Resumo: Este trabalho irá abordar a antecipação de tutela, mais precisamente acerca de sua concessão ex officio pelo juiz na seara trabalhista, demonstrando a grande discussão doutrinária sobre o tema.
Palavras-Chaves: Direito Processual do Trabalho – Tutela Antecipada – Concessão Ex Officio.
1 – INTRODUÇÃO:
O instituto da tutela antecipada, segundo alguns autores, depende de prévio requerimento da parte, não sendo possível antecipar os efeitos da tutela sem tal pressuposto.
Entende, parcela da doutrina, que o magistrado estaria sendo parcial nos casos de concessão de ofício da tutela antecipada, pois só à parte cabe tomar a decisão de arcar com os riscos de uma antecipação de tutela. Em um trecho sobre o tema, Alexandre Freitas Câmara leciona:
Parece-nos que a lei processual, ao exigir o requerimento da parte, manteve-se consentânea com o nosso sistema processual, onde prevalece o princípio da demanda, não podendo o órgão jurisdicional conceder à parte algo que não foi por ela pleiteado. [1]
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EX OFFICIO. 1. Consoante dispõe o art. 273, caput, do Código de Processo Civil, é vedado ao juiz conceder ex officio antecipação de tutela. 2. Ainda que se admita a concessão da tutela antecipada de ofício no âmbito dos juizados especiais, a Lei nº 10.259/01 é regra de exceção e aplica-se restritivamente. [2]
Os entendimentos acima expostos podem até se fundamentar no princípio de que ao juiz é vedado agir de ofício, não podendo proceder sem o requerimento da parte, conforme os princípios da demanda e do dispositivo.
Entretanto, ousa-se, no presente estudo, discordar dos argumentos acima apresentados, nos termos dos argumentos expostos no tópico seguinte.
2 - DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EX OFFICIO DA TUTELA ANTECIPADA NO PROCESSO DO TRABALHO:
Pode ser possível a concessão da tutela antecipada sem o preenchimento do referido pressuposto: requerimento da parte. Com essas afirmações, o juiz não estaria atrelado ao pedido da parte, podendo, ex officio, conceder a antecipação de tutela, assegurando ao jurisdicionado não só o direito de propor a ação, mas, principalmente, o direito a uma tutela adequada e pretendida.
Com essas premissas, pode-se apontar duas justificativas que levam a essa conclusão: uma, de natureza processual e, outra, de natureza constitucional.
No que toca ao aspecto processual, a questão gira em torno de quem é a vítima dos abusos dos direitos processuais. O processo, como se sabe, é um instrumento colocado à disposição das partes para resolver conflitos de interesses. A finalidade do processo, pois, é dar razão a quem efetivamente tem, devendo-se utilizar de meios racionais na atuação do direito, estruturando-se com a rapidez necessária e com a justiça do caso concreto.
Vários são os dispositivos encontrados no Código de Processo Civil, no sentido de alcançar a celeridade e a justiça, como, por exemplo: a) o art. 15, que concede ao juiz poderes para mandar riscar dos autos expressões injuriosas; b) a possibilidade de condenação do litigante de má-fé pagar multa no art. 18; c) a condenação nas custas a partir do saneamento do processo, quando o réu não arguir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, ou dilatar o julgamento da lide, hipótese prevista no art. 22, entre tantos outros.
Não se trata, assim, de colocar o juiz em condição de supremacia em relação às partes, mas de reconhecer que o comportamento ilícito da parte no processo não só atinge a parte contrária, como também o próprio Estado. Logo, o Estado deve utilizar meios indispensáveis no processo que reprimam o comportamento ilícito dos jurisdicionados.
Da leitura do próprio Código de Processo Civil, pode-se verificar que esse comportamento ilícito da parte no processo pode se manifestar através do abuso do direito de defesa e, também, do manifesto propósito protelatório do réu, o que atinge diretamente o Estado. Dessa forma, não haveria sentido lógico-jurídico capaz de condicionar a antecipação de tutela ao pedido da parte.
Demais disso, uma das hipóteses que autoriza a antecipação da tutela está prevista no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil, onde o litigante prejudicado pelo “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” é quem está legitimado a requerer a antecipação de tutela. Porém, no caso do “abuso do direito de defesa ou de manifesto propósito protelatório”, um ponto é digno de nota: o processo é um conjunto de disposições, cuja finalidade é, como dito, a solução dos conflitos de interesses. Entretanto, muitas vezes, encontra-se, nos processos judiciais, inúmeros comportamentos abusivos das partes, muitas delas patrocinadas pelos seus advogados, atingindo os próprios fins do processo, o que configura um verdadeiro atentado à dignidade da justiça.
Nesses casos, a vítima desses abusos perpetrados pelas partes no processo é, do mesmo modo, o Estado-Juiz, o que autoriza a este antecipar a tutela em repúdio a esses comportamentos ilícitos. Essa, aliás, deve ser a orientação do próprio Código de Processo Civil, no sentindo de inibir ainda mais os atos atentatórios à justiça, não sujeitando a antecipação da tutela ao pedido da parte o que ocorre atualmente com a hipótese prevista no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil.
