RESUMO: O artigo trata do direito das crianças e dos adolescentes à educação, abordando, também, a forma de apuração de irregularidades nas entidades de atendimento e de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente.
PALAVRAS-CHAVE: criança, adolescente, direito, educação, apuração, irregularidades.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Do direito das crianças e dos adolescentes à educação. 1.1 Da educação. 1.2 Dos deveres do Estado. 1.3 Do dever dos pais. 1.4 Das obrigações dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino fundamental. 1.5 Das obrigações do Poder Público. 2. Da apuração de irregularidades nas entidades de atendimento. 2.1 Da classificação das entidades. 2.2 Da apuração de irregularidades. 2.3 Das medidas aplicáveis às entidades. 3. Da apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente. Conclusão. Referências.
Introdução
Para reflexão inicial, importante destacar a Declaração dos Direitos da Criança, documento por meio do qual a Assembleia Geral trata dos princípios que tutelam a criança e declara no seu 7º princípio que:
“A criança tem direito a uma educação que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos níveis elementares. Deve se beneficiar de uma educação que contribua para sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade e oportunidades, o desenvolvimento de suas faculdades, seu julgamento pessoal e seu senso de responsabilidade moral e social e de tornar-se um membro útil da sociedade.
O interesse superior da criança deve ser o guia daqueles que têm a responsabilidade de sua educação e orientação: esta responsabilidade incumbe prioritariamente aos pais.
A criança deve ter todas as possibilidades de se dedicar a jogos e atividades recreativas que devem ser orientados para fins visados pela educação. A sociedade e os poderes públicos devem se esforçar por favorecer o gozo deste direito.”
Com essas palavras em mente, passa-se à análise do tema proposto.
1. Do direito das crianças e dos adolescentes à educação
Como é de amplo conhecimento, o Estado deve garantir à criança e ao adolescente o seu direito subjetivo à educação. Neste sentido, o art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece os direitos do menor quanto ao acesso e permanência na escola, assim como outros direitos que permitem a efetiva produção de resultados quanto ao processo educacional.
O artigo 205 da Constituição Federal assegura o acesso de todos à educação, sendo dever do Estado e da família promover sua distribuição e implementação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a vida, para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional.
Na verdade, quando o Estatuto assegura à criança e ao adolescente igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, o direito de ser respeitado por seus educadores, o direito de contestar critérios de avaliação, o direito de organização e participação em atividades estudantis e o acesso à escola pública e próxima à sua residência, nada mais está fazendo que regulamentar a necessidade de a criança alfabetizar-se de forma digna, o que a levará a ter uma convivência sadia e equilibrada na sociedade.
O artigo 54 do Estatuto, reproduzindo o art. 208 da Constituição Federal, repete os deveres do Estado relativos à educação. São deveres que asseguram o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, bem como o ensino médio e o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência.
São complementados pelo atendimento em creche e pré-escola de crianças de zero a seis anos de idade, do acesso à pesquisa, ensino noturno regular e suporte para o atendimento ao ensino fundamental, com material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Destaque-se que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
O capítulo IV, do título II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, trata do direito das crianças à Educação. Todavia, em análise mais profunda do artigo 55, vê-se que ele não trata propriamente de um direito, mas sim de uma obrigação que seus pais ou tutores devem ter para com aquelas.
Isto é certo, tanto que o título IV da Lei, que trata Das Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável, em seu artigo 129, V, dispõe:
“São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
[...]
V- obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; [...]”
Com o intuito de reforçar este dispositivo, o Estado determinou na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, no título III – Do Direito à Educação e do Dever de Educar -, em seu art. 6º: “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental”.
Porém, muitas vezes o que a realidade retrata não condiz com os ditames acima. A fim de complementar a renda familiar, muitos pais preferem não matricular seus filhos em escolas básicas, pondo-os a trabalhar durante o dia todo, em lugares não condizentes com a saúde e educação do menor.
Outras vezes o que acontece é o inverso, mães e pais passam horas, e até dias, nas filas dos colégios para conseguir uma vaga na sala de aula, e muitas vezes, sem obter sucesso. Quando isto acontecer, os pais ou responsáveis devem comunicar imediatamente o Conselho Tutelar para que a autoridade competente (secretário de Educação, prefeito, etc.) seja responsabilizada.
1.4 Das obrigações dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino fundamental
O artigo 56 do Estatuto trata das obrigações atribuídas aos dirigentes dos estabelecimentos do ensino fundamental, concernentes aos maus-tratos, reiteração de faltas injustificadas, de evasão escolar, e elevados índices de repetência, os quais deverão ser comunicados ao Conselho Tutelar.
