Recentemente, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação – MEC editou a Portaria 58, de 21 de novembro de 2014, regulamentando a concessão de bolsas de pesquisa, desenvolvimento, inovação e intercâmbio, no âmbito dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFs.
Nesta modalidade, os beneficiários recebem o pagamento das bolsas diretamente do Instituto Federal.
Os servidores técnico-administrativos do próprio Instituto Federal concedente, porém, ao contrário dos membros do corpo docente e de seus alunos, não poderão ser contemplados por tais bolsas.
As razões de tal exclusão são o objeto da presente abordagem.
O pagamento de bolsas de estudo e de pesquisa tem natureza de doação civil. Nesse sentido dispõe a Lei Federal 9.250/95, mencionada, inclusive, no corpo da citada Portaria 58/2014 do MEC, como fundamento para a isenção de imposto de renda na espécie:
“Art. 26. Ficam isentas do imposto de renda as bolsas de estudo e de pesquisa caracterizadas como doação, quando recebidas exclusivamente para proceder a estudos ou pesquisas e desde que os resultados dessas atividades não representem vantagem para o doador, nem importem contraprestação de serviços.”
Desse modo, em vista da indisponibilidade do patrimônio público, sua concessão depende de autorização legislativa específica.
A esse respeito, vale mencionar alguns trechos do voto proferido pelo relator do seguinte julgamento realizado pelo plenário do Tribunal de Contas da União (Decisão nº 577/97 - TCU-Plenário, TC 125.029/97-7 - Adm., Relator: Ministro Carlos Átila Álvares da Silva, sessão de 10/09/1997):
“(...) O art. 26 da Lei nº 9.250/95 isenta do imposto de renda as bolsas de estudo e de pesquisa que preencham os seguintes requisitos: (...). Com efeito, a doação é uma liberalidade que, em princípio, parece restrita a pessoas físicas, ao mundo privado. Respeitadas determinadas vedações legais, a pessoa física pode, como regra geral, efetuar as doações que bem entender com seu patrimônio particular. Quando o faz de forma desinteressada e para fins altruísticos, é estimulada, elogiada e em casos legalmente previstos até patrocinada pelo Poder Público com deduções no imposto de renda devido pelo doador, e com a isenção parcial ou total do imposto de renda devido pelo beneficiário. Ao gestor público, ao contrário, aplica-se princípio geral da vedação: não pode realizar doação às custas dos recursos do Estado, pois a ninguém é lícito praticar sponte sua liberalidade com o patrimônio comum da sociedade, ainda que com propósitos benemerentes. Admite-se porém a exceção legal. A doação é regular e permitida, quando amparada em expressa e excepcional autorização legislativa. Tal é, claramente, o caso do auxílio financeiro concedido aos inscritos em segunda etapa de concurso público.” (grifado)
E, no que se refere ao pagamento realizado diretamente por Institutos Federais, a disposição legal autorizadora, constante do § 6º do art. 5º da Lei nº 11.892/2008, restringe-se, como se pode constatar, a alunos, docentes e pesquisadores:
“Art. 5º Ficam criados os seguintes Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia:
(...)
§ 6º Os Institutos Federais poderão conceder bolsas de pesquisa, desenvolvimento, inovação e intercâmbio a alunos, docentes e pesquisadores externos ou de empresas, a serem regulamentadas por órgão técnico competente do Ministério da Educação.”
Não há, de fato, menção a servidores técnico-administrativos.
Em relação aos docentes, essa possibilidade é reafirmada em seu plano de carreira (Lei 12.772/2012):
“Art. 21. No regime de dedicação exclusiva, será admitida, observadas as condições da regulamentação própria de cada IFE, a percepção de:
(...)
III - bolsas de ensino, pesquisa, extensão ou de estímulo à inovação pagas por agências oficiais de fomento ou organismos internacionais amparadas por ato, tratado ou convenção internacional;
IV - bolsa pelo desempenho de atividades de formação de professores da educação básica, no âmbito da Universidade Aberta do Brasil ou de outros programas oficiais de formação de professores;
V - bolsa para qualificação docente, paga por agências oficiais de fomento ou organismos nacionais e internacionais congêneres;
(...)