Nesse diapasão, deve-se afastar a preocupação no que toca ao controle do arbítrio do juiz quando da investigação da defesa, isto é, de verificar, em determinado processo judicial, se o comportamento da parte é abusivo ou se há manifesto propósito protelatório. Isso porque, conforme dispõe o art. 273, § 1°, do mencionado Código, a decisão que antecipa a tutela deve ser motivada e, nos termos do art. 522, a parte que se sentir prejudicada com antecipação poderá agravar da decisão.
Outro ponto que deve ser considerado é o referente ao princípio do impulso oficial. Impedir o juiz de antecipar a tutela quando houver o manifesto propósito protelatório é colocar em risco a própria continuidade dos atos processuais, violando, portanto, o princípio do impulso oficial.
Sob o aspecto constitucional, o caput do art. 273 do Código de Processo Civil deve ser interpretado conforme a Constituição. Não se pode limitar o acesso à justiça ao mero aspecto formal, obstaculizando o próprio Poder Judiciário de prestar a tutela jurisdicional de forma célere e efetiva.
Não é demais lembrar que o próprio texto constitucional reconhece aos direitos fundamentais a sua aplicabilidade imediata, podendo, pois, o juiz, na análise do caso concreto, atender as providências que se mostrarem necessárias para consolidar um direito, independentemente da vontade da lei infraconstitucional, que peca muitas vezes pelo excesso de formalismo, impedindo, assim, a efetiva prestação jurisdicional.
Não se pode admitir, na perspectiva da nova ordem constitucional, interpretar qualquer ramo do direito isoladamente. A análise de qualquer sistema jurídico deve ser feita em consonância com as regras constitucionais, eis o que se chama de interpretação conforme a Constituição. Assim, o juiz deve interpretar o caso em concreto de acordo com o ordenamento jurídico, mais precisamente nos moldes do texto constitucional.
Diante disso, a não concessão da tutela antecipada, estando presentes os requisitos autorizadores de sua concessão, justificada pela falta de requerimento da parte, estaria impedindo o Poder Judiciário de prestar efetivamente a tutela jurisdicional, tornando, assim, os preceitos constitucionais em uma verdadeira lei morta.
Portanto, presentes os requisitos que autorizam a concessão da medida antecipatória, não há motivos para impedir a prestação da tutela antecipada de ofício pelo magistrado, o que garante o princípio da efetividade processual.
Entende-se, pois, ser possível a concessão ex officio da tutela antecipada. Seguindo essa linha de raciocínio, segue julgado que reforça esse entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ANISTIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL EX OFFICIO.
I - A tutela antecipada pode ser deferida de ofício quando presente, além da verossimilhança da alegação, o risco de dano irreparável pela demora na entrega da prestação jurisdicional por ser o autor pessoa de idade avançada. [3]
No Direito Processual do Trabalho, o processo é marcado por um espírito de maior proteção ao empregado e à ordem social, podendo o juiz, nesses casos, atuar de ofício independentemente do pedido da parte, permitindo a ele determinar medidas que viabilizem o acesso efetivo ao Poder Judiciário.
De mais a mais, não se pode esquecer que, também no processo do trabalho, é gritante a desigualdade das partes, motivo pelo qual levou a Consolidação das Leis Trabalhistas conceder ao juiz do trabalho amplos poderes para a realização da tutela jurisdicional, como, por exemplo, o artigo 765, que dá ao juiz poderes para dirigir o processo, velando pelo andamento rápido das causas, determinando qualquer diligência que entenda necessária para o esclarecimento dos fatos.
Nesse contexto, não há dúvidas ou entredúvidas que a expressão “requerimento da parte”, prevista no caput do artigo 273 do Código de Processo Civil, homenageia os princípios da demanda e do dispositivo que norteiam o processo civil brasileiro. Por outro lado, no processo do trabalho, vigora o princípio do jus postulandi, o que permite ao empregado, em certos casos, postular diretamente em juízo, o que não exige, nesse caso, que o obreiro, muitas vezes maculado pela ignorância, saiba pedir a antecipação dos efeitos da tutela, podendo estar ser concedida de ofício pelo juiz do trabalho.
Corroborando com esse entendimento, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região assim decidiu:
MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA ANTECIPADA EM SENTENÇA. Ausência de ilegalidade no ato judicial que, de ofício e por ocasião da prolação da sentença, antecipa a tutela, determinando à reclamada a anotação da CTPS do reclamante, em 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de cominação de multa diária. De fato, a r. decisão encontra respaldo no art. 461, caput, do CPC, segundo o qual "na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.". Aplicável ainda o entendimento formulado pelo c. TST na Orientação Jurisprudencial 51 da SDI 2, no sentido de não ser impugnável por mandado de segurança a antecipação da tutela conferida em sentença, mas sim mediante recurso ordinário. Segurança que se denega. [4]
O referido julgado confirma, na prática, a aplicação do instituto da tutela antecipada de ofício em casos que reclamam urgência, como, por exemplo, o do reconhecimento de relação de emprego, através da anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, decorrendo daí direitos substanciais que não podem ficar ao alvedrio da morosidade da justiça.
