º O exercício de atividade remunerada pelo segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado ou semi-aberto que contribuir na condição de segurado de que trata a alínea "o" do inciso V do art. 9º ou do inciso IX do § 1º do art. 11 não acarreta perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão pelos seus dependentes. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)
Portanto, depreende-se que, para fazer jus ao benefício, os dependentes do segurado recolhido à prisão devem demonstrar o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) Recolhimento à prisão (em regime fechado ou semi-aberto) de segurado do regime geral da previdência social;
b) Enquadramento do recluso como segurado de baixa renda;
c) Não recebimento, pelo segurado preso, de remuneração da empresa, nem de renda proveniente de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço.
Atualmente, vige a Portaria Interministerial MPS/MF n. º 19 de 10/01/2014, que estabelece o parâmetro para enquadramento como baixa renda, restando convencionado que apenas os segurados que recebem até R$ 1.025,81 (um mil e vinte e cinco reais e oitenta e um centavos), podem ser enquadrados como tal.
DA CONTROVÉRSIA QUANTO AO ENQUADRAMENTO COMO BAIXA RENDA
Algumas controvérsias surgiram em relação ao enquadramento como baixa renda.
Em dado momento, a jurisprudência vinha se inclinando a considerar a renda percebida pelos dependentes, e não pelo segurado, para a aferição do enquadramento como baixa renda. Nesse sentido já julgou a Turma Nacional de Uniformização. Vejamos:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO- RECLUSÃO. ARTIGO 19 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 DE 1998. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. REQUISITO ECONÔMICO DOS DEPENDENTES BENEFICIÁRIOS. 1 - O requisito econômico para o acesso ao benefício do auxílio-reclusão, instituído pelo artigo 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998, refere-se à renda dos beneficiários da proteção previdenciária, vale dizer, dos dependentes do segurado recluso. 2 - Interpretação da norma constitucional derivada por meio dos princípios constitucionais hermenêuticos da unidade e da força normativa da Constituição, tendo presente, além da letra do artigo 13 e da finalidade do benefício em questão, sua conexão com o direito fundamental social à previdência social. 3 - Pedido conhecido e improvido.
(PEDILEF 200372040049391, Juiz Federal Roger Raupp Rios, TNU - Turma Nacional de Uniformização.)
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, com reconhecimento da repercussão geral da matéria, julgou o Recurso Extraordinário n. º 587.365/SC, pacificando o entendimento de que o parâmetro da renda a ser considerada para efeito de enquadramento como baixa renda é aquela percebida pelo segurado recolhido à prisão. A decisão foi assim ementada:
EMENTA:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
I – Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes.
II – Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários.
III – Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade.
IV - Recurso extraordinário conhecido e provido.
(Recurso Extraordinário n. º 587.365/SC – Data do Julgamento: 25/03/2009 – Relator: Ministro Ricardo Lewandowski)
Portanto, restou pacificada a constitucionalidade da restrição veiculada pela Emenda n. º 20/1998, entendendo o Pretório Excelso que a sistemática de aferição da necessidade dos dependentes tem respaldo no princípio da seletividade.
Pois bem, em que pese o entendimento exarado pela Corte Suprema, em recente sessão realizada em 06 de novembro de 2014, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. º 1.479.564/SP, entendeu no sentido da possibilidade da flexibilização do critério “baixa renda” exigido pela norma de regência. Vejamos a ementa do julgado em apreço:
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO ABSOLUTO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PREVALÊNCIA DA FINALIDADE DE PROTEÇÃO SOCIAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O benefício de auxílio-reclusão destina-se diretamente aos dependentes de segurado que contribuía para a Previdência Social no momento de sua reclusão, equiparável à pensão por morte; visa a prover o sustento dos dependentes, protegendo-os nesse estado de necessidade.
