Introdução
Para caracterização do acidente de trabalho é necessário que o infortúnio tenha relação com a atividade laboral. Não necessariamente que ocorra no ambiente de trabalho, mas que de alguma forma seja decorrente dele. Veremos que a partir do surgimento do NTEP o empregado não mais depende da emissão da CAT por parte do empregador para caracterizar o infortúnio como decorrente da relação trabalhista.
Desenvolvimento
Ao liame existente entre o infortúnio e a atividade exercida pelo segurado dá-se o nome de nexo causal.
Há, porém, determinadas situações que foram enquadradas como acidente do trabalho pelo legislador[1], nas quais o nexo causal é verificado de forma indireta, já que não há qualquer vínculo entre elas e a atividade laboral da vítima.
O inciso I, do artigo 21, da Lei 8.213/91, excepciona a existência do nexo causal para caracterização do acidente de trabalho ao dispor sobre a hipótese de concausa, ou seja, situações em que embora o acidente não seja a única causa, ele contribuiu diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produziu lesão que exija atenção médica para sua recuperação. A concausa pode ser anterior, simultânea ou posterior[2], não sendo relevante para fins de assegurar ao acidentado a proteção acidentária.
Até meados de 2006, a CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho constituía a fonte primária para caracterização do infortúnio como acidentário. A emissão da CAT era imprescindível para comprovar o nexo causal entre o dano à saúde do empregado e a atividade por ele exercida. Emitida a CAT, se o acidente nela informado gerasse afastamento do acidentado por prazo superior a 15 dias, o benefício a ser concedido pela Previdência Social seria de natureza acidentária. Caso contrário, o benefício seria concedido como previdenciário. Neste caso, para ter seus direitos trabalhistas garantidos, cabia ao empregado provar que o dano à sua saúde decorreu ou foi agravado pelo exercício de sua atividade laborativa.
Para o trabalhador esta diferenciação é de suma importância, já que somente se o benefício for caracterizado como acidentário fará jus ao depósito do FGTS durante o período que receber benefício da Previdência Social, bem como gozará de estabilidade de doze meses após o retorno ao trabalho.
O artigo 22 da Lei 8.213/91 estabelece que, não havendo morte, a empresa deverá comunicar o acidente à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência. Noutra hipótese deverá comunicar de imediato à autoridade competente. Em ambos os casos, a empresa está sujeita à pena de multa por descumprimento, a ser aplicada e cobrada pela Previdência Social.
Ocorre que a imposição da multa prevista no supracitado dispositivo legal não se tem mostrado eficaz no objetivo de compelir os empregadores a emitir a comunicação, já que eles têm preferido arcar com o ônus financeiro, atraídos pelos baixos valores das multas administrativas e pela inércia fiscalizatória do Estado, a assumir uma possível confissão jurídica de culpa pela ocorrência do infortúnio.
Consequência disto é que a emissão da CAT tornou-se ato discricionário do empregador, em total desprezo às prescrições impostas pelas normas de proteção e saúde no ambiente do trabalho, com conseqüente prejuízo do trabalhador, já que sem a CAT o infortúnio acabava por não ser reconhecido pelo INSS como acidente de trabalho e ele ficava sem as garantias previstas na legislação trabalhista.
Do ponto de vista formal, a emissão da CAT, apesar de conter indícios que poderiam acarretar na responsabilização do empregador, não implica necessariamente na admissão de culpa nem assunção de responsabilidade civil ou penal do emitente. Por outro lado, a CAT gera obrigações para com o trabalhador, inerentes à relação de emprego (estabilidade, depósito do FGTS).
Para o Estado, a finalidade precípua da CAT é propiciar a coleta de informações de interesse estatístico e epidemiológico sobre a ocorrência de acidentes do trabalho, que, como visto, não vem acontecendo a contento, haja vista o descumprimento sistemático, por parte dos empregadores, das regras que determinam a emissão da CAT, corroborado pela dificuldade de fiscalização por se tratar de fatos individualizados.
