Resumo: o presente artigo discute brevemente o tratamento dado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às anotações realizada em Carteira de Trabalho e Previdência Social após o advento do Cadastro Nacional de Informações Sociais, a evolução jurisprudencial que determinou a presunção de veracidade de tais anotações, e as hipóteses em que tal presunção poderá ser afastada.
Desde sua criação, em 1989, o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) ganhou importância de forma acelerada, logo se tornando a principal ferramenta do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para armazenamento e consulta das informações relativas aos segurados do Regime Geral de Previdência Social.
Nessa função, o cadastro acabou por substituir em muitos casos a própria Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), sendo possível o reconhecimento de vínculos e concessão de benefícios aos segurados sem que seja necessária a apresentação da mencionada carteira.
O CNIS, assim como outros recursos digitais que vem progressivamente substituindo o uso de documentos de papel no mundo moderno, apresenta inúmeras vantagens sobre a CTPS. Entre elas, podemos citar a atualização automática de seus dados (com base em informações advindas da Guia do Fundo de Garantia de Informações Previdenciárias – GFIP e da Relação Anual de Informações Sociais - Rais, entre outras), o cruzamento de informações com diversos órgãos governamentais, a maior celeridade em contagem, a maior segurança para o trabalhador quanto a eventual extravio ou destruição de documentos, e a maior dificuldade de fraude contra a previdência social.
É de se ressaltar, no entanto, que tanto a CTPS quanto o sistema CNIS sempre estiveram sujeitos a incompletudes capazes de prejudicar o trabalhador. Veja-se que o próprio INSS, por determinado período, não considerava automaticamente como verdadeiras as anotação do sistema anteriores a 1º de julho de 1994 (art. 19 do do Regulamento da Previdência Social, com a antiga redação dada pelo Decreto nº 4079/2002).
Com progressiva adoção do sistema informatizado, a autarquia muitas vezes chegou a negar aos segurados o reconhecimento a vínculos regularmente anotados em CTPS por causa da ausência da respectiva anotação no CNIS, o que gerou inúmeras ações judiciais contra a autarquia.
A jurisprudência firmou-se no sentido de que a simples ausência de registro no sistema CNIS não justificaria a recusa, por parte da autarquia, ao reconhecimento de vínculos de trabalho regularmente anotados na CTPS, e a própria autarquia passou a aceitar com maior facilidade tais situações, em especial a partir do Decreto 6722/2008, que alterou a redação do art. 19 do Regulamento da Previdência Social. Mencione-se também que, conforme o Parecer nº 118/2013/CGPL/CGMBEN/PFE-INSS/PGF/AGU, os procuradores federais que atuam na defesa do INSS não devem impugnar anotações regulares em CTPS apenas por não haver equivalente anotação no CNIS.
Atualmente, a súmula 75 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) dos Juizados Especiais Federais determina:
“A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)”.
Assim, não pode o INSS deixar de reconhecer o vínculo regularmente anotado em CTPS. As razões para tal conclusão são muitas, dentre as quais podemos citar a ausência de responsabilidade do empregado pelo recolhimento das contribuição ao INSS (que via de regra são a principal fonte de informação do CNIS quanto aos salários de contribuição do trabalhador) ou pela fiscalização desse recolhimento, a existência de significativa informalidade no país, além do princípio geral do direto que determina a presunção de boa-fé.
Desta conclusão, contudo, não se pode entender que as anotações feitas em CTPS estão imunes a qualquer tipo de questionamento pela autarquia previdenciária. Ao contrário, o próprio enunciado da TNU menciona a presunção relativa (ou “juris tantum”) de veracidade do documento, o que significa que admite-se a prova em contrário ao que estiver anotado em CTPS. Exatamente no mesmo sentido é a súmula 255 do Supremo Tribunal Federal, que determina:
“Não é absoluto o valor probatório das anotações da carteira profissional.”
A existência de presunção relativa, no entanto, atribui à autarquia,quando esta deixar de considerar um vínculo regularmente anotado em CTPS, o ônus de apontar provas de falsidade ou inexistência do vínculo, sendo insuficiente a ausência de simples ausência anotação no CNIS.