VII - outras hipóteses de bolsas de ensino, pesquisa e extensão, pagas pelas IFE, nos termos de regulamentação de seus órgãos colegiados superiores;”
O mesmo, contudo, não ocorre em relação aos servidores técnico-administrativos, visto que não se constata previsão similar em seu plano de carreira, estruturado por meio da Lei 11.091/2005.
É certo que no aludido plano de carreira dos servidores técnico-administrativos, lhes são atribuídas atividades como “planejar, organizar, executar ou avaliar as atividades técnico-administrativas inerentes à pesquisa e à extensão nas Instituições Federais de Ensino” (art. 8º, inciso II).
Porém, tal previsão, notadamente por seu grau de generalidade, não pode ser tida como autorização legal específica para o recebimento de bolsas.
Vale lembrar que o já referido plano de carreira dos docentes (Lei 12.772/2012) também possui uma disposição genérica de mesma envergadura:
“Art. 2º São atividades das Carreiras e Cargos Isolados do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal aquelas relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão e as inerentes ao exercício de direção, assessoramento, chefia, coordenação e assistência na própria instituição, além daquelas previstas em legislação específica.”
Nem por isso deixou de trazer, como já transcrito acima, uma previsão específica para que percebessem “bolsas de ensino, pesquisa e extensão, pagas pelas IFE” (Art. 21, VII).
A propósito desta diferenciação entre docentes e servidores técnico-administrativos, não custa fazer alguns esclarecimentos também em relação ao material disponibilizado pela Controladoria-Geral da União, intitulado “Coletânea de Entendimentos – Gestão de Recursos das Instituições Federais de Ensino Superior e dos Institutos que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – Perguntas e Respostas”[1], que busca orientar o gestor público no que se refere aos procedimentos a serem seguidos nesta modalidade de concessão de bolsas.
No ponto que interessa à presente abordagem, apresenta as seguintes orientações:
“58 Quais as formas de pagamento de bolsas diretamente pelas IFEs?
As bolsas eventualmente criadas pelas IFEs deverão ser oferecidas a pessoas diretamente ligadas à instituição, como meio para a efetivação de suas atividades científico-educacionais. No entanto, a criação/uso desse benefício deverá obedecer às seguintes regras gerais aplicáveis a toda a Administração Pública:
1. Não deve constituir prestação pecuniária de natureza salarial, mas de doação civil a título de incentivo;
2. Devem ser observados os recursos, os limites orçamentários, bem como a finalidade e descrição da ação orçamentária;
3. Deve haver previsão de criação das bolsas pelo Conselho Superior da IFE ou órgão equivalente, bem como dos seus quantitativos, critérios de seleção e de elegibilidade para o recebimento das bolsas;
4. Deve existir um projeto específico que comprove sua finalidade vinculada ao desenvolvimento da área do aprendizado ou ao desenvolvimento de um trabalho de pesquisa científica ou tecnológica;
5. Deve ser comprovado que a atividade desempenhada não seja vinculada ao cumprimento de uma competência própria de seu cargo efetivo, ou seja, que a atribuição desempenhada seja uma atividade extra-laboral;
6. Deve haver prazo determinado para a conclusão do projeto de capacitação ou de pesquisa.
Os quatro primeiros itens são aplicáveis a bolsas para estudantes e todos os 6 itens para as bolsas a servidores.” (grifado)
Perceba-se que que a coletânea, neste ponto, busca apenas fixar alguns quesitos a serem observados quando da realização do pagamento direto. Em relação aos destinatários, afirma tão-somente que deverão ser “pessoas diretamente ligadas à instituição”.
O vocábulo “servidores”, da forma como é utilizado, se volta a contrapor o conceito de “estudantes”, o que denota a intenção de conferir uma acepção ampla à noção de servidor público.
Nesse sentido, não se afigura razoável crer que estaria a coletânea se referindo especificamente a servidores técnico-administrativos. Mesmo porque, a prevalecer tal raciocínio, seriam os docentes os excluídos da possibilidade de tais pagamentos, na medida em que não há menção a “professores” ou “docentes”.
Ademais, como se sabe, tais dizeres hão de ser interpretados à luz da legislação, sob pena de extrapolarem sua função de mera sistematização e orientação de práticas.