O Conselho Nacional da Previdência Social - CNPS, por meio da Resolução n. 1.236, de 10 de maio de 2004[3], em estudo objetivando implementar as diretrizes estabelecidas no artigo 10 da Lei 10.666/2003[4], manifestou-se sobre a CAT nos seguintes termos:
A questão da sonegação da Comunicação de Acidentes do Trabalho – CAT é assunto complexo e demarcado por aspectos políticos, econômicos e sociais, para o qual nenhuma explicação é suficiente. Dentre as principais destacam-se as seguintes:
i) Como o acidente/doença ocupacional é considerado socialmente derrogatório, evita-se que o dado apareça nas estatísticas oficiais;
ii) para que não se possa reconhecer a estabilidade no emprego de um ano de duração a partir do retorno do trabalhador;
iii) para se ter liberdade de poder despedir o trabalhador a qualquer tempo;
iv) para não se depositar a contribuição devida de 8% do salário, em conta do FGTS, correspondente ao período do afastamento;
v) para não se reconhecer a presença de agente nocivo causador da doença do trabalho ou profissional e para não se recolher a contribuição específica correspondente ao custeio da aposentadoria especial para os trabalhadores expostos aos mesmos agentes.
Ante estas premissas, o estudo supracitado concluiu que, se fossem utilizados os registros dos acidentes do trabalho informados por intermédio da CAT, os sonegadores seriam beneficiados, em prejuízo das empresas que têm desenvolvido ações efetivas de proteção do trabalhador.
Com a finalidade de substituir a CAT como instrumento indispensável à caracterização da natureza acidentária dos infortúnios acometidos aos trabalhadores, foi editada a Medida Provisória n. 316, de 11/08/2006, posteriormente convertida na Lei n. 11.430[5], de 26/12/2006, que incluiu o artigo 21-A na Lei 8.213/1991, nos seguintes termos:
A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.
Em suma, o que a norma estabelece é uma presunção legal, vinculando a doença acometida ao trabalhador à atividade exercida por ele, sempre que esta estiver relacionada com o histórico de trabalhadores acometidos de patologia idêntica. Consequentemente, o evento será tido como acidentário sempre que se verificar nexo técnico epidemiológico entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida relacionada com a CID motivadora da incapacidade. Por oportuno, vale transcrever aqui o item “10” da Exposição de Motivos da citada Medida Provisória:
10. Assim, denomina-se Nexo Técnico Epidemiológico a relação entre Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e o agrupamento CID-10. É, na verdade, uma medida de associação estatística, que serve como um dos requisitos de causalidade entre um fator (nesse caso, pertencer a um determinado CNAE-classe) e um desfecho de saúde, mediante um agrupamento CID, como diagnóstico clínico. Por meio desse nexo, chega-se à conclusão de que pertencer a um determinado segmento econômico (CNAE-classe) constitui fator de risco para o trabalhador apresentar uma determinada patologia (agrupamento CID-10).
Importante anotar que ao contrário da CAT, a CID é imune à sonegação da empresa, já que independe de declaração desta. Existirá sempre que for atestada a incapacidade do trabalhador pelo médico que prestou o atendimento, independentemente de sua natureza acidentária ou previdenciária.
Tabela comparativa de Benefícios Acidentários Previdenciários antes (2006) e depois (2007-2008) da Aplicação do NTEP, apresentada na obra de Remígio Todeschini e Wanderley Codo[6], comprova o incremento significativo no reconhecimento de doenças relacionadas ao trabalho nos principais agrupamentos de doenças/acidentes verificados no Brasil. As doenças osteomusculares (LER/DORT) tiveram um crescimento de 588% na relação entre 2006 e 2008, e aquelas relacionadas a transtornos mentais e comportamentais apresentaram crescimento de 1.094% no mesmo período.
Importante ressaltar que a emissão da CAT não deixou de ser obrigatória, haja vista que ela se presta a outras finalidades. Apenas deixou de ser imprescindível para o reconhecimento da natureza acidentária do benefício a ser concedido pelo INSS, o qual será automaticamente caracterizado se verificado o nexo técnico epidemiológico.
Uma vez verificado o nexo técnico epidemiológico, caberá à empresa o ônus de provar que as doenças e os acidentes de trabalho não foram causados pela atividade desenvolvida pelo trabalhador.
Dentre os aspectos que justificaram, sob a visão do INSS, a adoção desse novo regramento, deve ser destacado o incentivo à melhoria das condições de labor e da saúde do trabalhador mediante o estímulo às empresas de implementação de políticas que reduzam a acidentalidade.
Daí que o NTEP veio para caminhar em direção a uma política em segurança e saúde do trabalhador voltada ao combate e à prevenção dos agravos à saúde no trabalho, na medida em que a metodologia permite evidenciar as relações entre saúde e trabalho que ainda são desconhecidas ou incidências de relações conhecidas em lugares não conhecidos, de forma a proporcionar a implementação de políticas públicas muito mais amplas nesta seara.