Da própria leitura do enunciado da TNU percebe-se o primeiro caso em que é admitido que a autarquia lance dúvida sobre o conteúdo da CTPS: a existência de “defeito formal”, ou seja, defeito intrínseco à própria Carteira de Trabalho que se busca utilizar como prova. Entre os exemplos podemos citar rasuras, folhas faltantes, anotações fora de ordem cronológica, ausência de anotações de férias, contribuições sindicais ou alterações de salário, em especial se tais ausências se derem apenas no período controverso, entre outras. Nesse sentido, tem decidido a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF.
1. Hipótese em que o Tribunal local consignou de maneira clara e inequívoca que o termo inicial registrado na CTPS encontrava-se eivado de erro, motivo pelo qual não reconheceu o tempo de serviço especial prestado no período de 24.7.1970 a 16.7.1979 e que não houve comprovação de exposição a agente nocivos, motivo pelo qual não seria o caso de enquadramento na categoria especial.
[...]
3. Em que pese a CTPS gozar de presunção de veracidade, esta se dá de forma relativa, admitindo-se, portanto, prova em sentido contrário. Sendo assim, é evidente que, para modificar o entendimento firmado no acórdão impugnado, seria necessário exceder as razões colacionadas no acórdão vergastado, o que demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, vedada em Recurso
Especial,conforme Súmula 7/STJ.
4. No tocante à ofensa ao art. 462 do CC, não se conhece de Recurso Especial quanto a matéria não especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incide,
por analogia, a Súmula 282/STF.
5. Agravo Regimental não provido.
(Agravo nº 2008.71.95.005883-2, rel. Juiz Federal Herculano Martins Nacif, j. 17/10/2012).
(AgRg no REsp 1468002 / RS 2014/0171414-8, Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
j. 16/10/2014)
Entendemos, no entanto, que o fato de que a citada súmula menciona apenas o vício formal não impede que, como ocorre em regra em casos de presunção relativa, se comprove a inexistência do vínculo alegado por quaisquer outras provas em direito admitidas, tais como declarações do próprio empregador, livros de registro de empregado, prova testemunhal, prova pericial que venha a demonstrar que o trabalhador não se encontrava fisicamente capaz de realizar o trabalho alegado, e assim por diante.
Por outro lado, havendo algum defeito formal na CTPS, também pode o trabalhador comprovar o vínculo por quaisquer meios em direito admitidos. Em ambos os casos, o existência de vínculo no CNIS pode servir como prova da existência do vínculo ou até mesmo de sua inexistência, se o trabalhador tiver outro vínculo no mesmo período em localidade completamente diferente (outro município ou Estado da Federação) ou com óbvia incompatibilidade de horários.
Em suma, a adoção do entendimento de que a CTPS, por si só, gera presunção relativa dos vínculos nela anotados traz maior segurança ao trabalhador, mas não impede que sejam impugnados tais vínculos ou salários quando houver prova em contrário, como aliás ocorre nos demais casos de presunção relativa existentes no ordenamento pátrio.
Com a progressiva adoção da CTPS eletrônica (cuja implementação já é prometida para todo o território nacional a partir de 2015), tal panorama poderá novamente vir a ser modificado, conferindo maior confiança ao segurado e à coletividade.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 3. ed. de acordo com a Lei n. 12.618/2012 – São Paulo : Saraiva, 2013.
CARDOSO, Oscar Valente; SILVA JÚNIOR, Adir José da. A Carteira de Trabalho e Previdência Social como prova de tempo de contribuição. Súmula nº 75 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3652, 1 jul. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24831>. Acesso em: 4 dez. 2014.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 dez. 2014.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. Da presunção de veracidade da Carteira de Trabalho e Previdência Social perante o Instituto Nacional do Seguro Social e das hipóteses de afastamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42180/da-presuncao-de-veracidade-da-carteira-de-trabalho-e-previdencia-social-perante-o-instituto-nacional-do-seguro-social-e-das-hipoteses-de-afastamento. Acesso em: 23 dez 2024.
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