No mesmo sentido foi o julgado da 5ª Vara do Trabalho de Santos (SP) concedendo a medida antecipatória de ofício em verbas rescisórias a ex-empregada por ter sido demitida sem justa causa, entendendo o juiz que as verbas rescisórias “tem por finalidade garantir a sobrevivência do trabalhador que, sendo demitido injustamente, fica desempregado" e que "sob qualquer ângulo que se aprecie a questão, é inteiramente possível a concessão da tutela antecipada pelo juízo ex officio, mormente se considerando que, em alguns casos, esta concessão não constitui um simples poder, mas sim um dever para o julgador”. [5]
Assim, a medida antecipatória concedida de ofício pelo juiz do trabalho atendeu a sua finalidade essencial, protegendo os interesses da parte hipossuficiente que muitas vezes encontra-se em posição desigual com a parte adversa, favorecendo a aplicação do princípio da igualdade.
Percebe-se, portanto, que a tutela antecipada tem missão constitucional quando concede a pretensão do direito àquele que se encontra em posição de desvantagem numa relação jurídica processual. Dessa forma, valer-se do princípio da igualdade é superar a odiosa disparidade existente entre as partes numa lide. Nesse sentido, a tutela antecipada concretiza a isonomia perseguida pela Carta Magna, alcançando outro princípio que, não menos importante, constitui fundamento e parâmetro dos direitos fundamentais: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, o processo do trabalho não pode prescindir da aplicabilidade e da concessão da tutela antecipada, o que garante um equilíbrio entre as partes e possibilita até mesmo ao juiz conceder a medida antecipatória de ofício quando a realidade apresente uma situação de urgência, capaz de inviabilizar a prestação efetiva da tutela jurisdicional.
Não há que se falar em condicionamento da tutela antecipada ao requerimento da parte, pois tal pensamento vai de encontro com a atual concepção de processo, que se encontra baseado nos preceitos constitucionais que asseguram resultado prático diante de situações que reclamam urgência por parte do Poder Judiciário.
3 – CONCLUSÃO:
Portanto, considerando os argumentos utilizados acima, pode-se concluir que, no paradigma da pós-modernidade, a tutela antecipada de ofício é perfeitamente cabível no processo do trabalho, mormente pela qualidade das lides que a compõe, tratando-se, na maioria delas, de natureza alimentar, sugerindo que o juiz do trabalho não seja um mero seguidor das leis, mas sim um perseguidor da justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- BRASIL. Tribunal Regional Federal (2ª Região). Disponível em: < http://www2.trf2.gov.br>. Acesso em: 24/11/2014.
- BRASIL. Tribunal Regional Federal (4ª Região). Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/>. Acesso em: 05/11/20014.
- BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
- BRASIL, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.
- BRASIL, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
- MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 29 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
- SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho, 4ª ed. São Paulo: Método, 2007. p. 767
- http://www.conjur.com.br/, acesso em 24/11/2014.
[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 453.
[2] BRASIL. Tribunal Regional Federal (4ª Região). AG 2009.04.00.020232-3, Turma Suplementar, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 03/11/2009. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php>. Acesso em: 05/11/2009.
[3] BRASIL. Tribunal Regional Federal (2ª Região). Embargos de declaração na Apelação Cível nº 187858, da 3ª Turma. Relator: Desembargadora Tânia Heine. DJ 07/03/2005. Disponível em: < http://www2.trf2.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=base_jur:v_juris>. Acesso em: 05/11/2009.’
[4] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (2ª Região). Mandado de Segurança n° 3 - 11247-2005-000-02-00. Turma: SDI. Órgão Julgador – Dissídios Individuais. Relator (a): Desembargadora Wilma Nogueira de Araujo Vaz da Silva. Acórdão n° 2006001947. Decisão: 14/02/ 2006. Disponível em: <http://brs02.tst.jus.br/cgibin/nphbrs?d=Jr02&s1=tutela+antecipada+of%EDcio&u=http://www.tst.gov.br/brs/juni.html&p=1&r=4&f=G&1=0>. Acesso em: 04/11/2009.
[5] Disponível em < http://www.conjur.com.br/2005-ago-04/juiz_concede_tutela_antecipada_ex_officio_trabalhadora?pagina=4>, acesso em 24/11/2014.
Procurador Federal, ora de 1ª Categoria, cuja data de posse ocorrera em 03/03/2008, Matrícula Siape n. 1611995, Chefe da Seção da Matéria de Benefícios e Chefe-Substituto da Procuradoria Federal Especializada do INSS em Campina Grande/PB (PFE/INSS/CGE) no período entre 08/2012 a 12/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Carlos Eduardo de Carvalho. Tutela antecipada e sua concessão de ofício no âmbito da Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42190/tutela-antecipada-e-sua-concessao-de-oficio-no-ambito-da-justica-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
Precisa estar logado para fazer comentários.