2. À semelhança do entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do Recurso Especial 1.112.557/MG, Representativo da Controvérsia, onde se reconheceu a possibilidade de flexibilização do critério econômico definido legalmente para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, previsto na LOAS, é possível a concessão do auxílio-reclusão quando o caso concreto revela a necessidade de proteção social, permitindo ao Julgador a flexiblização do critério econômico para deferimento do benefício, ainda que o salário de contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda.
3. No caso dos autos, o limite de renda fixado pela Portaria Interministerial, vigente no momento de reclusão da segurada, para definir o Segurado de baixa-renda era de R$ 710,08, ao passo que, de acordo com os registros do CNIS, a renda mensal da segurada era de R$ 720,90, superior aquele limite
4. Nestas condições, é possível a flexibilização da análise do requisito de renda do instituidor do benefício, devendo ser mantida a procedência do pedido, reconhecida nas instâncias ordinárias.
5. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.479.564 - SP RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO – Data do Julgamento: 06/11/2014).
Contudo, data venia, não conduziu bem o Ilustre Relator. Com efeito, já não bastasse a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (que declarou a constitucionalidade do art. 201, IV da Constituição Federal), entendo que as razões de decidir do REsp n. º 1.112.557/MG não se aplicam ao caso em questão.
Na discussão acerca da miserabilidade exigida para a concessão do benefício assistencial, vislumbra-se a possibilidade da aferição do requisito em baila por outros meios de prova. A condição de miserável pode estar revestida por vários contornos, cuja análise deve se dar em cada caso.
Contudo, o conceito de “baixa renda” é, e deve ser, objetivo, não havendo espaço para flexibilizações. Há de se ter um critério bem delineado para distinguir situações, e respectivas esferas de direitos, sob pena de pôr em risco a governabilidade.
Decisões da espécie podem dar margens a diversas discussões, como, por exemplo, os valores da tabela progressiva de imposto de renda. Por que apenas quem ganha abaixo de R$ 1.787,77 é isento da referida exação? Não seria razoável isentar quem ganha R$ 1.850,00?
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça realça os questionamentos acerca dos limites do ativismo judicial, já tão difundido no ordenamento jurídico pátrio. Há de se defender que ao Poder Judiciário é defeso a invasão das atribuições que não lhes são inerentes, sob pena de pôr em risco a soberania popular.
Em face da decisão em baila, o Instituto Nacional do Seguro Social interpôs recurso, protocolado em 24/11/2014. Aguardar-se-á a modificação do entendimento em apreço, a fim de harmonizar com a decisão do Pretório Excelso no Recurso Extraordinário n. º 587.365/SC.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4ª ed., São Paulo: Leud, 2009.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 10ª ed., Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.
ROCHA, Daniel Machado da; JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 8ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2008.
VIANA, Cláudia Salles Vilela. Previdência Social: Custeio e Benefícios. 2ª ed., São Paulo: LTr, 2008.
ZAMBITE, Fábio Ibrahim. Curso de Direito Previdenciário. 9ª ed., Niterói: Impetus, 2007.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 26 de novembro de 2014.
BRASIL. Lei n. º 8.213/1991 (Lei de Benefícios). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 27 de novembro de 2014.
BRASIL. Decreto n. º 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2014.
BRASIL. Lei n. º 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3807.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2014.
BRASIL. Instrução Normativa INSS/PRES n. º 45, de 06 de Agosto de 2010. Disponível em: < http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/inss-pres/2010/45_1.htm>. Acesso em: 26 de novembro de 2014.
BRASIL. Portaria Interministerial MPS/MF n. º 19 de 10/01/2014. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2013/..%5C2014%5C19.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2014.
Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Membro da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THIAGO Sá ARAúJO THé, . Da flexibilização do critério de baixa renda para concessão do auxílio-reclusão - análise do Recurso Especial 1.479.569/SP Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42152/da-flexibilizacao-do-criterio-de-baixa-renda-para-concessao-do-auxilio-reclusao-analise-do-recurso-especial-1-479-569-sp. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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