De toda sorte, é preciso registrar que tal constatação nem de longe traz como consequência o completo alijamento dos servidores técnico-administrativos da possibilidade de se tornarem bolsistas, uma vez que a restrição ora apontada diz respeito a uma única modalidade de recebimento de bolsa, qual seja, aquela onde o pagamento é realizado diretamente pela IFE.
Afinal há previsão legal contemplando expressamente tal categoria em outras duas hipóteses.
A Lei federal 8.958/1994 prevê, em seu art. 1º[2], que as Instituições Federais de Ensino Superior celebrem convênios e contratos com fundações de apoio a projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação.
Tais fundações de apoio são autorizadas a conceder bolsas para a consecução de seus objetivos, inclusive para os servidores de IFES, pelos arts. 4º e 4ºB do mesmo diploma:
Art. 4º As IFES e demais ICTs contratantes poderão autorizar, de acordo com as normas aprovadas pelo órgão de direção superior competente e limites e condições previstos em regulamento, a participação de seus servidores nas atividades realizadas pelas fundações referidas no art. 1º desta Lei, sem prejuízo de suas atribuições funcionais.
§ 1º A participação de servidores das IFES e demais ICTs contratantes nas atividades previstas no art. 1º desta Lei, autorizada nos termos deste artigo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, podendo as fundações contratadas, para sua execução, conceder bolsas de ensino, de pesquisa e de extensão, de acordo com os parâmetros a serem fixados em regulamento.
(...)
§ 4º Os servidores ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança nas IFES e demais ICTs poderão desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão no âmbito dos projetos apoiados pelas fundações de apoio com recebimento de bolsas.
(...)
Art. 4º-B. As fundações de apoio poderão conceder bolsas de ensino, pesquisa e extensão e de estímulo à inovação aos estudantes de cursos técnicos, de graduação e pós-graduação e aos servidores vinculados a projetos institucionais, inclusive em rede, das IFES e demais ICTs apoiadas, na forma da regulamentação específica, observados os princípios referidos no art. 2º.
O mesmo ocorre no âmbito da Lei federal 10.973/2004, que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País.
Seu art. 9º faculta às Instituições Científicas e Tecnológicas, entre as quais se incluem os IFs, celebrar acordos de parceria para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, com instituições públicas e privadas. Nesta hipótese poderá haver o pagamento de bolsas aos servidores do IF celebrante, por meio da instituição de apoio ou agência de fomento parceira. Eis a redação do dispositivo:
Art. 9º É facultado à ICT celebrar acordos de parceria para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, com instituições públicas e privadas.
§ 1º O servidor, o militar ou o empregado público da ICT envolvido na execução das atividades previstas no caput deste artigo poderá receber bolsa de estímulo à inovação diretamente de instituição de apoio ou agência de fomento.
Nesses casos, portanto, diversamente do que ocorre em relação ao pagamento realizado diretamente por IFs, há autorização legal expressa para o recebimento de bolsas por servidores técnico-administrativos.
CONCLUSÃO
Com base nos fundamentos aqui deduzidos, buscou-se demonstrar que, por ausência de autorização legal específica, não há possibilidade jurídica de pagamento direto pelas IFs de bolsas a seus respectivos servidores técnico-administrativos, sendo tal modalidade restrita a alunos, docentes e pesquisadores externos, observadas as demais exigências normativas.
Mostrou-se, por outro lado, que a impossibilidade de pagamento direto não impede que tais servidores técnico-administrativos sejam contemplados com o recebimento de bolsas concedidas por intermédio de fundações de apoio ou agências de fomento, nos termos das Leis federais 8.958/94 e 10.973/2004.
[1] Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/ife.pdf >. Acesso em: 28 nov. 2014.
[2] Art. 1º As Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e as demais Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs, de que trata a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do caput do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Leonardo Vasconcellos. A concessão de bolsas no âmbito dos Institutos Federais e a situação de seus servidores técnico-administrativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42153/a-concessao-de-bolsas-no-ambito-dos-institutos-federais-e-a-situacao-de-seus-servidores-tecnico-administrativos. Acesso em: 23 dez 2024.
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