Isto se deve a argumentos muito fortes como: muitos alunos de periferia ou de família pobre estão tendo dificuldades para continuar seus estudos, ou por estarem matriculados longe de suas casas, ou por falta de recursos da família (alimentação, roupas etc). Em muitos casos, esses alunos acabam abandonando a escola após certo tempo sem que haja qualquer empenho em trazê-los de volta.
Quanto aos maus-tratos, é evidente que o temor venha a fazer com que a criança perca o total interesse em retornar ao local de ensino.
Tais medidas devem ser adotadas para que o Conselho Tutelar possa, de acordo com suas atribuições, apurar os responsáveis e, se for o caso, assegurar prisão especial.
1.5 Das obrigações do Poder Público
Já os artigos 57 a 59 do Estatuto tratam das responsabilidades atribuídas ao Poder Público – Municípios, Estados, Distrito Federal e União -, no tocante ao estímulo, valores culturais e recursos para o desempenho da educação da criança e do adolescente.
2. Da apuração de irregularidades nas entidades de atendimento
2.1 Da classificação das entidades
As entidades de atendimento ou assistência são aquelas que se destinam ao diagnóstico e ao tratamento de menores e adolescentes. Uma classificação ampla divide as instituições de assistência e proteção ao menor em públicas e particulares. As entidades públicas seguem as diretrizes da Política do Bem Estar do Menor, que foi implantada pela FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, criada com a Lei 4513 de 1º de dezembro de 1964.
2.2 Da apuração de irregularidades
As irregularidades nas entidades de atendimento são apuradas através de fiscalização pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares.
Essas entidades estão sob o controle judiciário e o controle administrativo. O controle administrativo refere-se aos planos de aplicação e prestação de contas. O Conselho Tutelar, em nome da comunidade, exercerá o controle administrativo das entidades de atendimento no que diz respeito à aplicação dos programas sociais, da prestação de contas e irregularidades administrativas.
Entretanto, o controle exercido pelo Judiciário, Conselho Tutelar e Ministério Público exige visitas e inspeções regulares para fiscalização dos estabelecimentos, a qualificação dos funcionários e sobretudo a pontual execução das medidas tutelares de internação, semiliberdade e liberdade provisória.
Tanto o controle administrativo como o controle judiciário terão, além da fiscalização dos serviços, a incumbência de fiscalizar as instalações físicas do estabelecimento, condições de habitação, higiene, salubridade e segurança, bem como cuidados médicos, psicológicos e toda a assistência à saúde do menor.
Note-se que os controles administrativos e judiciários são de caráter preventivo.
Segundo preceitua o artigo 191 do ECA, o procedimento de apuração de irregularidades terá início com uma portaria do juiz ou representação do Conselho Tutelar ou Ministério Público.
Tanto na portaria judicial quanto na representação ministerial deverão constar:
a) a qualificação completa da entidade e de seus dirigentes;
b) a descrição das irregularidades;
c) a tipificação da infração cometida;
d) os meios probatórios que se pretende produzir, inclusive testemunhal.
Já o parágrafo único do artigo 191 do ECA estabelece que, em casos mais graves, o dirigente da entidade poderá ser afastado provisoriamente, mediante liminar e decisão fundamentada.
Sendo o dirigente de entidade governamental afastado provisória ou definitivamente, a autoridade judiciária determinará à autoridade administrativa imediatamente superior ao afastado prazo para a substituição, devendo ser considerado como crime de desobediência o descumprimento da ordem judicial (CP art. 330).
Será o próprio dirigente da entidade quem receberá a citação formal, dando-lhe a notícia da ação contra ele proposta. A partir daí, terá o prazo estabelecido no artigo 192, para apresentar resposta escrita.
O artigo 193 diz que será marcada audiência de instrução e julgamento, se necessário for. Nessa audiência deverá prevalecer o princípio da oralidade e do contraditório.
2.3 Das medidas aplicáveis às entidades
As medidas aplicáveis às entidades governamentais são:
a) advertência;
b) afastamento provisório de seus dirigentes;
c) afastamento definitivo de seus dirigentes;
d) fechamento da unidade ou interdição de programa.
Já as entidades não-governamentais estarão sujeitas às seguintes medidas:
a) advertência;
b) suspensão total ou parcial do repasse de verbas públicas;
c) interdição de unidades ou suspensão de programas;
d) cassação do registro.