O NTEP apresenta-se ainda como importante estímulo para os empregadores promoverem a prevenção laboral, não só como vantagem competitiva associada a ganhos de imagem mercadológica quanto ao item segurança e saúde do trabalho – SST, mas também em função da possibilidade de redução das alíquotas de 1%, 2% ou 3%, estabelecidas para o financiamento dos benefícios concedidos em decorrência de acidentes do trabalho, em razão do desempenho da empresa em relação às demais pertencentes à mesma atividade econômica.
Isto porque a partir da regulamentação do artigo 10[7] da Lei 10.666/2003, através do Decreto n°. 6.042/2007, tornou-se possível a flexibilização das alíquotas do SAT, aumentando ou reduzindo em função do desempenho da empresa em relação às demais pertencentes à mesma atividade econômica. Ou seja, impõe maior gravame financeiro ao contribuinte negligente com as medidas preventivas em sua empresa, ao mesmo tempo em que privilegia aquele que prioriza a segurança do ambiente do trabalho e a saúde dos seus trabalhadores.
Para Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira[8], “tal fato representa um avanço significativo no aperfeiçoamento das políticas de proteção social e estimula o desenvolvimento econômico do País por meio da redução de custos e fomento ao trabalho saudável”.
Por outro lado, significa a adoção de um o viés mais preventivo. Desta forma, o Seguro de Acidente de Trabalho – SAT passa a ter um efeito de estímulo à prevenção de acidentes do trabalho, evitando suas conseqüências nefastas para os acidentados e suas famílias, bem como os conseqüentes custos sociais e econômicos[9].
Conclusão
Concluímos que a defesa do NTEP é de suma importância, pois trata-se de instrumento valioso de combate à subnotificação, que propicia dados mais precisos sobre acidentes e doenças ocupacionais, permitindo a criação de instrumentos para melhorar a gestão da área de benefícios por incapacidade, e, consequentemente, a formulação de políticas próprias da Previdência Social para a temática acidentária.
Referências bibliográficas
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ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) e Fator Acidentário de Prevenção (FAP) – Objetivos Apenas Prevencionista, Apenas Arrecadatório, ou Prevencionista e Arrecadatório? Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, IOB – Biblioteca Digital, n. 249, março, p. 50-61, 2010.
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_____. Comunicação de Acidente do Trabalho na Suspeita de Doença Ocupacional. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, IOB – Biblioteca Digital, n. 197, novembro, p. 9-14, 2005.
MORAIS, Leonardo Bianchini. O fator acidentário previdenciário (FAP) e o nexo técnico epidemiológico (NTE). Obtida via internet. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10065>. Acesso em 21 novembro 2009.
OLIVEIRA, Paulo Rogério Albuquerque; BARBOSA-BRANCO, Anaderch. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, Fator Acidentário de Prevenção – FAP: um novo olhar sobre a saúde do trabalhador. 1. ed. São Paulo: LTr, 2009.
OLIVEIRA, Paulo Rogério Albuquerque. Segurança e Saúde no Trabalho – SST e a Previdência Social: A Nova Metodologia de Financiamento dos Benefícios Acidentários. Informe de Previdência Social, Brasília, vol. 16, n. 06 (jun.), 2004.
TODESCHINI, Remígio; CODO, Wanderley. O novo seguro de acidente e o novo FAP. 1. ed. São Paulo: LTr, 2009.
TODESCHINI, Remígio. Políticas Públicas em Saúde e Segurança do Trabalhador (SST) na Previdência Social: como vencer a guerra dos acidentes, doenças e mortes no Trabalho. Informe de Previdência Social, Brasília, vol. 20, n. 05 (maio), 2008.
[1] Lei 8.213/91, art. 21, incisos II, III e IV.
[2] GONÇALVES, 2005, p. 198.
[3] Disponível em <http://www1.previdencia.gov.br/docs/pdf/Resolucao_1269_2006.pdf> acesso em 18/03/2010.
[4] Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
[5] A Confederação Nacional da Indústria – CNI ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.931 contra esta Lei. O pedido de liminar está pendente de apreciação pela Rel. Ministra Cármen Lúcia.
[6] 2009, p.24.
[7] Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
[8] 2004, p. 1.
[9] Não obstante a relevância deste ponto, uma abordagem mais profunda ultrapassa os limites propostos por este trabalho.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal em Minas Gerais, órgão da Advocacia-Geral da União - AGU; Pós-graduado em Direito Público, com ênfase em Direito Previdenciário; 10 anos de atuação na área de Direito Previdenciário, na defesa do INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Edmilson Márcio. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP como instrumento de caracterização do acidente do trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42159/nexo-tecnico-epidemiologico-previdenciario-ntep-como-instrumento-de-caracterizacao-do-acidente-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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