3. Da apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente
Desrespeitada qualquer norma de proteção à criança e ao adolescente prevista nos arts. 245 a 258 do ECA, caberá a aplicação das penas mencionadas nos artigos referidos, mediante o procedimento dos artigos 194 e seguintes do ECA.
Para entender o art. 194, é preciso destacar que o art. 156 do ECA trata da representação, que deverá ser seguida sob pena de ser considerada inepta.
O disposto no art.156, III do ECA (“A petição inicial indicará:... III – a exposição sumária do fato e o pedido;...”) assegura o direito de que o suposto transgressor possa ter ciência da acusação imposta para apresentar sua defesa.
Quanto ao procedimento “ex officio”, ao contrário do revogado Código de Menores, é vedado pelo ECA o início do procedimento por portaria do Juiz, por falta de previsão legal. Agindo desta forma, o ECA protegeu o princípio da iniciativa das partes, em concordância com o art. 2º do CPC.
Apesar de o Estatuto nada esclarecer acerca do momento em que deve ser oferecido o rol de testemunhas, a jurisprudência nos orienta a seguir o disposto no art. 152, que por sua vez estabelece a aplicação subsidiária das normas de legislação processual pertinente. Por analogia, o procedimento que mais se encontra em simetria com o procedimento administrativo de infância e juventude é o sumaríssimo, pelo qual, a inicial deve vir acompanhada do rol de testemunhas.
Quanto ao artigo 195 destaca-se que o procedimento, embora realizado pelo Magistrado, é administrativo e não judicial. O Juiz equipara-se ao agente público encarregado de aplicação de sanção, que neste caso, é de natureza administrativa e não se confunde com a multa aplicada na esfera penal, ressaltando-se que a pena pecuniária, neste caso, deve basear-se no salário mínimo, e não no salário de referência (Ap. 18.055-0, Rel. Lair Loureiro – TJSP).
Deve-se observar também que o procedimento é contraditório, devendo o requerido constituir advogado para apresentar sua defesa, podendo ainda, utilizar todos os meios de prova em direito admitidos.
Quando a representação é feita pelo Ministério Público, é desnecessário que o Juiz dê vista ao mesmo se inexistir nova produção de provas.
No caso de o requerido não apresentar sua defesa no prazo legal, ter-se-á a revelia, aplicando-se o previsto no art. 330, II do CPC, presumindo-se como verdadeiros os fatos alegados na representação ou no auto de infração.
Se for apresentada a defesa, o magistrado deverá decidir sobre a necessidade de dilação probatória, que não é obrigatória e impositiva. Segundo o princípio da utilidade da prova, adotado pelo ECA, a prova será ou não produzida segundo sua necessidade e de acordo com a prudente apreciação do Juiz, respeitado o direito constitucional à ampla defesa.
É necessário ressaltar que a prova emprestada do processo criminal é incabível, eis que não observado o contraditório, devendo ser repetida no procedimento para apuração de infração administrativa.
Quanto à intimação para o que trata o art. 197 do ECA, deve ser feita também na pessoa do procurador do requerido, sob pena de nulidade, por força do art. 242 do CPC.
Ante o que foi pesquisado, é fácil concluir que educar uma criança não é somente colocá-la na escola, embora isto já seja um bom começo. É na sala de aula, na quadra de esportes ou nas atividades culturais que a criança vai começar a desenvolver suas potencialidades para se tornar um cidadão. Tirar a criança da escola para obrigá-la a trabalhar é reduzir suas potencialidades, é impedir que conheça seus direitos e exerça sua cidadania. É criar alguém pela metade.
Importante também apurar com responsabilidade e seriedade as irregularidades encontradas nas entidades de atendimentos e infrações às normas de proteção à criança e ao adolescente.
Fica, então, a mensagem de que é principalmente através da educação, direito de todos, que poderemos formar o presente e o futuro de uma sociedade mais justa e cidadã.
ALBERGARIA, Jason. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 188-189.
CAVALLIERI, Alyrio. Perguntas e Respostas ao Direito do Menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986, v. VI, p. 147.
LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Brasília: IBPS, 1991, p. 132-133.
ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e Do Adolescente - Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998, p. 316-317.
Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau-SC, com especializações em Direito Tributário, pela mesma universidade, e Direito Previdenciário, pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Procurador Federal e professor em cursos de graduação e especialização.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Jackson Ricardo de. O direito das crianças e dos adolescentes à educação e a apuração de irregularidades nas entidades de atendimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42160/o-direito-das-criancas-e-dos-adolescentes-a-educacao-e-a-apuracao-de-irregularidades-nas-entidades-de-atendimento. Acesso em: 23 dez 2024.
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